Cultura >> Domingo, 10.05.1992
James Taylor Recordou Êxitos Antigos No Casino Estoril
O Triunfo De Pavlov
Regresso ao passado, no salão “Preto e Prata”, foi a palavra de ordem. O Casino do Estoril transformou-se numa máquina do tempo de sentido único: para trás, em força e com música dos anos 60 ou 70, capaz de satisfazer os sonhos retroactivos dos veteranos abandonados. Foi o concerto de James Taylor, sexta-feira à noite.
No Casino, a cada gala, jantar ou ritual de exposição social, a música desempenha um lugar só aparentemente secundário e complementar da exibição que, a outro nível, se desenrola fora do palco. Assim aconteceu mais uma vez durante a actuação de James Taylor, autor e intérprete nascido em termos artísticos no rescaldo dos anos 60 que transportou para a década seguinte o lado menos doloroso (chamem-lhe pacifista) dessa época.
O cantor escolheu a dedo um reportório que não pretendia mais do que refrescar a memória dos presentes – a parte boa, confortável, isenta de pecado, dessa memória, entenda-se. O chamado reportório de Pavlov, que conhece e desencadeia os estímulos necessários, o procedimento indicado para – com a canção exacta disparada no momento certo – fazer salivar os corações e pôr os bracinhos a dar ao guardanapo.
James Taylor, como Rocio Jurado, os Mamas and Papas ou tantos outros espectros desenterrados do passado que já passaram pelo salão “Preto e Prata” do Casino do Estoril, mais do que um simples cantor foi um terapeuta e um técnico de limpeza, desempenhando com brio a função de limpa-vidros do espelho retrovisor que permite ver com alguma nitidez o lado da estrada que ficou para trás.
“Sweet Baby James” abriu o espectáculo da forma previsível, James Taylor, óculos, colete, calças e careca largas, surgiu acompanhado apenas por uma guitarra acústica, uma voz que não perdeu qualidades, e pela avidez e sonhos de uma plateia que não lhe regateou aplausos. Era, logo de início, o triunfo de Pavlov. A banda entrou a seguir: Clifford Carter, teclados, Buzz Feiten, guitarra, Don Grolnick, piano, Jimmy Johnson, baixo e Carlos Veja, bateria. Mais um rapaz de cabelos compridos e duas raparigas, uma destapada por cima, outra por baixo, encarregados dos coros e de algum entretenimento visual que, descontando os pinotes de James Taylor (os artistas já com alguma veterania, vide Mick Jagger, vide Tina Turner, vide Roberto Leal, dão sempre muitos pinotes em palco para provarem que a idade não lhes retirou vitalidade), não houve.
Das canções e do concerto em si pouco há a dizer: foram as esperadas e mais conhecidas, com picos de emotividade nos “flashbacks” de “Fire and rain” e “You’ve got a friend”, este já um dos três “encores” previstos, entoados em coro pela assistência, nesta altura já completamente saciada na sua ânsia de usufruir até à mais ínfima migalha cada conto de reis gasto na gala.
Em síntese, James Taylor cumpriu o que dele se esperava, desempenhando com rigor e profissionalismo o papel de “entertainer” simpático, de voz agradável, que lhe assenta como uma luva. Do outro lado e de outro modo, também se cumpriu o esperado: o desfile de “toilettes” femininas no limite da vertigem, os guardanapos agitados como bandeiras de um estatuto social que uma vez por outra gosta de se entregar a esta coisa das “artes”. Enfim, a feira das vaidades em todo o seu esplendor e artificialidade. No Casino do Estoril a máquina do tempo está sempre pronta a funcionar.