Pop-Rock Quarta-Feira, 24.07.1991
Santana – Discos
Droga, religião, guitarras, ritmo são termos-chave no percurso discográfico e pessoal de Carlos Santana, um músico para quem a música é mais do que simples sons. No seu caso, trata-se antes de um caminho em direcção ao autoconhecimento e à contemplação das grandes verdades cósmicas. Mas nem sempre foi assim. Os discos citados, extraídos do lote até à data disponível em Portugal, representam momentos significativos das fases “antes” e “depois” da conversão. O terceiro é importante na medida em que sumariza os principais marcos da viagem.

ABRAXAS
Celebração eufórica de latinidade e da pujança rítmica de raiz afro-cubana, “Abraxas” consegue juntar, sem perdas para qualquer dos lados, a energia do rock, a sensualidade e o fogo da América Latina. Na altura de edição de “Santana”, o disco estreia, o mercado fora apanhado de surpresa pelo “cocktail” explosivo de “Soul Sacrifice”. “Abraxas” confirmou a solidez da proposta, atirnado com o álbum para o topo dos tops. Pertencem-lhe os temas mais insistentemente recordados e que fizeram a fama da banda: “Oye como va”, “Samba pa ti” e “Black magic woman”, indiscutíveis em qualquer convívio ou discoteca da altura. Apetecia de facto, ao ouvi-las, agarrar num corpo disponível e com ele dançar ao som da lava produzida pela guitarra sinuosa de Carlos, então ainda não “devadip”, e o batuque hipnótico arrancado às entranhas da terra por uma secção rítmica onde pontificava a bateria poderosa de Michael Shrieve. Antecipnado a vaga de fundo da “World music”, das grandes sínteses musicais planetárias, o exotismo plurifacetado dos Santana, nascido das mestiçagens permitidas pela geração Woodstock, surgiu cedo de mais. Depois de “Abraxas”, a música teria forçosamente que ser outra.
LOVE, DEVOTION, SURRENDER
O disco vale essencialmente como ponto de partida para uma apreciação da vertente mística que Carlos Santana até hoje não deixou de cultivar. “Love, Devotion, Surrender”, na teoria, procura traduzir musicalmente as doutrinas propagandeadas pelo guru Sri Chinmoy, o que, na prática, resultou em assombrosos solos de guitarra, a solo ou em dueto com “Mahavishnu” John McLaughlin, ambos discípulos na senda ascética, mas senhores absolutos dos respectivos instrumentos. Mesmo levando em conta a alegada insegurança, Carlos Santana confessou ter sido durante as gravações, intimado à rapidez, os conhecimentos e o virtuosismo do companheiro. O disco constitui como que o contraponto ao perfeccionismo colectivo e ultra-estruturado de “Birds of Fire” da Mahavishnu Orchestra (que aqui contribuiu com o baterista Billy Cobham e o teclista de Hammer). Dois temas de John Coltrane (“A supreme” e “Naima”) e o mantra “Meditation” ajudaram a “subir” muito boa gente, com o recurso extra a substãncias químicas auxiliares. Mas como diz o ditado: quanto maior a subida, maior é a queda.

THE BEST OF SANTANA
Neste “Best of” agora editado, a escolha dos temas foi acertada na medida em que permite mostrar as diversas vertentes de uma banda e um músico que sempre souberam evitar a mediocridade, mesmo se na altura se tenham rendido em áreas mais secas e vendáveis. “Os clássicos” já citados espalham-se pelo primeiro disco, intercalados com temas menos conhecidos, como “Juga” ou “Jin-go-lo-“ comprometendo se mais interessantes aquela que vai de 1969 a 1977. Em relação ao segundo disco houve a preocupação de mostrar o virtuosismo dos músicos, bem patente nos temas mais longos, de que “Dance dance” (de “Amigos”, com os seus muitos minutos de imbatível balanço são exemplo paradigmático. Na fluência dos ritmos latinos com o jazz rock, a música dos Santana permanece hoje na crista do rock “mainstream” sem (demasiadas) concessões.