DIRE STRAITS EM LISBOA: CENTENAS, MILHARES, MILHÕES
O negócio deles é números. Com o disco e a digressão mundial “On Every Street”, os Dire Straits preparam-se para bater todos os recordes. Três anos na estrada é coisa nunca vista. Vão passar por cá no sábado, no Estádio de Alvalade, em Lisboa. Milhares de fãs vão venerar Mark Knoffler e acender isqueiros. “Love over gold” ou o contrário?
“On Every Street” teve início em Dublin, a 23 de Agosto do ano passado, e acabará em 1993. Três anos entre o corropio das cidades e das divisas. As primeiras serão cerca de 300. As segundas, um pouco mais. Sete milhões de pessoas presenciarão ao vivo a pirotecnia de Mark Knopfler e companhia, com um gasto previsto de 350 mil litros de gás de isqueiro, admitindo-se que apenas metade daquele número de pagantes, ou seja, cerca de 3.500.000 pessoas, acenderão os respectivos isqueiros, o que corresponde a uma média de acendimento na ordem dos 2m30s por concerto, equivalentes a cerca de 10 centilitros de combustível por cabeça.
Não menos assombrosos são os números relativos a lucros e despesas de “On Every Street”, todos na casa dos seis ou mais zeros. Há quem fantasie e inflacione, tentando desestabilizar. Mas isso só os grandes o merecem. Avançou-se com uma estimativa de um bilião e 750 mil milhões de libras (cerca de 429 mil milhões de contos) relativa aos lucros totais da digressão e de 70 milhões (cerca de 17 milhões de contos) por músico, o que diga-se de passagem, está muito acima do ordenado mínimo nacional, mesmo em Inglaterra. Ed Bicknell, da organização, abana a cabeça e nega peremptoriamente tais quantias. Segundo ele, “On Every Street” por pouco que não dará prejuízo. Setenta milhões é o lucro previsto, sim, mas em bruto, ou seja, falta descontar as despesas que são muitas e quase deixarão os Dire Straits na penúria.
Calcule-se que os gastos médios por concerto dos Dire Straits rondam as 50 mil libras em recintos fechados e 125, 150 mil libras ao ar livre. Depois é o problema do preço dos bilhetes e a fatia arrecada pelo IVA. Por exemplo, em Inglaterra os bilhetes custam 20 libras mas 2,30 vão para os cofres do Governo. Das restantes 17,70 libras há ainda a descontar despesas várias que até podem incluir uma renda de camarim e uma taxa qualquer a cobrar pelo direito a ver o nome do artista afixado no exterior do edifício. Feitas as contas, os músicos irão amealhar 15 a 20 por cento das tais 17,70 libras, o que, reconheça-se, é pouco.
Mas, para os Dire Straits, “On Every Street” é mais uma cruzada que outra coisa. Uma verdadeira prova de amor à causa que, inclusivamente, os leva a ter por princípio jamais cancelarem um concerto. Em 13 anos de estrada, gabam-se de apenas uma vez isso ter acontecido: no Luxemburgo, durante a anterior “tournée”, “Brothers in Arms”, onde o palco ameaçava desabar sobre as primeiras filas da plateia. O organizador protestou. Os Dire Straits anuíram em tocar, na condição desse organizador permanecer durante todo o concerto mesmo à frente do palco. Não houve concerto.
No Estádio de Alvalade não deve haver esse perigo. Os milhares de pessoas que mais uma vez darão cabo do relvado poderão gozar em paz as guitarradas de Mark Knopfler, que, à semelhança do que tem acontecido um pouco por todo o lado, se estenderão por largos minutos, em cada tema. Em palco vão estar os seguintes músicos: Paul Franklin (“pedal steel”), Chris Witten (bateria), Phil Palmer (guitarra), Danny Cummings (percussão), Alan Clark (teclados), Mark Knopfler (guitarra, voz), Guy Fletcher (teclados), John Illsley (baixo) e Chris White (saxofone). Malta, toca a encher os isqueiros!
Narada é o nome de uma editora de música “Nova Idade”, a partir de agora distribuída entre nós. A maior parte do catálogo dá sono, mas há um ou dois títulos que valem a pena.
“New age”, “nova idade”, o paraíso, enfim, que nos acena. O conceito surgiu na América, em meados dos anos 80, com editoras como a Coda e Windham Hill. NO início, os artistas intervenientes eram rapaziada e raparigada como Rick Wakeman (dos Yes), Tom Newman (produtor de Mike Oldfield) ou Claire Hammill, veteranos de outras batalhas, em fase de reciclagem, à procura de relançamento e de novas formas de sustento. Ficaram para trás. Vingança: a “nova idade”, aprendida nos manuais de astrologia, abria-lhes as portas.
Houve quem aderisse. Era a promessa do “novo” que fazia luzir mil olhinhos cansados das violências e desacatos do rock, traduzida numa música bonitinha, inofensiva, ideal para “relaxar” e “fazer sonhar”, sobretudo os executivos para quem a coca acabou por não se revelar a panaceia universal.
A indústria chamou “adult alternative music” à coisa. Muitos, por comodismo, deixaram-se cair no logro. É pena, porque de facto há uma nova idade que desponta. Assim, pela via da normalização e da facilidade, “slogans” como “não destruam a floresta amazónica” têm a força de um “não comam chocolate porque faz mal ao fígado”.
A Narada – que passou a ter distribuição nacional através da discoteca Roma – é mais uma entre dezenas de editoras “new age” (como a Private Music, Higher Octave, Miramar, Silver Wave, Soundings of the Planet, Sonic Atmospheres, Golden Gate, Astromusic, e outras tantas manifestações de “kitsch” cósmico, onde não cabe a Hearts of Space, que mistura um bocado as coisas e inclui no seu catálogo obras de Robert Rich ou Steve Roach, que pouco ou nada têm a ver com a restante mediocridade), com a diferença de, sabe-se lá porque misteriosas conjunções astrais, ter vendido no ano passado mais que a concorrência.
Passagem indolor
No seio da Narada, os discos dividem-se em três categorias principais: Narada Equinox, para as “fusões de influências variadas, pop, rock, jazz, étnica e folk incluídas”; Narada Lótus para a “música acústica cuidadosamente embalada”; e Narada Mystique para a “nova música de raiz electrónica”.
Os artistas têm nomes estranhos e vagamente apropriados para o género: David Arkenstone, Richard Souther, Ralf Illenberger, Trapezoid e Kostia. Os CD apresentam capas que retratam paisagens idílicas, de aspecto gráfico cuidado, sem esquecer os “booklets” sofisticados repletos de gravuras, simbologia avulsa e longos tratados sobre o vazio.
Os títulos – “Natural States”, “Indian Summer”, “Desert Vision”, “Moon Run”, “White Light”, “New Land”, “Heartsounds”, “After the Rain”, “Valley in the Clouds” – são portentos de imaginação.
E a música? Ouviram-se vários discos: “Panorama” de Wayne Gratz, “Natural States” e “Return to the Heart” de David Lanz, “Dorian’s Legacy” de Spencer Brewer, o inenarrável dino-meirismo de “Michael’s Music”, de Michael Jones; e dois melhorzitos, talvez porque menos preocupados em soar “new age”: “In the Garden”, de Eric Tingstad e Nancy Rumbel, obra conceptual sobre “jardins”, reais e como metáfora, e “A Childhood Remembered”, em que vários artistas da editora dão uma mãozinha e efabulam sobre a infância perdida. O piano é rei, acolitado pela electrónica, instrumentos de orquestra e uma ou outra concessão ao “étnico”.
Para todos quantos gostam de Richard Clayderman e hesitam em dar o passo em frente, receosos de arriscar, não hesitem e ouçam os discos: a passagem é absolutamente indolor.
Tem-se insistido muito na tese de que 1991 terá sido um ano negro no que diz respeito à elevada percentagem de passamentos no campo da música rock. Visão pessimista que peca por falta de rigor. As estatísticas não mentem: durante o ano que findou há a contabilizar – e estamos a referir-nos apenas aos dados relativos à Europa – 675.341 artistas vivos (incluindo 388 nacionais) e em actividade, contra 17 mortos (nenhum nacional) com nenhuma ou quase nenhuma actividade. Convenhamos que o balanço é positivo.
1991 não passou afinal de mais um ano como qualquer outro, tendo-se procedido ao cíclico reajustamento de forças. E, depois, há aquele fascínio mórbido dos “media” pela morte, que nos leva a encher páginas de necrologia. Alguém se lembrou de apontar as datas de nascimento das celebridades vindas ao mundo o ano passado? Costuma dizer-se que os heróis, como as árvores, morrem de pé. Não foi bem o caso. Proceda-se então à cronologia dos principais óbitos.
Buck Ram
1 de Janeiro (84 anos)
Morreu velhinho o fundador de uma das bandas mais célebres dos anos 50, os Platters. É o autor de “Only you”, o tema imortal dos namorados, bem como “The great pretender” que Freddy Mercury recuperou no álbum de estreia dos Queen. Bryan Ferry fez o mesmo com “Smoke gets in your eyes”. “Rock around the clock” – nunca mais.
Steve Clark
8 de Janeiro
A ingestão de uma mistura de álcool, morfina e Valium liquidou o guitarrista da banda de heavy metal Def Leppard, que, como quase todas do género, se notabilizou pelo elevado teor decibélico que conseguia produzir. Não há organismo que resista.
Serge Gainsbourg
2 de Março (62)
O PÚBLICO chamou-lhe o “homem com cabeça de couve”, título de um dos seus álbuns. Foi encontrado morto em casa, de morte natural. É pouco provável. Seria o maior paradoxo para quem, como ele, fumava cinco maços de tabaco por dia e que dos suspiros de uma sessão amorosa fez um êxito de vendas, com Jane Birkin, em “Je t’aime, moi non plus”, o disco proibido que todos os adolescentes queriam ouvir. Escreveu canções para Bardot, Gréco, Petula Clark e para a “poupée de cire” France Gall. Contracenou com Joe Dalessandro, um dos “queridos” de Andy Warhol, e poucos anos antes de morrer dirigiu a filha Charlotte, em “Charlotte for ever”, num filme sobre o incesto. Fez da sua vida um escândalo constante e dizia “não pertencer a este mundo”, ele, um “poeta assassinado pela sociedade de consumo” que detestava a lucidez. Por isso Boris Vian gostava dele. A cabeça de couve era por ter as orelhas muito separadas. Serge Gainsbourg foi tudo menos um vegetal.
Doc Pomus & Mort Shuman
29Março (66)/ 2 de Novembro (52)
Formaram durante anos uma parelha inseparável de autores de rhythm’n’blues. Nem a morte conseguiu separar a dupla rival de Leiber & Stoller, com os quais aliás por diversas vezes chegaram a colaborar. Morreram no mesmo ano, ambos vítimas de cancro. São da sua autoria clássicos como “Save the last dance for me” (interpretada pelos Drifters), “Sweets for my sweet” (The Searchers) e “His latest flame” (Elvis Presley). A morte de Pomus motivou Lou Reed, de quem era amigo, para a gravação do recente “Magic and loss”. Quanto a Shuman nem o apelido conseguiu evitar que escrevesse as canções “cor-de-rosa” sopeira que o celebrizavam.
Martin Hannett
18 de Abril (42)
Produtor dos Joy Division, Durutti Column e Cabaret Voltaire. Um dos homens fortes da Factory. Ajudou a criar o som e o estilo depressivos da escola de Manchester e a moda das olheiras e gabardinas negras. Antigo estudante de Química, talvez por isso passou a vida a experimentar os efeitos das mais variadas substâncias alucinogéneas, experiências que não terão servido para aumentar os seus conhecimentos de farmacologia, mas que transformaram a sua vida num inferno. Nunca se libertou do complexo de culpa motivado pela morte, por enforcamento de Ian Curtis, ao qual ficou para sempre ligado desde o trágico “Closer”. Morreu de um ataque cardíaco, durante o sono.
Steve Marriott
20 de Abril (44)
Diz-se que o tabaco pode ser prejudicial à saúde e é verdade. Um cigarro bastou para provocar a morte do antigo vocalista e guitarrista da banda “mod” dos anos 60 Small Faces e, anos mais tarde, dos Humble Pie. Um simples cigarro que incendiou a “cottage” do séc. XVI onde vivia, retirado e de forma pacata, com a esposa. Alguém ainda se lembra de “Tin soldier” e “Lazy Sunday”? Eram os tempos da “Swingin London”, psicadélico e vibrante.
Johnny Thunders
23 de Abril (38)
A morte clássica: “overdose” – provocada pela mistura de cocaína e metadona. O cenário da morte, também clássico: um quarto de hotel, perdido na noite de Nova Orleães. E os rumores, como já acontecera com Jim Morrison, de que teria morrido assassinado ou de ataque cardíaco. Foi dos que levou a imagem mítica do “rock & roll hero” até ao fim. Antes de formar a sua própria banda, Heartbreakers, fez parte das “bonecas” New York Dolls, uma mistura de rock, “punk”, “thrash” e “glamour” que Malcolm McLaren apadrinhou e dos quais viria a nascer o conceito e a bomba Sex Pistols.
Gene Clarck
24 de Maio (49)
Era considerado o compositor mais interessante dos Byrds, inventores, nos anos 60, da country espacial. Os R.E.M., como toda a gente sabe, devem-lhes muito, em particular aquela maneira especial de tocar guitarra, capaz de fazer subir cada um “8 miles high”.
Vince Taylor
27 de Agosto
“Rocker” francês, alucinado e decadente. Viveu no excesso e do excesso, entre a companhia do álcool, os medalhões foleiros, periódicas crises de misticismo e a paranóia. Quis ser uma grande estrela do rock’n’roll. Em França é difícil. Chamaram-lhe o “Satã do Rock”. Costumavam encontrá-lo morto de bêbedo, em caixotes do lixo. “Le rock c’est ça” – cantava. Morreu na Suíça, o país mais limpo do mundo.
Rob Tyner
17 de Setembro (46)
Mais um ataque de coração. O coração dos “rockers” parece ser fraco e, portanto, convém não abusar. Tyner, como tantos outros, não ligou aos conselhos de Fernando Pádua – de levar uma vida regrada – e isso foi-lhe fatal. Embora neste caso a autópsia não revelasse vestígios no organismo das substâncias do costume. Rob Tyner integrou, no início dos anos 70, os MC (Motor City 5), banda de Detroit, precursora do heavy que aliava a linguagem revolucionária à brutalidade sonora, que, em álbuns como “Kick out the Jams” ou “Back in the USA”, provocaram, à época, na América, algyma confusão.
Bill Graham
25 de Outubro (60)
Lendário promotor de concertos. Morreu de uma queda de helicóptero provocada pelo embate com um cabo de electricidade, quando regressava da Califórnia, onde assistira a um espectáculo de Huey Lewis. Promoveu, ao longo dos anos 60 e 70, concertos dos Grateful Dead, Doors, Jefferson Airplane, Jimi Hendrix, Rolling Stones, The Who e Bob Dylan. Criou em São Francisco o célebre Fillmore West e, pouco tempo depois, o Fillmore East, em Manhattan, ambos encerrados em 1971. J+a na década seguinte esteve ligado à organização do Live Aid em Filadélfia e a alguns megaconcertos de apoio à Amnistia Internacional, realizados nos Estados Unidos. Devia ser boa pessoa.
Freddy Mercury
24 de Novembro (45)
Só na véspera da morte o vocalista dos Queen reconheceu publicamente sofrer de sida. Vinte e quatro horas depois, numa noite de domingo, a “rainha” morria como uma sombra de si própria, de uma bronco-pneumonia. Aquela “crazy little thing called love” foi-lhe fatal. A “rapsódia da boémia” – uma vez organizou uma festa com bailarinas nuas, dançando em recipientes cheios de bocado de fígado, e cocaína servida em bandejas de prata, debaixo de fogo-de-artifício – chegava ao fim. Freddie tinha sentido de humor: gostava dos irmãos Marx (dois dos álbuns dos Queen têm por títulos “A Night at the Opera” e “A Day at the Races”) e convidou a “primadonna” Monserrat Caballé para cantarem juntos. Disse um dia que os Queen haviam de ser os Cecil B. de Mille do rock. No último teledisco fazia de louco.