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Bleizi Ruz, Cran, Leilia, La Musgana – “Sons Da Via Láctea” (festival)

pop rock >> quarta-feira, 16.06.1993


SONS DA VIA LÁCTEA



Hent Sant Jakez é o nome dado na Bretanha ao caminho para Compostela. Santuário de milenar peregrinação, Santiago de Compostela simboliza o ponto de chegada (há quem defenda que a obra só estaria completa com a deslocação para Sul, até uma certa serra portuguesa junto ao mar…), físico e simbólico, de uma iniciação, demanda alquímica do homem em busca do seu centro divino. Hent Sant Jakez designa simultaneamente um outro tipo de caminho, musical, através da recriação dos passos, sons, lendas e imagens de uma das mais antigas aventuras da Europa peregrina e desbravadora dos mundos que estão por vir.
Com início no bar Triskell, em Brest, na Bretanha, e fim na Casa das Crechas, na Galiza, junto à mítica catedral, o projecto Hent Sant Jakez (com produção portuguesa da MC – Mundo da Canção), montado por Leula Prado, da editora discográfica galega Guimbarda, e Eric Liorzou, músico dos bretões Bleizi Ruz, faz uma pausa na Aula Magna, assentando arraial nas Festas da Cidade de Lisboa. Integram a comitiva musical desta espécie de festival ditado pelo brilho da Via Láctea, para além dos próprios Bleizi Ruz, os grupos Cran, da Irlanda, Leilia, da Galiza, e La Musgana, de Castela. Xesús Carballido, ex-Alecrim, assegurará a reconstituição do vestuário medieval, bem como a disposição cénica do espectáculo, enquanto Xulio Villaverde, co-fundador da Casa das Crechas, terá a seu cargo a representação teatral de diversos personagens conotadas com o caminho das estrelas.
Histórias, contadas por Xesús Carballido, danças, jogos de luz e música celta vão decerto constituir um momento de excepção no programa das Festas, trazendo para o coração da urbe lisboeta as pulsações e motivações de um outro tempo, quando o homem se regia pelo sagrado e a palavra “viagem” significava mais que simples deslocação no espaço.
Segue-se o nome, a estela (a concha em forma de estrela que simbolizava o guia interior do peregrino) e o bordão dos principais protagonistas. Belizi Ruz: Eric Liorzou (guitarra, mandola, voz), Bernard Quillian (bombarda, gaita-de-foles, “tin whistle”, voz e Loic LeBorgne (acordeão, sintetizadores, voz). Álbum disponível em Portugal: “Bleizi Ruz en Concert”. Cran: Desi Wilkinson (flautas, violino, voz) e Sean Corcoran (bouzouki, voz). Quatro álbuns, nenhum disponível em Portugal. La Musgana: Enrique Almendros (gaita-de-foles, tamboril), Jaime Munoz (clarinete, acordeão), Cuco Perez (acordeão), Luis Delgado (percussão, sanfona, alaúde) e Carlos Becairo (caixo, cistre). “El Paso de la Estangua” (só em vinilo) e o recente “Lubican” disponíveis em Portugal. Leilia: Mercedes Rodriguez, Rosario Rodriguez, Ana Rodriguez, Felisa Otero, Patricia Otero, Montserrat Crespo, vozes e percussão, e Manuel Novais, gaita-de-foles. Dois álbuns, por enquanto não disponíveis por cá. Acenda-se o forno, prepare-se o cadinho e encete-se a obra.
FESTAS DA CIDADE
PORTO – PRAÇA DA RIBEIRA, 22H
LISBOA – AULA MAGNA, DIA 19 DE JUNHO, 22H

Bleizi Ruz – “En Concert” + Ceolbeg – “Un Unfair Dance” + Philippe Eidel – “Les Agricoles” + Ensemble Tuva – “Echoes From The Spirit World” + Kormorán – “Hungarian Rhapsody” + Pentangle – “One More Read” + Amancio Prada – “Canciones De Amory Celda” + Rossavielle – “Very F. Tricky”

pop rock >> quarta-feira, 15.12.1993
WORLD

Bleizi Ruz
En Concert
Shamrock, distri. MC – Mundo da Canção

Os lobos ver,elhos ao vivo, nas habituais trocas e baldrocas com o “cajun”, o jazz e outras capelinhas frequentadas pelos modernos bretões. Vale a pena procura-los em estúdio em “Pell Ha Kichen”. (5)

Ceolbeg
Un Unfair Dance
Greentrax, distri. VGM

Que bom seria se Davy Steele deixasse de cantar de vez, para podermos ouvir em paz a harpa de Wendy Stewart (apesar de tudo aqui mais liberta do que no anterior “Seeds to the Wind”) e as “highland pipes” de Gary West, inesquecíveis no longo adeus do tema final. (6)

Philippe Eidel
Les Agricoles
Silex, distri. Etnia

“New Age” em veludo “folk, numa misturada de estilos que faz o “tour de France” para turista ver. Guy Bertrand e Eric Montbel, os dois Le Jaj presentes, não chegam para transformar o postal emk realidade. Bonito, ms pouco convincente. (5)

Ensemble Tuva
Echoes From The Spirit World
Pan, distri. Etnia

Regresso das vozes multifónicas da terra das águias. Só subestilos desta técnica vocal, que “cria um estado geral de bem-estar”, são mencionados 13 no folheto. Prodígios da garganta em cerimónias guturais do outro mundo. Étnica da dura, quase impenetrável. (6)

Kormorán
Hungarian Rhapsody
Pan, distri. Etnia

Folk-rock da Hungria. Computadores, gaita-de-foles e flautas em imitações disparatadas dos Jethro Tull, que remexem na lixeira do pior rock sinfónico. Mau gosto e falta de jeito, num álbum caricato. (0)

Pentangle
One More Read
Permanent, distri. Megamúsica

Jacqui McShee, Bert Jansch, um grupo de anciãos bem intencionados e a nostalgia dos tempos gloriosos de “Cruel Sister”. A memória consente destas coisas. (4)

Amancio Prada
Canciones De Amory Celda
Fonomusic, distri. MC – Mundo da Canção

Reedição de um álbum de 1987, em que o trovador galego entrava em liquefacção amorosa. As palavras dizem tudo. A sanfona de “Romance del enamorado” faz suspirar pela obra-prima que já desesperamos de ver ter continuação, “Caravel de Caravels”. Amancio Prada, aqui baladeiro, intimista e razoavelmente aborrecido. (4)

Rossavielle
Very F. Tricky
Shamrock, distri. MC – Mundo da Canção

Austríacos e conceptuais, os Rossavielle não sabem o que fazer do seu amor pela tradição celta. Simulacros de feira, por euroburocratas curiosos. Um razoável tocador de “uillean pipes” convidado, Dermot Hyde, e Nupi Jenner, “rookie” da sanfona salvam o disco da mediocridade. (5)

Bleizi Ruz, De Danann – “Irlandeses De Danann Dão Festival De Virtuosismo No Último Dia Do Intercéltico – A Alegria E A Fúria Vieram Do Mar”

Cultura >> Segunda-Feira, 06.04.1992


Irlandeses De Danann Dão Festival De Virtuosismo No Último Dia Do Intercéltico
A Alegria E A Fúria Vieram Do Mar


Bleizi Ruz e De Danann fecharam em força e com virtuosismo o Festival Intercéltico que durante três dias decorreu na cidade do Porto. Portugal, Galiza, Astúrias, Bretanha, Inglaterra e Portugal foram os pólos de um mundo nascido do mar e de um tempo que teimam em permanecer vivos. Cumpriu-se o ritual.



Sábado, derradeira noite do Intercéltico. Últimos folguedos. Festa em que estiveram presentes os sons do mar, as pulsações da Natureza que firma os corpos e os sonhos que rompem o futuro. Lotação esgotada. Que chamamento ou chama atrai o homem para estas músicas que o tempo poliu? Entusiasmo. Celebração. Ritual. Os Bleizi Ruz vieram da Bretanha e da chuva. Os Beleizi Ruz gostam e desejam a chuva – disseram-no em palco. Eric Liorzou, Loic LeBorgne, Bernard Quillien e Philippe-Janvier deram início à função com um “laridé” e nunca mais pararam. Mantiveram-se mais fiéis à Bretanha do que o seu álbum ao vivo, “En Concert”, deixava adivinhar. As passagens, esperadas, pelo “cajun” e pela música dos Balcãs enriqueceram um concerto do qual o mínimo que se poderá dizer é que foi vibrante.
Philippe Janvier e Bernard Quillien dialogaram, lutaram e quase rebentaram as bochechas na estridência das bombardas. Luc Lierzou cruzou-se com elas em ritmos e síncopes impossíveis arrancadas da guitarra. Loic Leborgne deu “show” no acordeão diatónico com ligação MIDI, o que lhe permitiu, por exemplo, imitar o som de uma harpa. Quillien, sempre bem-humorado, contou histórias – sobre ciclistas ecológicos, casamentos regados com Ricard e cabeças cortadas servidas em Jerusalém. Houve espaço para “mensonges” intimistas e para os delírios de um saxofone baríotono soprado por Janvier. Respirou-se chuva e sol. Subiu-se às montanhas da Bulgária e da Roménia. No final, os quatro músicos improvisaram sobre cadências bretãs. A gaita-de-foles irrompeu, um pouco fora de tom, em diálogo com a bombarda. O “kan há Diskan”, de canto e resposta, também fez a sua aparição, extrovertido, vibrante, afirmativo da individualidade linguística e cultural da Bretanha.

Irlanda Em Ritmo De Loucura

Sobre os De Dannan é difícil transcrever o virtuosismo instrumental e a “fúria” criativa de todos os seus elementos. Frank Gavin faz do violino um brinquedo cujas cordas parecem não conhecer limites. O violino arde literalmente nas suas mãos, e salta, mergulha, esgueira-se e incendeia o resto da música. Frank disse piadas, riu-se e gozou com os guinchos de “yeahouyupiuoiu” da assistência. Nota de apreço ao público que, desta vez, esteve muito bem. Riu nas alturas certas e não bateu escusadas palmas (fora de) compasso. Apenas os guinchos “yeahouyupiuoiu” não terão tido a pronúncia correcta, como, de resto, os músicos foram os primeiros a assinalar. Mas, na generalidade, não desiludiu.
Regresso aos De Dannan para mais um pouco de entusiasmo crítico: espantosa a “conversa” rendilhada mantida entre o bouzouki de Alec Finn e a guitarra desse grande senhor que é Arty McGlynn. E que dizer do solo de “bodhran” (instrumento de percussão) de Colin Murphy? O melhor é nem dizer nada, só visto e ouvido, para perceber como é possível criar melodias com um osso a bater numa pele. Frankie Gavin juntou-se-lhe num solo de “tin whistle” de cortar a respiração (principalmente a do próprio músico que, exagerando um pouco, não terá afastado os lábios do pequeno tudo metálico durante quase cinco minutos). Mais discreto mas não menos eficaz, Aidan Coffey manteve a máquina em andamento com o seu acordeão, embora neste caso, não fosse possível afastar o fantasma de mestre Mairtín O’Connor.
Claro que houve uma cantora. Os De Danann jamais dispensaram uma voz feminina, nos já longos anos que levam de carreira. Eleanor Shanley não terá feito esquecer a profundidade de uma Dolores Keane (ainda é novita, com os anos vai lá) mas saiu-se bem. Cantou sem fífias um difícil tema a solo, outro de Dylan e as tradicionais baladas de descanso entre a vertigem dos “reels”, “jigs” e “hornpipes”, (escolhidos na maioria do álbum recente “1/2 Set in Harlem”) que para qualquer cantora irlandesa que se preze são canja.
Fechou com loucura o Intercéltico: no “encore”, ao som de “Hey Jude” dos Beatles que deu lugar a nova sequência endiabrada de danças. O público pediu mais mas já se fazia tarde. O ciclo céltico dava a volta completa e de novo se abria em espiral. Até ao próximo ano, com a promessa de uma semana irlandesa.