Kevin Ayers – “Still Life With Guitar”

Pop Rock

25 MARÇO 1992

SOL, CHAMPANHE E BLUES

KEVIN AYERS
Still Life with Guitar

LP/CD, Fnac Music, distri. Variodisc

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Depois de debilidades como “As Close as You Think” (1986) e “Falling Up” (1988), e a par de uma reconhecida tendência para deixar andar as coisas, é de todo inesperado este regresso em força de Kevin Ayers. “Still Life with Guitar” é “só” o melhor álbum de ex-Soft Machine da sua fase, digamos, “normal”, que inclui todos os discos posteriores à esquizofrenia genial de “Joy of a Toy” e “Shooting at the Moon” e o parênteses da sequência que ocupa todo o primeiro lado de “The Confessions of Dr. Dream”, com Nico e Brian Eno – fase de que fazem parte, portanto, os imprescindíveis “Whatevershebringswesing” e “Bananamour”.
É como se Kevin Ayers acordasse da longa letargia que o levou a estiolar ao sol e no lazer da Cote d’Azur e do Sul de Espanha, onde durante os últimos anos foi deixando secar a inspiração, para finalmente se lançar em busca do tempo perdido.
Diga-se desde já que o conseguiu. “Still Life with Guitar” tem todas as características da fase dourada: a excentricidade elegante, uma maneira de contar histórias capaz de transformar a frase mais vulgar numa peça de um “puzzle” montado por um internado do Rilhafoles, os balanços rítmicos empurrados pelo álcool e, sobretudo, a inconfundível voz de barítono, mais “blasée” e profunda do que nunca. Num total de dez temas que compõem “Still Life with Guitar”, pela menos metade vai direita á galeria dos clássicos do autor: “Something in between”, “Thank You Very Much”, “Fhost Train”, “I don’t depend on you” e “M 16”. Os outros cinco estão em fila de espera. Desde a abertura – que, nas primeiras notas, remete para Lou Reed – de “Feeling this way” ao tradicional que encerra o disco “Irene good night”, escreve-se, à luz branca da Lua (a luz que enlouquece no “Lunatic’s lament” de “Shooting at the Moon”), um compêndio de canções fora de moda, fora do tempo, mas mesmo a tempo de nos desintoxicar do verniz tóxico com a maioria da actual produção pop nos envenena.
Não falta nenhum capítulo: a balada estelar e pianística de “Something in between”, o regresso ao café surrealista de “May I”, com mesa reservada em “Thank you very much”. Novos uivares à Lua em “Ghost train”, depois do comboio-fantasma não ter parado ao sinal de “Stop this Train” (do álbum “Joy of a Toy”, a rádio sintonizada nos “blues” etilizados pelos vapores de um vibrafone em “I don’t depend on you” (os conhecedores saberão reconhecer e apreciar, neste e noutros temas, a construção de frases e as rimas típicas do compositor), as ondulações vocais do “crooner” à beira do naufrágio em “M 16”. Mas há mais: as aventuras de Johnny, o mentecapto romântico, ao ritmo “zydeco” de um acordeão rural em “There goes Johnny”, o retorno do “cowboy que gosta de champanhe” em “When your parents go to sleep”, sem esquecer o diálogo instrumental “cool” entre a guitarra de Ollie Halsall (há muito companheiro habitual de Ayers), o contrabaixo de Danny Thompson e a bateria de Roy Dadds ou a personificação de Georges Moustaki em jeito de “country blues” no tradicional “Irene good night”. Uma referência especial a dois dos convidados: Mike Oldfield, num regresso em força desde os bons velhos tempos em que integrava a Whole World, de “Shooting at the Moon”, e Anthony Moore – ex-Slapp Happy, eventual desestabilizador nos Henry Cow e autor de uma das obras-primas mais menosprezadas de sempre da música popular, “Flying doesn’t Help”. A surpresa do ano. (9)

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