Santana – “Concertos” (concerto)

Pop-Rock Quarta-Feira, 24.07.1991


Santana – Concertos


Sábado à noite será assim, sem qualquer espécie de dúvida: Carlos Santana subirá ao palco debaixo de uma monstruosa salva de aplausos. Na fase seguinte, deverá tocar. Arriscamos a guitarra. A guitarra deverá ser eléctrica, ter seis cordas e estar ligada a um amplificador, senão não se ouvirá nada.
Carlos Santana virá acompanhado de uma banda, que, em princípio deverá ser a sua. Aos primeiros acordes de “Black magic woman” a multidão irromperá em mais uma salva de aplausos. Acender-se-ão os primeiros os primeiros isqueiros, para testar o nível de gás e, já agora, acender um cigarro. O público exigirá de imediato os temas mais conhecidos e os músicos far-se-ão rogados, fingindo que não os vão tocar, querendo com isso provar que a sua fase actual é a mais interessante de todas. O que às vezes, como no caso recente de Paul Simon, até é verdade. Em relação aos Santana, a melhor música foi composta há 21 anos, nos dois primeiros álbuns “Santana” e “Abraxas”. Será então caso para dizer que, ao menos uma vez, o público terá razão.
A primeira meia dúzia de temas servirá essencialmente para aquecer, alternando os mais conhecidos com outros novos, dos álbuns recentes. Em todo o caso haverá forçosamente em todos eles um solo de pelo menos dez minutos, no fim do qual o líder aproveitará para fazer a apresentação do respectivo músico. Com um pouco de sorte, Carlos Santana dirá “obrigado” em português, pondo a multidão em delírio.
A fase intermédia será preenchida na íntegra por temas preferencialmente instrumentais e de teor mais místico, de “Caravanserai”, “Borboletta” e do triplo “Lotus”. Será a fase da “mensagem” em que “devadip” (a luz suprema) Carlos Santana se ocupará da parte doutrinária do evento. O estádio ficará então banhado pela luz de milhares de isqueiros e pelo perfume adocicado de outros tantos charros devotamente acesos. Momentos beatíficos, de celebração colectiva, com todos (mesmo os que nessa altura ainda não eram nascidos) a recordarem os bons tempos de Woodstock e a polícia, de cabelos engrinaldados, sorridente, a desviar, cúmplice, o olhar.
Metade da assistência (constituída por pais e mães) passará, a partir dessa altura, pelo nirvana, ou seja, pelas brasas. A outra metade (estudantes universitários) e jovens executivos) passará a olhar as luzes de cena com outros olhos, ansiando já o momento do fogo-de-artifício. A terceira metade (os mais novos) sentir-se-á chocada e aproveitará para lançar toda a espécie de impropérios sobre a vida dissoluta dos pais e, em geral, sobre os malefícios do “rock ‘n’ rol”.
Apoteótica, a última hora de concerto corresponderá a um aumento de velocidade, que poderá atingir o auge em “Soul sacrífice”, com a vantagem adicional de simbolizar o retorno às origens.
Passados os momentos de interiorização, da improvisação e dos épicos jazz rock, será o retorno à simplicidade, o apelo aos cânticos e às palmas de acompanhamento. As pessoas (passado o efeito dos fumos) começarão a fazer contas à vida e aopreço dos bilhetes, decidindo qual o número justo de “encores” a exigir no final. Os músicos não se farão rogados e voltarão ao palco tantas vezes quantas as previamente acordadas no contrato. O público ficará feliz e o relvado do estádio do Sporting um pouco mais arruinado. Pode ser que não seja nada assim, mas é o mais provável.

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