Arquivo mensal: Novembro 2025

Lautari – “‘Como Uma Guerrilha'” (banda nova)

pop rock >> quarta-feira >> 03.05.1995
banda nova


“COMO UMA GUERRILHA”



“Lautari” designa, na terminologia dos ciganos da Roménia, “aquele que improvisa”, o músico ambulante que aprende escutando os mestres. É também a designação escolhida por este trio de Lisboa, que escolheu, entre todas as formas musicais disponíveis, aquela que, pelo menos em Portugal, se afigura como a de maiores dificuldades, tanto em termos de prática como de aceitação junto do grande público. Formado no ano passado, em Lisboa, o grupo encontra-se neste momento na fase de procura de plataformas de trabalho viáveis e que se coadunem com as respectivas personalidades, necessariamente diferentes e, por vezes, contraditória entre si. Num campo de manobra cheio de minas e na mira de não poucos preconceitos auditivos, os Lautari conseguiram para já assegurar a sua subsistência como grupo, não abdicando das suas convicções a favor de um impacte mais imediato no consumidor médio. Escolheram a improvisação, “pelo risco” e “por uma necessidade de comunicação”, como acontece com José Oliveira, que afirma “não ter tempo, nem jeito, nem pachorra, para dizer alguma coisa enquanto na simples posição de intérprete”. José Oliveira, que, no passado, já tocou com o trompetista Sei Miguel e com Celso de Carvalho, faz suas as palavras do percussionista inglês Roger Turner, quando este diz que a música é “uma forma de guerrilha”, embora faça questão de frisar que, “já na música barroca, se incluía uma margem significativa de improvisação”.
A audição de nomes como Evan Parker, Barry Guy, Paul Lytton, Paul Lovens, Derek Bailey, representantes da free music inglesa dos anos 60 e 70, mas também Archie Shepp, Ornette Coleman ou Eric Dolphy, foram determinantes na génese da estética perfilhada pelos Lautari.
“A persistência em fazer este género de música”, diz Carlos Bechegas, que, entre outros, já tocou com Carlos Zíngaro e numa das derradeiras formações dos Plexus, “deve-se a uma certa impaciência de alguns músicos para se relacionarem com as partituras”, a par da exigência de “uma criatividade específica”, que dá para conseguir “uma certa dinâmica de resultados, impossível de obter por outros meios”: “Se se faz uma improvisação que a seguir é escrita, mesmo se os ‘virtuoses’ forem tocar aquilo – que são as mesmas notas -, não resulta da mesma maneira do ponto de vista dinâmico. Quando se improvisa, tem-se a sensação de encontrar uma coisa pela primeira vez.”
Uma opção que acarreta uma enorme dose de responsabilidade e de entrega total à música, já que a espontaneidade absoluta e a sintonia perfeita entre os instrumentistas nem sempre acontecem quando se quer e nos locais programados. José Ernesto, que ainda há pouco tempo acompanhou Jorge Palma no “concerto íntimo” que este músico deu no Casino Estoril, fala nos ensaios como “’ateliers’ da improvisação”, ideiais para desenvolver a linguagem colectiva e os métodos de execução instrumentais do grupo. Depois, no palco, o que é preciso, diz, “é esquecer tudo isso” e entregar-se por inteiro à inspiração do momento. Em nome de uma certa virgindade, como se cada nova apresentação fosse sempre uma primeira vez.
“O que define, entre outras coisas um bom improvisador”, conclui José Oliveira, “é a sua capacidade de reacção, em tempo real, no instante, e de forma adequada e criativa, aos estímulos que recebe de outrem. E isto é uma outra forma de composição, composição instantânea.”

NOME Lautari
FORMAÇÃO Carlos Bechegas (flauta),
José Ernesto (violino),
José Oliveira (percussões)
ORIGEM Lisboa
PONTO ALTO Concerto na galeria Monumental, a 10 de Março deste ano.

filme “Brincando Com O Inimigo) – “MOBY, QUÊ? – Brincando Com O Inimigo” (filme)

rádio e televisão >> segunda-feira, 01.05.1995


MOBY, QUÊ?
Brincando Com O Inimigo
Canal 1
Filme


NÃO FIXEI o nome do tradutor do filme “Brincando com o Inimigo” (“Demonic Toys”, no original) que o Canal Um da RTP passou na madrugada de sábado, na chamada “Sessão Dupla”. Agora, “a posteriori”, depois de ter ouvido o que ouvi e de ter lido o que li, tenho pena. Mais que não fosse, para o (ou a, seja lá quem for, é um verdadeiro criativo) felicitar. É que não todas as noites que o limite é ultrapassado. Das leis da tradução e da razão. E o tradutor de “Brincando com o Inimigo” ultrapassou-as.
Foi assim. Corria a pacata acção, com uns bonecos diabólicos, género “Chucky”, a fazerem a vida negra aos marmanjões de carne e osso, quando o impensável aconteceu. Uma das cenas mostra um dos bonecos a arrastar uma das vítimas humanas – por sinal bastante gorda – por umas escadas abaixo. Eis senão quando, visivelmente incomodado com o peso da vítima, o boneco não se contém e chama à dita vítima: “You, Moby Dick!”, uma maneira literária e até certo ponto cortês de lhe chamar “ó baleia!”.
Zás! O que ele foi dizer! Para o tradutor, a quem, ao longo de todo o filme não escapou um único palavrão, tanto bastou para se encher de brios e escarrapachar por baixo da imagem a respectiva tradução: “Seu Moby-pila!”.
O impacte foi tremendo. Antes porém da vaga de fundo, como um “tsunami”, varrer à gargalhada a consciência, gerou-se na sala um silêncio de sepulcro. Ninguém compreendeu logo. Ninguém queria acreditar. Seu “moby-quê”? A verdade surgiu como um raio. Fulgurante e mortífera. “Seu moby-pila!”. O artista, vá lá saber-se porquê, fizera a tradução do calão “dick”. Assim, pela metade, quiçá num obscuro desejo de equilíbrio, numa original combinação da exactidão do cientista com a brandura casta do seminarista.
O choque justificava-se. Não só pelo facto de ter sido violada uma das regras básicas que impede a tradução dos nomes-próprios (as excepções existem, em nome de um bom trocadilho, por exemplo, mas nunca desta forma) mas também pelas suas óbvias implicações freudianas.
“Moby-pila”. Não, “Brincando com o Inimigo”, não é um filme erótico. Nada, nem antes nem depois, fundamenta o sucedido. Que filme estaria então a passar na mente do tradutor? Estaria ele a trabalhar imediatamente após o visionamento de um episódio da “Playboy”? Mas nem sequer era na SIC… Ou estaria ele (ou ela?…) a pensar numa marca comercial de próteses anatómicas, do estilo “Dinky toys”?
Talvez nunca venhamos a saber. Talvez o mistério permaneça inviolável pela eternidade. O que sabemos é que a partir de “Moby-pila” a pureza de olhar deixou de ser possível. Nunca mais veremos um filme como “Mary Poppins” com os mesmos olhos e a mesma inocência. Que diremos nós aos nossos filhos sobre aquela cena em que o actor Dick van Dyke aparece a saltar nos telhados de Londres? Como ousaremos encará-los de frente e explicar-lhes que se trata simplesmente de um “dick” aos saltos?
Desopilante, se me é permitida a expressão!

Vários Artistas – “Musical Traditions Of Portugal”

pop rock >> quarta-feira >> 26.04.1995


Vários Artistas
Musical Traditions Of Portugal
SMITHSONIAN / FOLKWAYS



Em primeiro lugar, uma rectificação relative à notícia publicada no dia 8 de Março neste suplemento. Ao contrário do que então foi escrito, as letras em português dos vários temas incluídos estão de facto impressas no livrete que acompanha o CD. Pelo lapso aqui ficam publicamente as nossas desculpas a Salwa Castelo Branco, responsável pela elaboração do citado livrete. “Musical Traditions of Portugal” reúne gravações de campo efectuadas em 1988 por uma equipa de elementos do International Institute for Traditional Music, de Berlim, orientados por Salwa Castelo Branco. Subdividido em cinco unidades temáticas, “Danças e um romance do Nordeste”, “Canto Ritual do Centro Leste”, “Modas profanas e religiosas do Baixo Alentejo”, “Guitarradas de Coimbra” e “Canções e danças de grupos folclóricos do vale do Tejo e do Noroeste”, este compacto reflecte a quase impossível (aos olhos dos estrangeiros) diversidade de músicas que cabem numa porção mínima de território. Dos “Laços” transmontanos ao corridinho algarvio, passando pelo “cante” alentejano, a viagem é curta em quilómetros, mas rica de músicas e sentimentos. O capítulo de maior estranheza está talvez nas “Guitarradas de Coimbra”, com os nomes de Artur Paredes, António Brojo e António Portugal a contrstarem com as vozes e sons rudes dos temas étnicos. Um importante elemento de estudo e alguma fruição numa colecção bem organizada e estruturada, com a vantagem de a qualidade técnica, em oposição ao que acontece com alguma frequência neste campo, ser bastante boa. Sons familiares ou talvez não, “Musical Traditions of Portugal” oferece uma visão coerente do nosso legado popular. Aproveitemos enquanto temos. (7)