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Gong – “Gnomo – A Desbunda Cósmica” (valores selados | blitz | dossier | artigo de opinião)

BLITZ 24 OUTUBRO 1989 >> Valores Selados


GNOMO
A DESBUNDA CÓSMICA



GONG é o planeta da folia. Os seus habitantes, os Pot Head Pixies, viajam através do Universo dentro de bules de chá. É de um destes bules, algures nas imensidões cósmicas, que a RÁDIO GNOMO INVISÍVEL emite telepaticamente mensagens subliminares para todo o Cosmos. Às cinco da tarde, conseguem apanhar-se em FM.
A referida estação, presumivelmente pirata e talvez por isso mesmo em constante deriva pelo espaço, fugida às autoridades galáticas, vem por mero acaso encalhar no planeta Terra. A partir daqui é o caos, a loucura desenfreada, Dada, chá, cabeças a voar. Gong é o resultado das lucubrações mentais de Daevid Allen, um australiano que um dia se viu impossibilitado de permanecer em Londres por ter caducado o seu visto de cidadão estrangeiro. Nessa altura, já lá vão 21 aninhos, em plena época hippie, fazia parte de um grupo que então despontava na cena alternativa inglesa de Canterbury: os Soft Machine, ao lado de rapazes como Robert Wyatt, Mike Ratledge e Hugh Hopper. Despeitado, saiu, atravessou o canal e assentou praça na vizinha Espanha. Foi substituído nos Softs por outro louco, Kevin Ayers, que também abandonou o grupo e veio para Espanha. Espanha, um país de loucos onde vêm parar os filhos preteridos de Sua Majestade.
Daevid enlouquece de vez e forma os Gong. Juntaram-se-lhe os também lunáticos Didier Malherbe (sax, flauta), Christian Tritch (baixo), Laurie Allan e Pip Pyle que mais tarde viria a fazer parte dos Caravan e Hatfield and the North, ambos na bateria e a vocalista Gilli Smyth. Charles Hayward (muito mais tarde nos This Heat) fazia uma perninha de vez em quando, ainda na bateria.
Neste período inicial gravaram três álbuns: «Magick Brother, Mystic Sister» de 69, que, segundo Daevid Allen, nunca existiu. Talvez. Contudo eu ouvi-o e gostei. Alucinação? Já mais reais são os dois seguintes: «Continental Circus» de 71, para um documentário sobre corridas de motas e «Camembert Electrique», do mesmo ano, capaz de fazer fundir os fusíveis aos mais atinados.
Entretanto assinam previsivelmente contrato com a Virgin, para a qual gravam de enfiada as três obras-primas que formam a trilogia «Radio Gnome Invisible», «The Flying Teapot» e «Angel’s Egg» ambos de 73 e «You» de 74. Por esta altura faziam parte do grupo dois músicos essenciais na definição do melhor som dos Gong: Steve Hillage (guitarra) e Tim Blake (eletrónica e teclas).
Estes três álbuns são o desatino total. Os músicos adquiriram personalidades demenciais: Allen era Zero the Hero ou Dingo Virgin, Didier Malherebe, Bloomdido Bad de Grasse, Gilli Smyth, a deusa da Lua, intitulava-se Shakti Yoni e por aí fora. A música era uma mescla inspirada de jazz experimental com a canção ultra-melodiosa, à boa maneira do som Canterbury, mais eletrónica planante (nesta época não podia faltar) e nonsense nonstop. O planeta Gong rebentava de riso e de boa música. Os seus habitantes perdidos em desbundas de freaks funcionando em galáxias alternativas.
Aos poucos a confusão vai atingindo níveis incontroláveis. Saem e entram constantemente novos músicos. É a grande salganhada. Sem saberem bem como, Gilli Smyth, Steve Hillage, Tim Blake e o próprio Allen dão por si fora do grupo. Quem se vai aproveitando desta confusão é Pierre Moerlen, o virtuoso percussionista erudito vindo das Percussões de Strasbourg, trazendo consigo do mesmo grupo Mireille Bauer e assenhoreando-se progressivamente da orientação musical dos Gong que aos poucos se vão tornando num mero grupo de jazz-rock. «Shamal», de 75, é a despedida do humor, do ecletismo e, sobretudo, da inspiração e originalidade anteriores. O álbum seguinte, «Gazeuze», de 76, reduz-se às exibições pirotécnicas dos percussionistas que, na altura, eram já quatro; para além de Moerlen e Bauer, tinham entrado o irmão do primeiro, Benoit e mais um virtuoso, Mino Cinélu, atualmente nos Weather Report. De qualquer modo é um regalo escutar os rendilhados cristalinos traçados pelo vibrafone e pelas marimbas de Pierre Moerlen e companhia. Por vezes ainda contavam com a participação de mais um baterista, Bill Bruford, nas atuações ao vivo. Devia ser bonito.
Em 77 os Gong, já indignos do seu passado, gravam dois duplos: «Gong Live» e o irónica e adequadamente intitulado «Gong est mort». É um facto. Os Gong, sem o seu principal mentor espiritual, há muito que estavam mortos. Assinava-se pois a certidão de óbito. Ainda chega a ser editado, em 78, «Expresso II» de uma vulgaridade atroz. A partir daí passava a existir o Pierre Moerlen’s Gong, designação mais correta para um projeto que já nada tinha a ver com o original.
Allen, Hillage, sobretudo estes dois, Malherbe, Blake e Smyth tinham entretanto já gravado dezenas de álbuns a solo, alguns deles bastante bons, como «L» de Steve Hillage, «Crystal Machine» de Tim Blake e quase todos os de Daevid Allen.
Os Gong, talvez por serem tão personalizados, tanto musical como conceptualmente, não deixaram descendência. Permanecerão para sempre um mundo à parte. A Rádio Gnomo Invisível continua a rir e a emitir.



«o bule voador»
Alerta B.V.N.I.s (Bules Voadores Não Identificados) invadem a Terra durante o chá das cinco. A bruxa Yoni e as misteriosas frequências emitidas pela máquina de cristal dão cabo da cabeça dos humanos. Só Zero (não o recruta) os poderá salvar



«o ovo do anjo»
O próprio Zero fica sem cabeça que voa até à Lua ou ainda mais acima, até ao paraíso dos orgasmos perpétuos. Zero é um anjo ou um demónio? Mais acima, ainda mais para cima. O anjo és tu. Agarra o ovo do Céu

«Tu»
O templo interior é de cristal. Aqui vive o grande construtor. Aqui vives tu. No palácio da eterna sabedoria são-te revelados os derradeiros mistérios. Estás salvo. Salvo pelo GONG

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #73 – “Caravan-1º álbum, remasterizado (FM)”

#73 – “Caravan-1º álbum, remasterizado (FM)”

Fernando Magalhães
11.02.2002 160454
Não resisto a recomendar a audição do álbum de estreia dos CARAVAN, intitulado simplesmente “Caravan”, acabado de ser editado em ed. remasterizada e sob a forma de dois alinhamentos – em mono e em stereo (prefiro este).

É um álbum de pop canterburyiana absolutamente mágico. Imaginem a música dos posteriores “If I Could do it…” e “In the land of Grey and Pink”, despojada da sua vertente mais experimental e instrumental, para se concentrar em melodias que se alojam insidiosamente no cérebro.

Quem quiser compreender de onde deriva a ala do pós-rock de Chicago mais suave, personificada por gente como os The Sea and Cake, Stephen Prina ou Jim O’Rourke, deve começar por aqui.

FM

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #71 – “Happy, Moore, H.Cow…p_The Preacher (FM)”

#71 – “Happy, Moore, H.Cow…p_The Preacher (FM)”

Fernando Magalhães
04.02.2002 160436
O meu thread ficou “tapado” pelo do Karalinda… 🙂

Para que esta mensagem possa servir a mais interessados, aqui vai de novo:

Seguir para onde? É complicado!

Eu sugeriria 3 vias divergentes, mas qualquer deles traduzida em álbuns magníficos:

“The Henry Cow Leg End” (1973) dos HENRY COW, é o “pai” de toda a música europeia do chamado “rock de câmara”. É um disco a todos os títulos fascinante que alia um humor Frank Zappiano, o experimentalismo dos Faust, o jazz mais avançado (mas que, surpreendentemente, adquire nos HC uma acessibilidade notável) e até uma fabulosa canção pop, “Nine funerals of the citizen king”.

Outra obra-prima, já por mim aqui referenciada, é “Flying doesn’t Help”, de ANTHONY MOORE (às vezes aparece escrito “More”…o homem fez parte dos Slapp happy e dos Henry Cow), sem exagero, um dos mais fantásticos álbuns de…ROCK, de todos os tempos. O espírito dos Velvet Underground traduzido para um som contemporâneo. Baladas diabolicamente apelativas alternam com descargas de rock poderoso, pautadas por riffs de guitarra/eletrónica sem paralelo. A versão de “War”, tema incluído no álbum “In Praise of Learning”, dos Henry Cow, é, por si só, uma experiência arrasadora.

Dos SLAPP HAPPY, podes investigar o álbum anterior, “Sort of…”. Mais clássico mas mesmo assim escondendo algumas pérolas (canções, sempre as canções com um toque de magia e e excentricidade…) que “Slapp Happy”.
O “Ça Va” é engraçado mas eu prefiro o som mais “antigo” do grupo.

Claro que ainda tens as discografias do JOHN GREAVES e da DAGMAR KRAUSE a solo…

Importante: Os HENRY COW prosseguiram, de certa forma, no grupo ART BEARS (Fred Frith, Dagmar Krause, Chris Cutler). Uma música mais “fria” e esotérica que a dos HC que, de qualquer forma, se traduziu pelo menos numa obra prima: o álbum de estreia “Hopes and Fears”.
“Winter Songs” (uma leitura musical hermética da simbologia das catedrais medievais) e “The World as it is Today” (o mais complexo dos álbuns dos Bears) são igualmente muito bons, sobretudo o segundo.

O “problema” é que, se gostares de todas estas obras, tens pela frente um universo de discos, todos importantes, de dezenas e dezenas de bandas, cada qual um mundo de descobertas: 5 UU’s, MOTOR TOTEMIST GUILD, THINKING PLAGUE, UNIVERS ZERO, NON CREDO, DOCTOR NERVE, PFS, ZERO POP, ETRON FOU LELOUBLAN, SAMMLA MANNAS MAMA…

FM

Fernando Magalhães
04.02.2002 180642
quote:
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Publicado originalmente por thePreacher

Eu entretanto no outro post deixei-te uma pergunta, que era, se tiveres alguma disponibilidade, uma breve explicação para um leigo como eu de “rock de câmara”.
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Rock tocado com um rigor e um classicismo que evocam a música de câmara. Mas o termo foi usado sobretudo para acentuar o carácter “erudito” ou “elitista” (eheh) de uma música que juntou a energia do rock ao conceito de “música de interiores” e aos compassos complexos conotados com a música de câmara.
Claro que, a partir daqui, este conceito se tornou redutor, partindo a maioria dos grupos ligados a esta estética, chamemos-lhe assim, para músicas pessoalíssimas que integraram toda a espécie de elementos, do free jazz à eletrónica, de registos folk às programações de computador, da música concreta à canção pop, do Progressivo à improvisação.

O movimento foi despoletado ainda nos anos 70 por uma associação chamada “Rock in Opposition” da qual faziam parte os ingleses HENRY COW, os italianos STORMY SIX, os franceses ETRON FOU LELOUBLAN e os suecos SAMMLA MANNAS MAMA. E os belgas UNIVERS ZERO também, se não estou em erro…

Outras bandas que ainda não referi: SKELETON CREW, NEWS FROM BABEL, THE MUFFINS, WONDEUR BRASS, PRESENT, CONVENTUM, DÉBILE MENTHOL, AKSAK MABOUL…

FM