Pop Rock
28 de Setembro de 1994
WORLD
Cran
The Crooked Stair
CBM, distri. MC-Mundo da Canção
Começa por ser um “show” de flauta de Desi Wilkinson, que já conhecíamos e até desgostáramos de ouvir na passagem ao vivo por Lisboa integrado no projecto Hent San Jakez. O homem transfigurou-se, alguma coisa se passou. O solo que assina em “Corsican waltz” é de ficar embasbacado, pela técnica, velocidade, bom-gosto e constantes variações de que dá mostras.
Desi é ainda um bom executante de “Highland pipes”, como demonstra logo nas duas exaltantes sequências de jigs e reels que iniciam “The Crooked Stair”. Também toca rabeca, “whistle” e percussão. Ele e Neil Martin (“Uillean pipes”, violoncelo, sintetizador, excelente “tin whistle”) formam o núcleo sonoro dos Cran, com a ajuda de um terceiro elemento, Seán Corcoran, na voz, guitarra e bouzouki, e um convidado, Ray Gallen, no “bodhran”. Tudo nomes praticamente desconhecidos do público, mas que fazem daquela que julgamos ser a estreia discográfica dos Cran um álbum notável.
Há aqui energia, sinónimo de confiança nas capacidades próprias, posta ao serviço de uma via que opta pela descentralização e, amiúde, numa perspectiva sonora que entronca nos grandes grupos dos anos 70. Nomeadamente nas vocalizações, que, por sinal, sem serem fracas, são todavia o elo menos consistente do álbum.
Mais próximas no tempo estão algumas semelhanças com os House Band, no modo por vezes heterodoxo como as “vozes” da gaita-de-foles e das flautas se colocam, ou nos desvios pelos folclores de várias regiões da Europa, como é o caso de um “an dro” bretão que evolui de forma absolutamente harmoniosa para um tema da Roménia. Em suma, uma visão pujante, imaginativa e não fundamentalista da música tradicional irlandesa que escapa à sensação de “déja vu” que por vezes assola quem tem por hábito e gosto a audição sistemática de tudo o que nos chega destas paragens. (8)