Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #95 – “Assunto Coltrane (FM)”

#95 – “Assunto Coltrane (FM)”

Fernando Magalhães
05.04.2002 150336
Excelentes as contribuições que acabei de ler a propósito da minha pequena “provocação” sobre Coltrane! 🙂

Era essa, exatamente, a minha intenção.

Claro que JC é um músico genial, apenas pretendi agitar um pouco as águas porque amiúde se valoriza em certos artistas, precisamente o lado mais “folclórico”, determinado tipo de imagens, clichés, etc, tendentes a criar uma consensualidade que tende a deificar (fossilizar) esses mesmos artistas.

Fala-se hoje, se calhar, mais de JC, e ouve-se menos a sua música…

Dito isto, e respondendo a certos comentários particulares:

– Tenho o “Giant Steps”, que considero um álbum fabuloso. Já, coisas mais recentes, como o “Interstellar Space” ou “Meditations” me suscitam algumas reservas…
“Sun Ship” é outro dos meus preferidos.
E, já aqui o disse, a versão (pirata???) de um concerto ao vivo de “A Love Supreme”, executado na íntegra e em versão “aumentada”, digamos assim, em Antibes, no mesmo ano da gravação do álbum de estúdio e com a mesma formação, é qualquer coisa (ao nível da interpretação do saxofonista) de espantoso.

– Nick Drake outra vez…Enfim…Não emiti qualquer opinião valorativa sobre a sua música, citei apenas o tal lado “folclórico” da sua vida. A minha opinião? “Five Leaves left” (9/10), “Bryter Layter” – 9/10, “Pink Moon” (7,5/10).

FM

Gong – “Gnomo – A Desbunda Cósmica” (valores selados | blitz | dossier | artigo de opinião)

BLITZ 24 OUTUBRO 1989 >> Valores Selados


GNOMO
A DESBUNDA CÓSMICA



GONG é o planeta da folia. Os seus habitantes, os Pot Head Pixies, viajam através do Universo dentro de bules de chá. É de um destes bules, algures nas imensidões cósmicas, que a RÁDIO GNOMO INVISÍVEL emite telepaticamente mensagens subliminares para todo o Cosmos. Às cinco da tarde, conseguem apanhar-se em FM.
A referida estação, presumivelmente pirata e talvez por isso mesmo em constante deriva pelo espaço, fugida às autoridades galáticas, vem por mero acaso encalhar no planeta Terra. A partir daqui é o caos, a loucura desenfreada, Dada, chá, cabeças a voar. Gong é o resultado das lucubrações mentais de Daevid Allen, um australiano que um dia se viu impossibilitado de permanecer em Londres por ter caducado o seu visto de cidadão estrangeiro. Nessa altura, já lá vão 21 aninhos, em plena época hippie, fazia parte de um grupo que então despontava na cena alternativa inglesa de Canterbury: os Soft Machine, ao lado de rapazes como Robert Wyatt, Mike Ratledge e Hugh Hopper. Despeitado, saiu, atravessou o canal e assentou praça na vizinha Espanha. Foi substituído nos Softs por outro louco, Kevin Ayers, que também abandonou o grupo e veio para Espanha. Espanha, um país de loucos onde vêm parar os filhos preteridos de Sua Majestade.
Daevid enlouquece de vez e forma os Gong. Juntaram-se-lhe os também lunáticos Didier Malherbe (sax, flauta), Christian Tritch (baixo), Laurie Allan e Pip Pyle que mais tarde viria a fazer parte dos Caravan e Hatfield and the North, ambos na bateria e a vocalista Gilli Smyth. Charles Hayward (muito mais tarde nos This Heat) fazia uma perninha de vez em quando, ainda na bateria.
Neste período inicial gravaram três álbuns: «Magick Brother, Mystic Sister» de 69, que, segundo Daevid Allen, nunca existiu. Talvez. Contudo eu ouvi-o e gostei. Alucinação? Já mais reais são os dois seguintes: «Continental Circus» de 71, para um documentário sobre corridas de motas e «Camembert Electrique», do mesmo ano, capaz de fazer fundir os fusíveis aos mais atinados.
Entretanto assinam previsivelmente contrato com a Virgin, para a qual gravam de enfiada as três obras-primas que formam a trilogia «Radio Gnome Invisible», «The Flying Teapot» e «Angel’s Egg» ambos de 73 e «You» de 74. Por esta altura faziam parte do grupo dois músicos essenciais na definição do melhor som dos Gong: Steve Hillage (guitarra) e Tim Blake (eletrónica e teclas).
Estes três álbuns são o desatino total. Os músicos adquiriram personalidades demenciais: Allen era Zero the Hero ou Dingo Virgin, Didier Malherebe, Bloomdido Bad de Grasse, Gilli Smyth, a deusa da Lua, intitulava-se Shakti Yoni e por aí fora. A música era uma mescla inspirada de jazz experimental com a canção ultra-melodiosa, à boa maneira do som Canterbury, mais eletrónica planante (nesta época não podia faltar) e nonsense nonstop. O planeta Gong rebentava de riso e de boa música. Os seus habitantes perdidos em desbundas de freaks funcionando em galáxias alternativas.
Aos poucos a confusão vai atingindo níveis incontroláveis. Saem e entram constantemente novos músicos. É a grande salganhada. Sem saberem bem como, Gilli Smyth, Steve Hillage, Tim Blake e o próprio Allen dão por si fora do grupo. Quem se vai aproveitando desta confusão é Pierre Moerlen, o virtuoso percussionista erudito vindo das Percussões de Strasbourg, trazendo consigo do mesmo grupo Mireille Bauer e assenhoreando-se progressivamente da orientação musical dos Gong que aos poucos se vão tornando num mero grupo de jazz-rock. «Shamal», de 75, é a despedida do humor, do ecletismo e, sobretudo, da inspiração e originalidade anteriores. O álbum seguinte, «Gazeuze», de 76, reduz-se às exibições pirotécnicas dos percussionistas que, na altura, eram já quatro; para além de Moerlen e Bauer, tinham entrado o irmão do primeiro, Benoit e mais um virtuoso, Mino Cinélu, atualmente nos Weather Report. De qualquer modo é um regalo escutar os rendilhados cristalinos traçados pelo vibrafone e pelas marimbas de Pierre Moerlen e companhia. Por vezes ainda contavam com a participação de mais um baterista, Bill Bruford, nas atuações ao vivo. Devia ser bonito.
Em 77 os Gong, já indignos do seu passado, gravam dois duplos: «Gong Live» e o irónica e adequadamente intitulado «Gong est mort». É um facto. Os Gong, sem o seu principal mentor espiritual, há muito que estavam mortos. Assinava-se pois a certidão de óbito. Ainda chega a ser editado, em 78, «Expresso II» de uma vulgaridade atroz. A partir daí passava a existir o Pierre Moerlen’s Gong, designação mais correta para um projeto que já nada tinha a ver com o original.
Allen, Hillage, sobretudo estes dois, Malherbe, Blake e Smyth tinham entretanto já gravado dezenas de álbuns a solo, alguns deles bastante bons, como «L» de Steve Hillage, «Crystal Machine» de Tim Blake e quase todos os de Daevid Allen.
Os Gong, talvez por serem tão personalizados, tanto musical como conceptualmente, não deixaram descendência. Permanecerão para sempre um mundo à parte. A Rádio Gnomo Invisível continua a rir e a emitir.



«o bule voador»
Alerta B.V.N.I.s (Bules Voadores Não Identificados) invadem a Terra durante o chá das cinco. A bruxa Yoni e as misteriosas frequências emitidas pela máquina de cristal dão cabo da cabeça dos humanos. Só Zero (não o recruta) os poderá salvar



«o ovo do anjo»
O próprio Zero fica sem cabeça que voa até à Lua ou ainda mais acima, até ao paraíso dos orgasmos perpétuos. Zero é um anjo ou um demónio? Mais acima, ainda mais para cima. O anjo és tu. Agarra o ovo do Céu

«Tu»
O templo interior é de cristal. Aqui vive o grande construtor. Aqui vives tu. No palácio da eterna sabedoria são-te revelados os derradeiros mistérios. Estás salvo. Salvo pelo GONG

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #94 – “Morreu FAD GADGET-FRANK TOVEY! (FM)”

#94 – “Morreu FAD GADGET-FRANK TOVEY! (FM)”

Fernando Magalhães
04.04.2002 160438
Recebemos agora mesmo a notícia aqui na Redação.

FRANK TOVEY, conhecido no início de carreira por FAD GADGET morreu ontem, em circunstâncias ainda por apurar.

Os quatro primeiros álbuns que gravou são muito bons, sobretudo o 2º, “Incontinent” – experimental, pop, humorístico e algo assustador (inclui uma valsa “industrial” que…).
“Fireside Favourites” (disco de estreia), mais rude e metálico, e os posteriores “Under the Flag” (muito bom, talvez o álbum mais sólido e rock) e “Gag” (com um dos temas dedicados aos Einstuerzende Neubauten) também valem a pena.

FAD GADGET era a versão pop da música industrial dos anos 80, ao lado dos CABARET VOLTAIRE, HUMAN LEAGUE, CLOCK DVA, THE NORMAL, THOMAS LEER, etc
Foi, quanto a mim, a grande influência de Matt Johnson/THE THE. Comparem, se puderem, os discos…

Era, além disso, um showman com características muito especiais. Num dos concertos, apareceu com o corpo coberto de alcatrão e penas (imagem que aparece na capa de “Gag”)…

Na fase mais recente (e inferior) da sua carreira, gravou discos em nome de FRANK AND THE WALTERS.

Uma notícia triste.

FM

João Gonçalves
04.04.2002 160444
Sim, e… ?

Fernando Magalhães
04.04.2002 160447
E…não deve poder voltar a cantar tão cedo!

FM
com um humor muito negro mas vocês puxam por mim e depois é isto: piadas de gosto duvidoso!