Pop-Rock Quarta-Feira, 24.07.1991
Santana – Mística
“Acredito em anjos. Continuo a sentir um arrepio ao pensar em algo que não vem de mim ,as passa através de mim”. Segundo esta sua declaração, Carlos Santana seria uma (ou mais) das seguintes coisas: a) um mistificador; b) um louco; c) alguém debaixo do efeito pernicioso de drogas fortemente alucinogénias; d) um místico genuíno. Pondo de parte a primeira hipótese, por falta de provas.
Carlos Santana desde cedo enveredou pela carreira de músico. Durante a juventude tocou num bar suspeito, em condições que o terão marcado para o resto da vida, fazendo eclodir na sua alma juvenil, por contraste, uma grande ânsia de pureza e espiritualidade. Nessa “cantina”, como lhe chamava, Carlos tocava guitarra das quatro às cinco da madrugada, para dar lugar, a seguir, a sessões de “strip-tease” com prostitutas. Visões de um mundo sórdido que apenas a droga permitiria apagar. Após essa experiência traumática e de ter lavado pratos num restaurante, formou finalmente os Santana Blues Band, banda à qual, mais tarde, retiraria os dois últimos nomes.
Na época, o mundo explodia, em plena “feérie” psicadélica. Em São Francisco, centro floral da cultura “hippy”, o jovem Carlos foi seduzido pela liberdade de costumes e a mistura de tudo que aí proliferava. Os Sanatna projectavam-se definitivamente na cena mundial, através de uma memorável actuação no mítico Woodstock. Nessa ocasião, entre a grandiosa desorganização vigente, Carlos terá cometido um erro de cálculo ao ingerir doses consideráveis de mescalina como preparativo para o concerto programado para mais tarde. Só que alguém o terá empurrado para o palco, dando-lhe tempo apenas de pedir ajuda a Deus para “não desafinar” e de deslumbrar uma multidão rendida ao poder de “Soul Sacrifice”.
Em 1972, instigado por John McLaughlin, converteu-se aos ensinamentos do guru Sri Chinmoy. Deixou de fumar, de beber e de outras coisas. Hoje renegou o mestre – “Os gurus tornam-se paranóicos quando os estudantes transcendem a sua filosofia” – a partir daí, dispensando os intermediários entre si e a divindade. A nova filosofia de vida, de carácter gnóstico, resume-a do seguinte modo: “Deus revela-me que há uma luz vermelha que me diz para parar, uma verde para seguir e uma amarela para abrandar”.
Para Carlos Santana era o consumo cada vez mais desenfreado de drogas e a imersão total no universo da transcendência. Torna-se-lhe progressivamenre mais difícil distinguir a realidade da ilusão. Quando diz que a legião de fumadores de haxixe de Woodstock equivalia à Resistência francesa ou que tocou com Herbie Hancock, Wayne Shorter, Willie Nelson, Buddy Miles, John Lee Hooker e Alice Coltrane, sentimos ao mesmo tempo piedade e simpatia. Refere-se, a propósito do actual ressurgimento do seu nome, à música, como “água pura, paciente, que sempre acaba por penetrar a rocha”. Acenamos que sim, que estaremos todos em Alvalade.