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Realejo + Boys of the Lough – “Festival Intercéltico Do Porto – Retratos Da Saudade” (concertos | festivais)

cultura >> domingo, 09.04.1995


Festival Intercéltico Do Porto
Retratos Da Saudade


O dia de abertura da sexta edição do Festival Intercéltico do Porto pautou-se pela tranquilidade. Os Realejo trouxeram de Coimbra uma “Sanfonia” para ser ouvida longe do bulício das multidões. Os Boys of the Lough passaram bem, obrigado, que a idade já não lhes permite grandes brincadeiras. O sublime aconteceu mais tarde, já a cidade dormia.



Estivemos lá. Era um salão de uma casa antiga, forrada com gravuras e retratos antigos de senhoras de seios fartos, crianças louras e militares de bigodes farfalhudos. Fica ao fundo de um jardim, escondido entre memórias. Sentámo-nos na roda de amigos. Ao centro uma sanfona contava histórias de tempos que já lá vão, fazendo ranger os gonzos de uma porta de carvalho por onde se passa para o Início. Foi assim, num filme projectado pela imaginação no Teatro do Terço, sexta-feira, no concerto de abertura da sexta edição do Festival Intercéltico do Porto, com os portugueses Realejo. “Sanfonias” – para utilizar o termo escolhido para título do álbum de estreia do grupo – de música tradicional portuguesa que soube encontrar um lugar de recolhimento e contenção, distante dos arraiais regidos por Dionisos.
A música dos Realejo toca devagar e baixinho, escorrendo como mel. Sem sobressaltos. Ao ritmo das voltas da manivela da sanfona de Fernando Meireles, da gaita-de-foles e da concertina de Amadeu Magalhães, do violino de Manuel Rocha, da guitarra de Rui Seabra e do violoncelo de Ofélia Ribeiro. Música tradicional de câmara, como já uma vez nos referimos ao som deste quinteto de Coimbra. “Canção do gaiteiro”, “Oliveirinha do monte”, “Rosinha” – numa versão instrumental com desenho melódico pela flauta de bisel de Amadeu Magalhães, a contrastar com um arranjo vocalizado do mesmo tema pelos Vai de Roda, no “Terreiro das Bruxas” – “Sanfonia” (um original de Amadeu Magalhães), o clássico “cego andante” e “Dança galega” constituíram momentos altos numa prestação que valeu sobretudo pelo colectivo. Interiorização, disciplina, atenção ao detalhe, ausência de espalhafato, eis algumas das linhas de força determinantes na música dos Realejo, desde já posicionados na dianteira das novas bandas portuguesas de música de raiz tradicional, neste caso com a música antiga no horizonte. Uma faceta que muito provavelmente será concretizada num novo projecto de alguns dos músicos do grupo…
Esperava-se a dança e a euforia do grupo seguinte, os Boys of the Lough, banda escocesa / irlandesa de veteranos que por cá já tinham passado numa daquelas tardes sem glória da Festa do Avante!, onde a curtição só por acaso passa pela música. Afinal os Boys, por esta altura, deveriam ter mudado de nome para Old Meno f the Lough. Pareceram cansados, tocando pouco e falando muito, com o lendário violinista das Ilhas Shetland, Aly Bain, a desempenhar as funções de “compère”, com piadas, na sua maioria boas, afagos na careca do flautista Cathal McConnell e os habituais apelos ao público para dançar. Como ninguém – à excepção de um grupo de jovens mais entusiastas – se dignou levantar o traseiro do assento, Aly optou então por se referir à audiência como um “público inteligente”. Infelizmente para o seu “fiddle”, a dose de combustível alcoólico já excedera a capacidade do depósito. Cathal McConnell, por seu lado, reputado como um dos maiores flautistas irlandeses, esteve longe de fazer esquecer o seu “rival” Matt Molloy, mostrando-se demasiado retraído. Quanto a Christy O’Leary, deu uma lição teórica sobre as “uillean pipes” embora na prática não tivesse deslumbrado. Querer outra coisa, de mais excitante, talvez fosse exigir demais de uma banda que ao longo de toda a sua já longa carreira nunca primou pela ousadia, sendo antes um valor seguro do circuito, com uma postura de fidelidade aos “cânones”.
Poderia deste modo a noite ter acabado de pantufas se o festival Intercéltico fosse apenas um programa de concertos. Não é. Qual caixa de Pandora, as surpresas acontecem quando menos se espera. E o imprevisto aconteceu mesmo, já madrugada dentro, na gruta do castelo de Santa Catarina, por entre as latas de cerveja, copos de whisky e conversas de circunstância. Fanch Landreau decretou uma aliança violinística Bretanha / Irlanda, com Tim O’ Leary, apadrinhada pelas “uillean pipes” de Christy O’ Leary, juntando-se-lhes pouco depois Cathal McConnell, na flauta, um violinista galego anónimo e – já mais diluídos os efeitos da bebedeira – mestre Aly Bain.
Esta reunião bastaria por si só para nos reconciliar com os Boys. Mas houve algo mais, de muito precioso, um daqueles instantes que por vezes passam despercebidos na euforia do momento. Sem ninguém saber muito bem como nem porquê, a meio da corrida dos violinos e da gaita, Cathal McDonnell pousou a flauta, baixou a cabeça e cantou. Uma balada, apenas. Em voz trémula, subitamente agarrada pela distância, pela emoção, pelo silêncio que se fez. Então, aí assim, as brumas afastaram-se e foi possível escutar a voz e as lágrimas da Irlanda profunda. Deve haver com certeza um termo irlandês para “Saudade”.

Vários (Fairport Convention, Skolvan, Boys Of The Lough, Luar Na Lubre, Four Men And A Dog, Realejo) – “Festival Intercéltico Anuncia Programa – AS JÓIAS DA COROA”

pop rock >> quarta-feira >> 01.03.1995


Festival Intercéltico Anuncia Programa
AS JÓIAS DA COROA



FAIRPORT CONVENTION, SKOLVAN, Boys Of The Lough, Luar Na Lubre, Four Men and a Dog e Realejo são os nomes que integram o programa do 6º Festival Intercéltico do Porto, que decorrerá nesta cidade de 7 a 9 de Abril, no cinema do Terço. No primeiro dia, sexta-feira, a honra de abertura caberá aos portugueses Realejo, de Fernando Meireles e Manuel Rocha, na altura em que será lançado no mercado o seu álbum de estreia. A noite conclui-se com osmeio irlandeses, meio escoceses Boys of the Lough, com o virtuoso do violino, no estilo de Shetland, Aly Bain; assim regressam ao nosso país depois de – como já vem sendo hábito – uma inglória passagem pela Festa do Avante! O novo álbum dos Boys chama-se “The Day Dawn”. Sábado verá no cinema do Terço uma banda inglesa tornada uma lenda, os Fairport Convention, papas do “folk rock” britânico, já com meio século de existência e uma passagem, esta inesquecível, por uma das primeiras edições da festa comunista; deles acaba de ser editado o novo “Jewel in the Crown”. No mesmo dia actuam, na primeira parte, os Skolvan, para muitos o melhor grupo da Bretanha da actualidade, cujo último álbum, “Swing & Tears”, foi considerado pela crítica, nacional e estrangeira, Poprock incluído, um dos melhores do ano passado. O Intercéltico fecha no domingo. Na primeira parte com os galegos Luar na Lubre, grupo de música sofisticada, cujo álbum mais recente, “Ara-Solis” (belíssimo), já se encontra disponível em Portugal. A festa vai ser festa mesmo, no concerto de encerramento, com o folk rock energético dos Four Men and a Dog (têm um álbum novo acabado de sair, “Doctor A’s Secret Remedies”), uma máquina de fazer dançar. Como se tornou hábito nas últimas edições, o Intercéltico, organizado como sempre pelo MC – Mundo da Canção, apresenta um vasto programa de actividades paralelas. Este ano, inclui uma exposição sobre José Afonso, uma feira do disco “Celtifolk”, um debate sobre “A imprensa folk europeia” – onde vão estar presentes, entre outros jornalistas, Andrew Cronshaw, da “Folk Roots”, Phillipe Krumm, da “Trad. Magazine”, e Pete Heywood, da “Living Tradition” -, uma Escapada Intercéltica, com visita à Citânia de Briteiros e um “repasto celta” na Penha, em Guimarães.

Realejo – “Realejo Lança Primeiro Disco Na Primavera – NO REINO DA SANFONA”

pop rock >> quarta-feira >> 01.02.1995


Realejo Lança Primeiro Disco Na Primavera
NO REINO DA SANFONA



Aguardada com bastante expectativa desde há algum tempo, a estreia discográfica do grupo Realejo, de Coimbra, deverá ter lugar no princípio da Primavera. O produtor será Luís Pedro Fonseca e a gravação do disco, que terá o selo Alma Lusa, acontecerá no período entre 6 e 10 de Fevereiro.
O reportório será constituído por temas compostos pelo grupo e por outros de raiz tradicional, “mas fora daquele contexto popularucho que tem por aí andado”, diz Fernando Meireles, para quem o disco dos Realejo “já estava para ser feito há muito tempo”. Se tal não aconteceu, isso deve-se, nas suas palavras, a que “o primeiro contacto feito, com a Aura estúdio”, no sentido de gravar “um disco histórico sobre a sanfona”, não resultou. “Eles gravavam o disco mas não faziam o investimento necessário. Falámos com a Câmara de Coimbra, com a Secretaria de Estado da Cultura, toda a gente se prontificou a apoiar o disco. Tudo muito bem, só que fiquei à espera e os subsídios nunca mais vieram”. O actual projecto dos Realejo mudou entretanto, não tendo nada que ver com o anterior, centrado exclusivamente na sanfona, embora este seja, obviamente, 0 “instrumento privilegiado”. Nos planos dos Realejo está também o lançamento do álbum no estrangeiro, para tal estando a ser feitos contactos com a Etnia, que procurará coloca-lo no circuito internacional.
A actual formação da banda é composta por Fernando Meireles (sanfona, bandolim e cavaquinho), Amadeu Magalhães (gaita-de-foles, flautas, cavaquinho, sanfona, braguesa e concertina), Manuel Rocha (violino e bandolim) e Rui Seabra (guitarra), aos quais se juntou um quinto elemento, Ofélia Ribeiro, no violoncelo. A estética do grupo, essa, mantém-se, com uma componente quase de música de câmara. “Com os instrumentos que temos, que são de boa qualidade e servem para todo o tipo de música”, diz Fernando Meireles, que, além de ser músico, é construtor de sanfonas e vários cordofones. “Fazemos dois tipos de concerto completamente distintos, um mais intimista, feito em museus, capelas, salas pequenas, e outro em locais mais abertos, para um público mais vasto e com um tipo de música mais extrovertida”.
No ano que passou a actividade dos Realejo saldou-se por um número recorde de 30 concertos e pela participação numa compilação de música tradicional portuguesa editada pela editora francesa Silex.
O disco vai integrar estas duas facetas, alternando “temas mais antigos, com maior investigação sobre a sanfona”, com “outros mais acessíveis e imediatos”. Uma das intenções da banda continua a ser, de resto, a de “levar as pessoas a conhecerem as várias vertentes de um instrumento [a sanfona] do qual as pessoas têm em geral uma ideia totalmente errada, associando-lhe um sentido jocoso e pejorativo”. Uma ideia falsa, já que, para Meireles, a sanfona é um instrumento cheio de potencialidades, embora “não haja em Portugal uma escola”. “Ouve-se uns discos e temos que partir daí”. Fernando Meireles ouve bons executantes na sanfona: Valentin Clastrier, Nigel Eaton, Gilles Chabenat, para perceber um bocado a funcionalidade do instrumento.
Meireles continua entretanto a sua segunda actividade, de construtor de instrumentos. De sanfonas, mas não só. Quando o Realejo precisou de uma concertina, Meireles queis uma “que desse com a estética bonita” do grupo. “Como não encontrei nenhuma”, diz, “tive eu que a fazer.”