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Roberto Musci & Giovanni Venosta – “A Noise, A Sound”

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993
FORA DE SÉRIE

ALDEIA GLOBAL


ROBERTO MUSCI & GIOVANNI VENOSTA
A Noise, A Sound
CD Recommended, import. Contraverso



Em música, nem tudo afinal está inventado. Roberto Musci e Giovanni Venosta possuem a faculdade de, a cada novo disco, nos surpreenderem. Com ideias impensáveis e sínteses de elementos recolhidos de toda a parte, como se o universo fosse (e é, de facto) uma fonte inesgotável de sons. “Water Messages on Desert Sand” e “Urban and Tribal Portraits”, os dois trabalhos prévios da dupla (aos quais se poderá juntar o álbum a solo de Musci, “The Loa of Music”), são dois clássicos da música de fusão, no significado mais nobre que o termo pode ter. Musci e Venosta recolhem, cortam, colam, alteram e descontextualizam os sons (todos os sons), manipulando-os de forma a criar o que se poderá classificar de música absoluta – concordância plena da tecnologia com as sonoridades étnicas.
Neste novo álbum, havia a curiosidade de saber se a dupla cederia à tentação de se limitar a reproduzir os mesmos esquemas, que tão bons resultados tinham produzido nas obras atrás citadas. Se é certo que os dois fazem gala em exibir a lista, cada vez mais extensa, das gravações sampladas, a verdade é que tal táctica serve desta vez objectivos diferentes. O próprio conceito de “aldeia musical global” (utilizando uma aproximação ao enunciado de MacLuhan) sofreu desvios e novas enunciações. Onde se poderia esperar uma espécie de “world music” mutante, à imagem dos álbuns prévios, surge em vez disso uma construção mais abstracta, como se os elementos folclóricos utilizados não passassem agora de peças de um novo “puzzle”, ainda mais complexo e apontado a um tipo inteiramente novo de referências. Neste aspecto, “A Noise, A Sound” aproxima-se por vezes da estética de ruído harmonizado dos Biota ou da violência sónica das duas obras capitais (de síntese / mistura / delírio) de Fred Frith, “Gravity” e “Speechless”.
Como tudo o que estes italianos produziram até à data, trata-se de um objecto que reivindica uma sistemática própria, único na forma como idealiza, organiza e reproduz os sons. Desde o primeiro tema, no qual sons de macacos, um jaguar e um clarinete da Amazónia são manipulados pelos “samplers” até soarem a um “blues” dos confins da galáxia. De surpresa em surpresa, avança-se através de um túnel de harmonias bizarras e jogos de contrários, em que nada é o que aparenta ser, jogo de espelhos deformantes, fábrica de realidade fractal, que se auto-reproduz até ao infinito. Actualização plena da mónada primordial que o título refere: um ruído, um som. Música em estado puro. (10)

Roberto Musci, Giovanni Venosta & Massimo Mariani – Losing The Orthodox Path

11.07.1997
Roberto Musci, Giovanni Venosta & Massimo Mariani
Losing The Orthodox Path (8)
Victo, distri. Áudeo

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LINK (Roberto Musci & Giovanni Venosta “Messages & Portraits” – 1990 – Parte 1)
LINK (Roberto Musci & Giovanni Venosta “Messages & Portraits” – 1990 – Parte 2)

“Samples” invertidos de música instrumental da Idade Média, fragmentos de canto aborígene da Tailândia, um “loop” de uma sonata de violoncelo de Benjamin Britten, mais “samples” de Palestrina, Monteverdi, Schütz, Ravel, Frank Zappa… Vozes de golfinhos, uma dissertação de Segovia sobre a música, outra de Pierre Schaffer sobre música concreta. Erik Satie e o trovador Peire Vidal. Canto gregoriano modificado num leitor de CD. Vozes de místicos “sufi” e percussões do antigo Egipto. Instrumentos electrónicos e tradicionais em quantidade inacreditável. Tudo transformado, depurado, massacrado, ampliado, distorcido, deslocado, misturado, transmutado num mundo sonoro sem fronteiras nem definição. Alguns devem lembrar-se.
É o regresso da dupla italiana Roberto Musci / Giovanni Venosta, agora na companhia de um terceiro estratego e multinstrumentista, Massimo Mariani, e da mesma fórmula das obras-primas “Water Messages on Desert Sand”, de 1987, e “Urban and Tribal Portraits”, de 1988, Às quais se seguiram, em 1992, o mais abstracto “A Noise, A Sound”. As três primeiras peças de “Losing The Orthodox Path”, escritas para o bailado “Principle of Moment”, de Dieter Heitkamp, para a Tanzfabrik de Berlim, são um prolongamento da estética de colagem de “Movies”, de Holger Czukay. As restantes dão entrada no labirinto criado por estes italianos que inventaram novas máscaras para a música contemporânea. A visitar longa e demoradamente, como uma exposição e hologramas de universos imaginários.