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Vários (Whippersnapper, Vai de Roda, Perlinpinpin Folc, Sileas) – “Encontros Musicais Da Tradição Europeia – Perlinpinpin, E Fez-se Luz” (festivais)

Secção Cultura Segunda-Feira, 15.07.1991


Encontros Musicais Da Tradição Europeia
Perlinpinpin, E Fez-se Luz


Em Oeiras, os Encontros Musicais da Tradição Europeia terminaram como começaram – em beleza. Reunidos público, músicos e vontades, o sonho cumpriu-se. A Europa esquecida fez soar a sua voz.

Este fim-de-semana, em Oeiras, acabarm os Encontros. Fruto do esforço e do amor à causa mais uma vez demonstrados pela organização, a cargo da Cooperativa Cultural Etnia. Encontro dos “maluquinhos” da “folk” com a música menina dos seus olhos. Dos curiosos com um novo mundo, que sempre foi o seu, embora nunca tivessem dado por isso. Encontros que, pela segunda vez, souberam escolher programa a preceito, marcando presença com alguns dos nomes mais significativos da “folk” actual. O público correspondeu, em número e entusiasmo, tornando o Auditório do Complexo das Forças Armadas num local de festa. Os militares puseram flores no cabelo, tangeram liras e flautas. Abriram portas. O serviço obrigatório deveria ser assim.
Na sexta-feira actuaram os ingleses Whippersnapper e os portugueses Vai de Roda, estes já com assinatura neste tipo de certames. O trio inglês trouxe a Oeiras lembranças antigas, glórias passadas, revivendo o espírito e a música dos lendários Fairport Convention. Dave Swarbrick partiu mas os que ficaram chegam para manter acesa a chama. Chris Leslie, agora o único violinista, é um fora-de-série, fazendo o que quer do seu violino azul electrificado. Martin Jenkins e Kevin Dempsey, respectivamente no “mandocello” e guitarra acústica amplificados, não lhe ficam atrás e também deram lições de virtuosismo. Entre cada tema contaram as histórias de cerveja do costume. Conseguiram a proeza de pôr a assistência inteira a cacarejar, num tema sobre galinhas, enquanto o violinista dava a volta à sala, e toda a gente se divertia numa sala transformada em manicómio. Longe de quaisquer purismos os Whippersnapper foram uma lufada de loucura, tecnicismo e boa disposição. Requisitos que se exigem a este tipo de música.

Bruxas E Mãos De Fada

Tentúgal e os Vai de Roda fizeram o habitual: a encenação rigorosa de um Portugal imaginário, enraizado na matriz renascentista e prosseguido nos “bailes mandados” e cadências eléctricas dos dias de hoje a preto e branco. A sanfona, a ponteira, o violino, as guitarras e tambores, as vozes e as palavras de um naturalismo (ainda não) perdido, contam e cantam a sobrevivência da arte de ser português, assombrada por boas e más bruxas que persistem em conspirar na escuridão. Os Vai de Roda seguem à procura do futuro.
Sábado começou por ser um negócio de harpas. O duo feminino escocês Sileas, que actuou em vez do bardo Robin Williamson, inicialmente programado, deu todo o sentido à expressão “mãos de fada”. Patsy e Mary, loura e morena de calças e blusas estampadas, têm dedos de ouro. Dedos sábios e delicados, fizeram vibrar cordas de luz. Doce Escócia, fluindo suave nas danças ao longe, no sorriso das raparigas, no anelo gaélico do canto, distante na gramática mas íntimo na oculta geografia. Tentaram que o público cantasse um refrão, em gaélico, tão simples como uma partitura de Stockhausen. O resultado soou efectivamente a Stockhausen.
Interpretaram temas de “Beating harps”, como corações. E de “Delighted with harps”, todos nós, dessedentados da grande sede interior e da secura tórrida da tarde. Tanta, que o alarme antifogo estridente, tocou, interrompendo como um despertador indesejado o fluido cristalino das harpas. As Sileas pararam de tocar, sorriram e saíram debaixo de uma trovoada de aplausos.
Para o final estava guardado o momento mais alto, com os accitanos Perlinpinpin Folc, que já haviam actuado nos Encontros do ano passado. A música destes quatro senhores, calmos na postura mas completamente loucos no resto, desafia todas as definições e apreciações. A Occitânia é o mar profundo onde pescam uma ancestralidade simultaneamente pagã e luminosa, com sabor a verde, pedra e prata, encimado pelo azul escuro riscado pelos monstros e anjos psicadélicos do céu medieval. Para além da panóplia instrumental que inclui a gaita-de-foles, o violino e instrumentos de sopro bizarros como o gemshorn, os sons surgem de tubos de vassoura, tambores de água, conchas, paus, arcos, soando a grutas, estrelas, rios e sonhos.
Os Perlinpinpin Folc desceram à terra, falaram com pronúncia cerrada de gascões, das virtudes do bom vinho português, das vindimas e colheitas, de gaivotas que morreram, de lendas estranhas, do cinzento chuvosos dos vizinhos bascos. Cantaram complexas polifonias vocais, na língua antiga de Oc. Foram tudo o que um grupo de música tradicional deve ser: excitante, versátil, verdadeiro. Oeiras não os esquecerá tão cedo. O sonho tornou-se realidade com as sílabas mágicas de Perlinpinpin.

Vários – “Música Europeia: Festa Em Julho” (festival)

Secção Cultura Sexta-Feira, 10.05.1991


Música Europeia: Festa Em Julho

Os Segundos Encontros Musicais da Tradição Europeia vão ter lugar este ano, entre 5 e 14 de Julho, em Oeiras, Évora e Famalicão, à semelhança do que aconteceu no ano passado. A organização, a cargo da Cooperativa Cultural “Etnia”, pretende levar ainda os “Encontros” a Lagos e Guimarães, mantendo neste momento negociações com as respectivas Câmaras Municipais. Do programa, alargado, deste ano, constam os italianos de Piemonte, La Ciapa Rusa e os occitanos Perlinpinpin Folc, que assim regressam para repetir as actuações memoráveis dos primeiros “Encontros”. Os irlandeses Altan, uma das bandas mais promissoras da nova vaga céltica, e os ingleses Whippersnapper, que integram o mago do violino, ex-Fairport Convention, Dave Swarbrick, prometem pôr toda a gente a dançar. Robin Williamson, bardo escocês, multinstrumentista, membro fundador dos Incredible String Band, psicadélicos marginais dos anos sessenta, actuará a solo, acompanhado da sua harpa e do que mais se verá. Da Espanha, os La Musgana (conhecidos pelo magníficos álbum “El Paso de la Estantigua”) e a cantora Rosa Zaragoza, especialista da música dos judeus sefarditas da costa Sul mediterrânica. Completam a lista de sumidades, um grupo de 25 instrumentistas da região de Lyon, liderados pelo gaiteiro Jean Blanchard, e os portugueses Vai de Roda. Como no ano passado, haverá um esquema de actuações repartidas pelos diversos locais. Para os amantes do género, não vai haver descanso.

Vários (Manuel Luna + Perlinpinpin Folc + Carlos Predes + Emilio Cao + Andrew Cronshaw) – “Começam hoje em Évora, Famalicão e Oeiras os Encontros Musicais da Tradição Europeia – À procura das raízes culturais da Europa” (artigo de opinião | crítica / antecipação de concertos / festivais)

PÚBLICO QUINTA-FEIRA, 5 JULHO 1990 >> Cultura

Começam hoje em Évora, Famalicão e Oeiras os Encontros Musicais da Tradição Europeia

À procura das raízes culturais da Europa

À procura das raízes culturais. A partir de hoje e até dia 13, terão lugar em Évora, Famalicão e Oeiras, os primeiros Encontros Musicais da Tradição Europeia, organizados pela Cooperativa Cultural Etnia, sediada em Caminha. Da Galiza, Grã-Bretanha, Occitânia e Piemonte virão cultores de antigos sons. Paredes representará o espírito português: a fatalidade e a distância.



A iniciativa, que conta com o apoio das três câmaras municipais, tem como objetivo “incrementar o intercâmbio cultural no espaço europeu, com base na promoção e divulgação da música e cultura das suas grandes regiões, e fomentar o contacto entre grupos ou solistas ligados à música tradicional dessas mesmas regiões”. Pretende-se que a série de concertos passe a ter uma realização regular, sempre numa perspetiva de descentralização, procurando deste modo tornar o nosso país num ponto privilegiado de encontro entre as diversas culturas musicais europeias.
Atuarão ao vivo, entre nós, alguns dos nomes mais importantes de cena “folk” atual, como Andrew Cronshaw, Emilio Cao, Manuel Luna, Perlinpinpin Folc, La Ciapa Rusa, para além do guitarrista português Carlos Paredes.
Andrew Cronshaw é um músico britânico, responsável por uma original e sedutora fusão das sonoridades tradicionais com o jazz e a música clássica. Como se poderá comprovar pela audição do excelente “Till the Beast’s Returning”, álbum já há algum tempo disponível no mercado nacional. Outras obras importantes são os discos “A is for Andrew, Z is for Zither”, “Earthed in Cloud Valley” (com o guitarrista Martin Simpson), “Wade in the Flood” e o recente “The Great Dark Water”. Intérprete brilhante na cítara elétrica, estende os seus talentos por outros instrumentos – flautas chinesas, concertina, sintetizadores, percussão e o shawm, antepassado medieval do oboé.
Emilio Cao é galego e já atuou várias vezes em Portugal, tendo colaborado com Fausto em “O Despertar dos Alquimistas” e com o grupo teatral “Os Comediantes”. Exímio executante de harpa, gravou entre outros o marco na evolução da música galega, “Fonte de Araño”. “No Manto da Auga”, “Amiga Alba e Delgada” e “Lenda da Pedra do Destiño” completam a sua atual discografia.
Também espanhol (se considerarmos que a Galiza é Espanha, o que é duvidoso”…) é Manuel Luna, antropólogo, apaixonado pela música e cultura da região da Cantábria. Publicou vários ensaios e cerca de 30 discos de recolha etnomusicológica. Gravou com os “La Quadrilla” o álbum “Como Hablam las Sabinas”, já importado pela Etnia. A investigar são também “Em los Jardines del Sueño” e o novo “Os Galos de Londres”.
No Sul de França, entre a Catalunha e a “Côte d’Azur”, fica a Occitânia, região natal dos Perlinpinpin Folc, um dos mais estranhos grupos do movimento folk gaulês. “Musique Traditionnelle de Gascogne”, “Gabriel Valse” e “Al Paїs d’Occitania” são alguns dos seus bons trabalhos. Sobre a sua música escreveu o crítico Pierre Corbefin: “Provoca-nos uma impressão quase opressiva, como se atravessássemos uma paisagem árida, despovoada, apenas habitada por um bater obscuro e pelos rumores da terra”.
Os “La Ciapa Rusa” são italianos de Piemonte, a Noroeste do país. Combinam a excelência instrumental, através da utilização dos sons tradicionais da sanfona, do violino, do pífaro de pastor e da “musa” (gaita-de-foles piemontesa) com um notável trabalho de harmonias vocais.
A representação portuguesa está a cargo de Carlos Paredes. Dele o mínimo que se poderá dizer é que é uma parcela importante da alma lusitana. Escutar a sua guitarra, contemplar o modo com se entrega a ela e à música que escorre pelos seus dedos até ao vibrar das cordas, é sentir o Fado e a distância. Ir ao sabor dos “Verdes Anos” até ao oceano sem fim.
Uma palavra final de louvor para a Etnia que tem vindo a desenvolver um notável trabalho de recuperação e revitalização da cultura tradicional. Desde a realização de espetáculos, exposições e seminários, até à publicação de livros e à importação de pérolas discográficas folk, para já oriundas do país vizinho, como são os álbuns de Rosa Zaragoza, Amancio Prada, Manuel Luna, “La Musgana” e, brevemente, Emilio Cao.

PROGRAMA

ÉVORA – Praça do Giraldo
Quinta, 5 de julho
MANUEL LUNA
PERLINPINPIN FOLC
Sexta, 6 de julho
LA CIAPA RUSA
CARLOS PAREDES
Sábado, 7 de julho
EMILIO CAO
ANDREW CRONSHAW

FAMALICÃO – Jardins da Câmara Municipal
Quinta, 5 de julho
CARLOS PAREDES
ANDREW CRONSHAW
Sexta, 6 de julho
MANUEL LUNA
LA CIAPA RUSA
Sábado, 7 de julho
EMILIO CAO
PERLINPINPIN FOLC

OEIRAS – Auditório do Complexo Social das FA’s
Quinta, 5 de julho
LA CIAPA RUSA
EMILIO CAO
Sexta, 6 de julho
MANUEL LUNA
ANDREW CRONSHAW
Sábado, 7 de julho
CARLOS PAREDES
PERLINPINPIN FOLC