Arquivo da Categoria: Canterbury

Paolo Conte – “I Primi Tempi” + Vários – “Bandes Originales Du Journal Spirou” + Mark Stewart – “Metatron” + Robert Rich – “Numena” + Ashley Hutchings & Friends – “Morris On” + Muzsikás – “Blues For Transylvania”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 20 JUNHO 1990 >> Videodiscos >> Pop


PRECIOSIDADES


Paolo Conte
I Primi Tempi
LP e CD duplos, BMG Ariola


Não existe nenhum músico como Paolo Conte. Nenhum tão ridículo, patético, sublime, piroso, grandioso, elegante, bêbado, disparatado, comovente e inspirado. Nenhum tão italiano e tão estrangeiro. “I Primi Tempi” é uma coletânea contendo temas que vão de 75 a 82, a sua melhor fase. Imaginem uma mistura de Carla Bley, Tom Waits, Nino Rota, cançoneta italiana e Marco Paulo. Parece impossível mas não é. Não existe nenhum músico como Paolo Conte.

Vários
Bandes Originales Du Journal Spirou
LP e CD duplos, Nato


Vinte e dois álbuns de BD editados na revista “Spirou” passados para música pelos geniais excêntricos da editora de Jean Rochard. De Steve Beresford a John Zorn, passando por Tony Hymas, Max Eastley, Lol Coxhill ou David Weinstein, todos se divertem compondo mini bandas sonoras para os seus heróis preferidos. O jazz, a eletrónica e as fusões e colagens mais impensáveis são excelentes pretextos para a criação de uma obra-prima descomprometida e instrumentalmente fabulosa.

Mark Stewart
Metatron
LP e CD Mute


A Mafia volta a atacar. Através das estratégias subversivas do padrinho Mark Stewart. “Sampling” desvairado e saturado, o “dub” como exercício de fragmentação levado ao limite da tortura. Mesmo assim mais acessível e, se quisermos, mais melodioso que anteriores operações…

Robert Rich
Numena
LP e CD, Multimood




“Todas as composições deste disco empregam um sistema de afinação, sustentado por uma escala baseada em proporções numéricas específicas entre as diversas notas – Robert Rich. Para além do blá blá blá conceptual, “Numena” vale como um belíssimo exemplar de música eletrónica entre o minimal e o planante, lembrando, por vezes, nas sumptuosidades wagnerianas e nos sequenciadores cristalinos, a obra “Mirage”, de Klaus Schulze.


Ashley Hutchings & Friends
Morris On
LP e CD, Hannibal


É um disco velhinho mas imprescindível para todos aqueles interessados em conhecer uma das obras pioneiras do revivalismo folk britânico. Ashley “Tiger” Hutchings, John Kirkpatrick, Richard Thompson, Dave Mattacks e Barry Dransfield são cinco nomes, hoje lendários, responsáveis neste disco pela reatualização da Morris Dance, dança ancestral inglesa. A Inglaterra rural, eletrificada, mas ligada à terra.

Muzsikás
Blues For Transylnavia
LP e CD, Hannibal


Márta Sebestyen é a voz maravilhosa que dá corpo e asas às músicas das Muzsikás. Neste caso, canções tradicionais da Transilvânia. Canções de guerra, de prisioneiros, de casamento e de Natal. Tocadas e cantadas do fundo da alma pelos violinos, sanfonas, gaitas-de-foles e bombardas de Sándor Csoóri e companheiros e pela voz de Márta, que, como Drácula, nos faz ficar sem pinga de sangue.

Incredible String Band – “Incredible String Band” + Incredible String Band – “The Hangman’s Beatiful Daughter”

pop rock >> quarta-feira, 15.09.1993
REEDIÇÕES


A INCRÍVEL CORNUCÓPIA

INCREDIBLE STRING BAND
Incredible String Band (6)
The Hangman’s Beatiful Daughter (8)
Elektra, distri. Warner Music



Iam os anos 60 na metade e na zona do Soho, em plena euforia “hippie”, uma legião de jovens ingleses descobria a música tradicional do seu país. No meio da confusão reinante e da profusão de ideias que o haxe e o ácido ajudavam a fazer brotar, dois amigos, Mike Heron e Robin Williamson (que por acaso é escocês…) criaram uma banda que, volvidos quase 30 anos sobre a sua formação, tem servido de inspiração a muita gente. Entre os dois aprenderam a tocar umas boas dezenas de instrumentos, dos mais comuns aos mais exóticos (com predomínio para os indianos, como era então da praxe), que utilizaram para criar uma música sem classificação possível. Os “blues”, a desbunda psicadélica, as “ragas” indianas, a tradição rural inglesa, a música de circo, o misticismo e a declamação, tudo contribuía para fazer da música dos Incredible uma cornucópia de onde brotavam híbridos fascinantes, e uma das mais originais da sua época (Mick Jagger, entre outros, deixou-se fascinar completamente por ela).
“Incredible String Band”, estreia discográfica, lançada em 1966, apresenta os ISB em formato de trio (com Clive Palmer), ainda com o arsenal de instrumentos em fase de armazenamento. Na forma de baladas que não chamariam a atenção se não fossem o estilo e a combinação inusitadas das vozes de Heron e Williamson (hoje um bardo da harpa e nome respeitado nos meios “Folk” britânicos). “The Hangman’s Beautiful Daughter” conta já com o par de vozes femininas de Licorice e Rose Simpson, duas “hippies” entretanto recrutadas para a comunidade. É uma das obras mais representativas da banda, e nela avulta um conjunto de canções estranhas, em constante flutuação entre géneros musicais, uns mais identificáveis do que outros, coroado por esse encantamento de Merlin que é “A very celular song”. Enquanto em Inglaterra se processa em bom ritmo a reedição em compacto da totalidade da obra desta banda seminal, por cá a Warner importou quantidades reduzidíssimas dos dois trabalhos em análise, bem como de “Changing Horses” e “The Big Huge” (na versão original acoplado, num duplo-álbum, a “Wee Tam”). Aos dois últimos não lhes conseguimos pôr a vista em cima. Quem tem medo de arriscar: a distribuidora ou as lojas? “Earthspan”, da mesma banda, apareceu há alguns meses perdidonos escaparates e por lá não ficou dutante muito tempo. Entre outras obras, os Incredible String Band têm disponíveis jóias como “U”, a banda sonora “Be Glad for the Song has no Ending” e “Liquid Acrobat as Regards the AIr”. Um filão que urge explorar.



Matching Mole – “Matching Mole”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 20.05.1992


Matching Mole
Matching Mole
CD, Columbia Japan, import. Contraverso e Bizznizz



Matching Mole é a transcrição fonética aproximada de “machine mole”, tradução francesa de Soft Machine, e o primeiro projecto colectivo de Robert Wyatt após a saída desta banda e antes da queda do 4º andar que o confinaria à cadeira de rodas e à produção regular de obras-primas como “Rock Bottom”, “Old Rottenhat” e o recente “Dondestan”. Com os Matching Mole, viria ainda a gravar o fabuloso “Little Red Record”.
O antecessor directo da orientação musical encetada pelos Matching Mole encontra-se na composição de Wyatt incluída na obra m´xima dos Soft Machine, o duplo “Third” (també há tempos reeditado em CD, agora de novo disponível): “The Moon In June”, longa melopeia vocal “dada”, entre o pueril e a complexidade de arranjos característica dos Soft Machine, aqui transposta para o formato de canção pop, como a entendiam, no final dos anos 60, os cruzados da comunidade de Canterbury (Egg, Caravan, Gong, Hatfield and the North): a linguagem “hippy”, com todo o seu cortejo de alucinações, alimentada por uma educação “arty” no seio do jazz e da música erudita.
Nos Matching Mole, encontrou Wyatt o terreno propício para as suas excentricidades e para exercícios melódicos, que aqui resultaram em duas canções pop à beira da perfeição: “Oh Caroline” e esse prodígio de encenação e expressividade – a letra, cantada com um máximo de emoção, refere-se à estrutura formal de uma canção, com “1st e 2nd verses”, “chorus” e uma mudança de tom final tão intensa como o súbito lampejo de um beijo – que é “Signed Curtaon”. Depois, são as “composições improvisadas” dirigidas pela guitarra inconfundível de Phil Miller e o swing e as explorações tímbricas realizadas nos teclados por outro dos mestres de Canterbury, David Sinclair, bem secundado pelo baixo de Bill McCormick e o piano eléctrico no limite da distorção do convidado David McRae (Nucleus), que tornam “Matching Mole” um álbum indispensável para a compreensão do que foi a margem mágica da cena pop vanguardista britânica, na transição entre duas décadas. (8)