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Jorge Palma – “Jorge Palma Dá ‘Concerto Íntimo’ No Casino Estoril – Enquanto Houver Uma Estrada”

cultura >> sábado, 22.04.1995


Jorge Palma Dá “Concerto Íntimo” No Casino Estoril
Enquanto Houver Uma Estrada


Jorge Palma em atmosfera de intimismo no auditório do antigo cine-teatro do Casino Estoril. A proposta, incluída no ciclo de “Concertos Íntimos” que está a decorrer naquela sal – iniciado com Paulo de Carvalho e que prosseguirá, em Maio, com Vitorino e Luís Represas -, resultou em pleno. O viajante abriu o livro.



O autor de “Com uma Viagem na Palma da Mão” está a cantar e a tocar como nunca. O ambiente de descontracção – parecia que todos os elementos do público eram amigos do artista – contribuiu para que tudo saísse bem. Alternando entre a guitarra e o piano, Jorge Palma baseou o concerto nas linhas de despojamento que caracterizam a sua última edição discográfica, o álbum “Só”, com versões acústicas e solitárias de composições antigas. Na primeira sequência de canções, Palma dominou o piano e a voz, arrancando a ambos uma expressividade visceral. Antológicas foram as interpretações da “Canção de Lisboa” (antecedido por uma brincadeira com as notas iniciais de “Ne me quite pas”, de Jacques Brel), para nós um dos clássicos de sempre da música portuguesa, e “Frágil”, um tema mordaz do álbum “O Bairro do Amor”, último de originais do cantor, acabado de reeditar em compacto, juntamente com “Só” e “O Lado Errado da Noite”. “Acorda, menina”, “Terra dos sonhos”, estes dois na guitarra, “Balada de um estranho”, “Estrela do mar”, “O meu amor existe” e, em jeito de descompressão, “Deixa-me rir” completaram este primeiro ciclo de canções.
Depois de “Ao meu encontro na estrada”, de novo na guitarra acústica, foi a vez de se apresentar o primeiro convidado, o guitarrista Flak que, recém-chegado de Macau e mesmo sem ensaios, encaixou como uma luva no tom geral do espectáculo. “Jeremias”, “Longe Demais” (um tema dos Rádio Macau, já repescado pelos Resistência) e mais duas interpretações para a História, “Só” e “Minha senhora da solidão”, antecederam a entrada do terceiro e último convidado, o violinista José Ernesto, amigo de longa data de Palma. Os três foram até ao fim numa cadência mais “swingada”, ao longo de “Maçã de Junho”, “Lobo malvado” – com Jorge Palma a uivar no princípio e no fim e o técnico de som a alinhar na brincadeira, enchendo o som de reverberação -, “Picado pelas abelhas” e – “isto não é para ser tomado no sentido literal”, brincou – “Quero o meu dinheiro de volta”. O público, não muito numeroso mas um bom público, aplaudiu de pé, rendido a uma música e a um homem que não desiste de desafiar o sistema e a desafiar-se a si próprio.
Três merecidos “encores” deixaram no ar a promessa de mais excelente música para o resto dos espectáculos que Jorge Palma dará nestes “Concertos Íntimos”, hoje e amanhã, pelas 22h: “Junto à ponte”, conversa triste sobre o fim, entre o piano, o violino e as palavras que empurram para a água do rio, “Long black veil”, um original irlandês que faz parte do álbum dos Chieftains com o mesmo nome, numa interpretação deste grupo com Nick Cave, e, a terminar, “A gente vai continuar”. “Enquanto houver uma estrada para andar”, acrescentamos, fazendo nossos os versos da canção.

Rita Guerra, Lena d’Água e Helena Vieira – “‘Canções Do Século’ No Estoril – Alegres Panteras”

cultura >> sexta-feira, 05.11.1993


“Canções Do Século” No Estoril
Alegres Panteras



RITA GUERRA, Lena d’Água e Helena Vieira passaram em revista, nas noites de sexta e sábado no salão Prero e Prata do casino do Estoril, as canções que fizeram a história da música ligeira deste século. Durante cerca de duas horas, as três cantoras, sempre vestidas de negro, quais panteras de garras afiadas e alegria felina, interpretaram a solo ou em conjunto as canções que ficaram na memória. De “Tea for two”, “Summertime” e “The Lady is a tramp” ao “Timpanas”, “Maldita Cocaína” e “A mula da cooperativa”. De “My funny Valentine”, “La vie en rose”, “My fair lady”, “The dock of the bay” e “Satisfaction” a “Tintarella di blu”, “Desfolhada” e “Ó José aperta o laço. Couberam todas. Como couberam todos os artifícios e pequenas vaidades do “jet-set nacional”, que voltou a marcar presença no casino, embora em menor número do que é habitual neste tipo de galas.
As canções, claro, eram o que toda a gente estava à espera. Mas primeiro era preciso confortar o estômago. Para tal, foram convidados artistas de outra estirpe que davam pelo nome de camarões (com maionese de ervas finas) ou – mais “raffinés” – “suprêmos [com acento] de pato estufado com laranja” e “bavaroise” de morango. O espectáculo propriamente dito, que incluiu projecção de “slides” sobre e ao lado do palco, teve direcção de Pedro Osório e apresentação de Júlio César. Este, em contraste com o negro dos vestidos das cantoras, fazia sobressair de um fraque branco a sua voz bem modelada pelo espectáculo de que faz parte, inspirado em Salvador Dali e que tem vindo a decorrer nesta mesma sala (o lado interior da entrada no salão foi transformado na célebre boca vermelha de Mae West). Já na parte final das “Canções do Século”, as três vozes femininas interpretaram temas de José Afonso, em homenagem a este autor, e uma rapsódia bem recheada de composições de outros artistas portugueses, entre eles, Fausto, Carlos do Carmo, José Mário Branco, Trovante, Rui Veloso, Heróis do Mar, Sétima Legião e Xutos & Pontapés.
Ainda houve tempo para uma sessão de “karaoke” – um entretenimento por cá agora muito em voga e que consiste em qualquer pessoa poder cantar ao microfone músicas conhecidas, com acompanhamento de “playback” instrumental – feito por algumas figuras conhecidas presentes na assistência (Raul Solnado, Fernando Pereira, António Sala…), como forma de matar o tempo enquanto as três estrelas da noite mudavam de fato. A fechar, um dueto improvisado de “Menina estás à janela”, entre Helena Vieira e Rita Guerra e, em pé no meio das mesas, Paulo de Carvalho e Carlos do Carmo. Uma festa, com toda a gente a sair satisfeita do “Preto e Prata” pela boca de Mae West.
Agora é só esperar até ao ano dois mil por novas canções. Se ainda houver.

Amália Rodrigues – “Coimbra Homenageia Lisboa, No Casino Estoril – Amália, Doutora Do Fado”

Secção Cultura Segunda-Feira, 07.10.1991


Coimbra Homenageia Lisboa, No Casino Estoril
Amália, Doutora Do Fado


Coimbra homenageou Amália, nomeando-a doutora “honoris fadus”. A serenata de homenagem deu para tudo: espetada de lagosta, Mozart, “topless” e fado. O fado é que induca, a lagosta é que instrói, lá diz o povo. Amália soube, como sempre, ser rainha, na noite em que trocou o xaile pela capa estudantil.



Noite de gala, anteontem à noite, no Casino Estoril. Noite do “doutoramento” de Amália Rodrigues, distinção que lhe foi concedida pelos estudantes de Coimbra, mais concretamente pela Associação Académica desta cidade. O fado de Coimbra prestava assim tributo ao seu congénere lisboeta, na voz e na pessoa da sua pironisa. A festa incluía jantar, meninas em “topless” a dar vivas a Mozart, e fado, como não podia deixar de ser.
Animaram-se os espíritos, logo à entrada do auditório do casino, ao depararem com um grupo de gentis meninas de Coimbra que, de saia negra e curta, distribuía simpatia e os convidados pelos respectivos lugares. Coimbra dos amores, diz a canção. Caso para dizer: amores platónicos, os quais, como tónicos que são, servem para abrir o apetite.
Satisfeitos os olhos, foi com uma enorme dose de curiosidade que nos preparámos para enfrentar o segundo ponto do programa: “jantar” (o primeiro tinha sido uma “bebida de boas vindas”). O dito consistiu num prato de lagosta mais outro de carne de vaca. Durante a refrega com os comestíveis, um agrupamento de música de câmara, primeiro, e a orquestra privativa do casino, depois, fizeram-se ouvir suficientemente alto para disfarçar o ruído da mastigação. Faça-se-lhes justiça: tinham menos nervo que a carne. O contraponto líquido cumpriu o que geralmente se lhe pede nestas ocasiões: alegrar os espíritos e avermelhar as bochechas. A propósito, o Presidente da República era suposto estar presente. Se estava, não deu de si. Pelo contrário, foi notada a presença de outro presidente, da Federação Portuguesa de Futebol, o dr. João Rodrigues, aparentemente sem problemas de regressar a Lisboa a tempo de votar.
Seguiu-se o show “Viva Mozart”. Muita luz, excelente coreografia, o assassínio sistemático e bem-humorado da música daquele compositor e, sobretudo, muitas maminhas ao léu, ao nível das melhores exposições artístico-anatómicas que o “Moulin Rouge” ou as “Follies Bergères” têm para oferecer. A maminha nacional é, de resto, como o resto do país – abana, mas não cai. Destaque para dois quadros realmente fora-de-série: um em que um corpo de mulher se metamorfoseia em diversos instrumentos musicais, manuseados pelo seu parceiro masculino. Outro, composto por um ser monstruoso que se contorce sobre o palco, assumindo formas grotescas entre o fálico, o intestinal e o cano de esgoto.

“Quem Me Dera Estar Contente”

Terminada a paródia passou-se ao lado sério do espectáculo, justificativo da designação “Serenata a Amália”. Altura para se cantar o fado de Coimbra. Feito silêncio, gemeram as guitarras e as violas, a acompanhar as vozes de Almeida Santos, Luís Góis, Camacho Vieira e Costa Brás, entre outros, vestidas de negro, trespassadas de saudade. Abriu-se o espaço em outro espaço, num beijo furtivo, na serenata à silhueta recortada contra a janela da noite.
Dona Amália subiu por fim ao palco, no momento por todos ansiado.m Cheia de medo, como é seu hábito – “dá-me vontade de chorar, não posso continuar”. Mas continuou, agradeceu, balbuciou e cantou o fado, o seu fado. Cantou primeiro um fado de Coimbra, receosa – “vocês têm todos melhor voz” – com a letra a ser-lhe segredada no próprio instante ao ouvido. Depois um fado lisboeta, da cidade que lhe é alma e destino.
Antes foram as cerimónias e a praxe académica. Amália, nomeada doutora “honoris fadus”, “punida” em seguida, na condição de “caloira estrangeira”, com as palmadas de uma colher de pau, por não ter vestido a capa segundo as regras e por ter sorrido ao venerável presidente da Associação. Por dentro dos sorrisos, invisíveis aos olhos ofuscados pela euforia e pelo ritual dos gestos, sentimentos mais profundos, que as palavras de Almeida Santos inscritas no programa sintetizam: “Nesta homenagem à grande Amália há, implícita, uma homenagem a tudo o que Amália simboliza: as almas sensíveis, os corações generosos, a Lisboa e o Portugal que nela se revêem”. Amália, em noite de serenata, acabou a cantar em conjunto com estudantes e doutores a “balada da despedida”: “Quem me dera estar contente, enganar a minha dor”.