Arquivo de etiquetas: Freddy Mercury

Freddy Mercury – “O Campeão” (TV)

Televisão e Rádio >> Sábado, 23.05.1992


O Campeão



Depois de mortos são todos bons. Em vida Freddy Mercury nunca passou de um músico sofrível, incarnando a rainha musculada de bigode que quis ser cantora de ópera. Os Queen, a sua banda de sempre, eram o suporte para essa necessidade de ostentação, entre o “heavy metal” de cetim, o rock sinfónico de lataão e as encenações totalitárias inspiradas no “Metropolis” de Fritz Lang ou nos grandes rituais de massas futebolísticos.
Freddy Mercury, reconheça-se, além de uma boa voz, tinha outro ponto a seu favor: o humor. Humor que, aliado à mais completa falta de vergonha, o levou a criar personagens delirantes para os vídeos da banda, desde a dona de casa bigoduda de “I want to break free” ao louco frágil e “snob” – uma das suas melhores composições, definidoras talvez da sua verdadeira personalidade – que personificou num dos derradeiros “clips” dos Queen, “I’m going slightly mad”, canção incluída no álbum “Innuendo”.
A doença não chegou a transformá-lo em vítima, nisso soube ser discreto. A morte transformou-o em herói. Em Wembley, a 20 de Abril deste ano, as “estrelas” homenagearam-no e aproveitaram para um pouco de auto-promoção. Freddy Mercury passou, por obra e graça da sida e da piedosa mão da indústria, à condição de mito. Dos metaleiros como os Def Leppard, aos mestres como David Bowie, passando pela fraude genial que são os Spinal Tap, por interesse, ou por verdadeira amizade, todos lhe elogiaram a música e figura. Freddy Mercury conseguiu ser campeão.
Canal 1, às 15h10

O Lugar Dos Mortos

Pop Rock

8 JANEIRO 1992

O LUGAR DOS MORTOS

mh

Tem-se insistido muito na tese de que 1991 terá sido um ano negro no que diz respeito à elevada percentagem de passamentos no campo da música rock. Visão pessimista que peca por falta de rigor. As estatísticas não mentem: durante o ano que findou há a contabilizar – e estamos a referir-nos apenas aos dados relativos à Europa – 675.341 artistas vivos (incluindo 388 nacionais) e em actividade, contra 17 mortos (nenhum nacional) com nenhuma ou quase nenhuma actividade. Convenhamos que o balanço é positivo.
1991 não passou afinal de mais um ano como qualquer outro, tendo-se procedido ao cíclico reajustamento de forças. E, depois, há aquele fascínio mórbido dos “media” pela morte, que nos leva a encher páginas de necrologia. Alguém se lembrou de apontar as datas de nascimento das celebridades vindas ao mundo o ano passado? Costuma dizer-se que os heróis, como as árvores, morrem de pé. Não foi bem o caso. Proceda-se então à cronologia dos principais óbitos.

Buck Ram
1 de Janeiro (84 anos)

Morreu velhinho o fundador de uma das bandas mais célebres dos anos 50, os Platters. É o autor de “Only you”, o tema imortal dos namorados, bem como “The great pretender” que Freddy Mercury recuperou no álbum de estreia dos Queen. Bryan Ferry fez o mesmo com “Smoke gets in your eyes”. “Rock around the clock” – nunca mais.

Steve Clark
8 de Janeiro

A ingestão de uma mistura de álcool, morfina e Valium liquidou o guitarrista da banda de heavy metal Def Leppard, que, como quase todas do género, se notabilizou pelo elevado teor decibélico que conseguia produzir. Não há organismo que resista.

Serge Gainsbourg
2 de Março (62)

O PÚBLICO chamou-lhe o “homem com cabeça de couve”, título de um dos seus álbuns. Foi encontrado morto em casa, de morte natural. É pouco provável. Seria o maior paradoxo para quem, como ele, fumava cinco maços de tabaco por dia e que dos suspiros de uma sessão amorosa fez um êxito de vendas, com Jane Birkin, em “Je t’aime, moi non plus”, o disco proibido que todos os adolescentes queriam ouvir. Escreveu canções para Bardot, Gréco, Petula Clark e para a “poupée de cire” France Gall. Contracenou com Joe Dalessandro, um dos “queridos” de Andy Warhol, e poucos anos antes de morrer dirigiu a filha Charlotte, em “Charlotte for ever”, num filme sobre o incesto. Fez da sua vida um escândalo constante e dizia “não pertencer a este mundo”, ele, um “poeta assassinado pela sociedade de consumo” que detestava a lucidez. Por isso Boris Vian gostava dele. A cabeça de couve era por ter as orelhas muito separadas. Serge Gainsbourg foi tudo menos um vegetal.

Doc Pomus & Mort Shuman
29Março (66)/ 2 de Novembro (52)

Formaram durante anos uma parelha inseparável de autores de rhythm’n’blues. Nem a morte conseguiu separar a dupla rival de Leiber & Stoller, com os quais aliás por diversas vezes chegaram a colaborar. Morreram no mesmo ano, ambos vítimas de cancro. São da sua autoria clássicos como “Save the last dance for me” (interpretada pelos Drifters), “Sweets for my sweet” (The Searchers) e “His latest flame” (Elvis Presley). A morte de Pomus motivou Lou Reed, de quem era amigo, para a gravação do recente “Magic and loss”. Quanto a Shuman nem o apelido conseguiu evitar que escrevesse as canções “cor-de-rosa” sopeira que o celebrizavam.

Martin Hannett
18 de Abril (42)

Produtor dos Joy Division, Durutti Column e Cabaret Voltaire. Um dos homens fortes da Factory. Ajudou a criar o som e o estilo depressivos da escola de Manchester e a moda das olheiras e gabardinas negras. Antigo estudante de Química, talvez por isso passou a vida a experimentar os efeitos das mais variadas substâncias alucinogéneas, experiências que não terão servido para aumentar os seus conhecimentos de farmacologia, mas que transformaram a sua vida num inferno. Nunca se libertou do complexo de culpa motivado pela morte, por enforcamento de Ian Curtis, ao qual ficou para sempre ligado desde o trágico “Closer”. Morreu de um ataque cardíaco, durante o sono.

Steve Marriott
20 de Abril (44)

Diz-se que o tabaco pode ser prejudicial à saúde e é verdade. Um cigarro bastou para provocar a morte do antigo vocalista e guitarrista da banda “mod” dos anos 60 Small Faces e, anos mais tarde, dos Humble Pie. Um simples cigarro que incendiou a “cottage” do séc. XVI onde vivia, retirado e de forma pacata, com a esposa. Alguém ainda se lembra de “Tin soldier” e “Lazy Sunday”? Eram os tempos da “Swingin London”, psicadélico e vibrante.

Johnny Thunders
23 de Abril (38)

A morte clássica: “overdose” – provocada pela mistura de cocaína e metadona. O cenário da morte, também clássico: um quarto de hotel, perdido na noite de Nova Orleães. E os rumores, como já acontecera com Jim Morrison, de que teria morrido assassinado ou de ataque cardíaco. Foi dos que levou a imagem mítica do “rock & roll hero” até ao fim. Antes de formar a sua própria banda, Heartbreakers, fez parte das “bonecas” New York Dolls, uma mistura de rock, “punk”, “thrash” e “glamour” que Malcolm McLaren apadrinhou e dos quais viria a nascer o conceito e a bomba Sex Pistols.

Gene Clarck
24 de Maio (49)

Era considerado o compositor mais interessante dos Byrds, inventores, nos anos 60, da country espacial. Os R.E.M., como toda a gente sabe, devem-lhes muito, em particular aquela maneira especial de tocar guitarra, capaz de fazer subir cada um “8 miles high”.

Vince Taylor
27 de Agosto

“Rocker” francês, alucinado e decadente. Viveu no excesso e do excesso, entre a companhia do álcool, os medalhões foleiros, periódicas crises de misticismo e a paranóia. Quis ser uma grande estrela do rock’n’roll. Em França é difícil. Chamaram-lhe o “Satã do Rock”. Costumavam encontrá-lo morto de bêbedo, em caixotes do lixo. “Le rock c’est ça” – cantava. Morreu na Suíça, o país mais limpo do mundo.

Rob Tyner
17 de Setembro (46)

Mais um ataque de coração. O coração dos “rockers” parece ser fraco e, portanto, convém não abusar. Tyner, como tantos outros, não ligou aos conselhos de Fernando Pádua – de levar uma vida regrada – e isso foi-lhe fatal. Embora neste caso a autópsia não revelasse vestígios no organismo das substâncias do costume. Rob Tyner integrou, no início dos anos 70, os MC (Motor City 5), banda de Detroit, precursora do heavy que aliava a linguagem revolucionária à brutalidade sonora, que, em álbuns como “Kick out the Jams” ou “Back in the USA”, provocaram, à época, na América, algyma confusão.

Bill Graham
25 de Outubro (60)

Lendário promotor de concertos. Morreu de uma queda de helicóptero provocada pelo embate com um cabo de electricidade, quando regressava da Califórnia, onde assistira a um espectáculo de Huey Lewis. Promoveu, ao longo dos anos 60 e 70, concertos dos Grateful Dead, Doors, Jefferson Airplane, Jimi Hendrix, Rolling Stones, The Who e Bob Dylan. Criou em São Francisco o célebre Fillmore West e, pouco tempo depois, o Fillmore East, em Manhattan, ambos encerrados em 1971. J+a na década seguinte esteve ligado à organização do Live Aid em Filadélfia e a alguns megaconcertos de apoio à Amnistia Internacional, realizados nos Estados Unidos. Devia ser boa pessoa.

Freddy Mercury
24 de Novembro (45)

Só na véspera da morte o vocalista dos Queen reconheceu publicamente sofrer de sida. Vinte e quatro horas depois, numa noite de domingo, a “rainha” morria como uma sombra de si própria, de uma bronco-pneumonia. Aquela “crazy little thing called love” foi-lhe fatal. A “rapsódia da boémia” – uma vez organizou uma festa com bailarinas nuas, dançando em recipientes cheios de bocado de fígado, e cocaína servida em bandejas de prata, debaixo de fogo-de-artifício – chegava ao fim. Freddie tinha sentido de humor: gostava dos irmãos Marx (dois dos álbuns dos Queen têm por títulos “A Night at the Opera” e “A Day at the Races”) e convidou a “primadonna” Monserrat Caballé para cantarem juntos. Disse um dia que os Queen haviam de ser os Cecil B. de Mille do rock. No último teledisco fazia de louco.