Arquivo mensal: Fevereiro 2015

Kate Bush – “The Sensual World” [vídeo]

Pop Rock

10 ABRIL 1991

KATE BUSH
The Sensual World

PMI, Emi-VC, 36 min.

kb

Ao contrário do que o título faz supor, não se trata de imagens alusivas ao mais recente álbum da cantora, mas de uma entrevista em que esta fala de si própria e dos seus métodos de trabalho – ficamos a saber, por exemplo, que Alfred Hitchcock é a maior das suas fontes de inspiração ou que utiliza a seu bel-prazer as energias masculina e feminina –, intercalada de excertos de “clips” sortidos, como “Running up that Hill”, “Cloudbursting”, “Big Sky”, “This Woman’s Work” (canção de “Sensual World” apenas incluída no CD) ou o próprio título que dá nome ao álbum, entre outros.
De beleza falsamente ingénua, abrasiva e pose dançarina de “The Kick Inside” (Verão escaldante, logo que a vemos cantar e dançar em “Wuthering Heights” ou no espectáculo ao vivo de 1979, no Hammersmith Odeon) até à actual maturidade, vai a distância que separa a mulher de voz e expressão exóticas – e eróticas – da artista completa. Faz uma certa impressão vê-la ao natural, mais velha e sem maquilhagem. Às vezes é preferível desconhecer o rosto verdadeiro, escondido por detrás dos nossos sonhos. Em termos musicais, Kate Bush não tem parado de progredir, afirmando-se, de álbum para álbum, como uma das mais interessantes compositoras e vocalistas da actual cena britânica. “The Dreaming” e “Hounds of Love” revelaram-na apostada em seguir as vias difíceis do experimentalismo. “The Sensual World” acrescenta novos mundos ao seu universo temático-musical. Que misteriosas estradas vão desde a alma até à flor da pele? Por que gestos e sons se abrem as portas do prazer? No “clip” de “The Sensual World” é princesa e depois apenas mulher, caminhando contra o tempo numa floresta de fábula. Folhas, neve, fogo, texturas de cor e estrelas. Rosácea de segredos. Império dos sentidos. ***

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Garth Brooks – “No Fences”

Pop Rock

13 MARÇO 1991
LP’S

COWBOY SEM FRONTEIRAS

GARTH BROOKS
No Fences

LP / MC / CD, Capitol, distri. Emi-VC

gb

“Vende 220 mil discos por semana, nos Estados Unidos” – deve ser bom, com certeza. “Já é dupla platina, por vendas superiores a dois milhões de exemplares” – deve ser muito bom! “Primeiro lugar durante um mês consecutivo no top de álbuns ‘country’ da ‘Billboard’” – superdisco! No ano passado, “venceu dois prémios da Associação de Música Country” – ultradisco!! “Nomeado para sete prémios da Academia de Música Country – hiper, hiper! Uau!!! –, entre os quais ‘artista do ano’ – ooohhh! –, ‘cantor do ano’ – não é possível! –, ‘single do ano’ – desmaios – e ‘álbum do ano’ – não há palavras!
Vergado ao peso de tanto ouro e honrarias, o crítico colocou o disco no prato, com a reverência que aos deuses é devida e o nervosismo inevitável de quem se reconhece mero humano, lama que Garth Brooks deve pisar com botins de espora de ouro, cravejados de diamantes. Enfim…
O disco não é mau. Mas olha-se para todos os lados e não se vê razões para embandeirar (tão) em arco. Na “Q”, por exemplo, dá-se-lhe cinco estrelas, com base na menção dos prémios intermináveis e no argumento (entre outros) de Garth Brooks possuir o “maior chapéu de ‘cowboy’ de Nashville”. Pela fotografia da capa, ninguém diria… Na “Vox” (classif. Oito em dez), a mesma coisa – os prémios, o sucesso, a voz agradável, blá blá blá. Garth Brooks ostenta um indisfarçável ar “clean”, bem barbeado, olhar puro e decidido, que lhe dá a imagem perfeita do “americano médio ideal, branco caucasiano, defensor das boas causas e dos não menos bons lucros. A América, na altura do lançamento, em vésperas de partir para a guerra, viu-se retratada na música e nas virtudes de um “cowboy” (como Reagan, como Bush), de pistola e baladas em punho, preparado para salvar a “honra da nação”. Sabe-se como os americanos se perdem de amores por aquela que consideram ser, mais que o jazz – coisa de negros – a “sua” música. São assim os americanos, trocam de bom grado a “grande música negra”, nascida nas entranhas de New Orleans, por uma importação adaptada das ressacas alcoólicas de irlandeses amigos de dançar e trabalhar.
“No Fences” agrada e funciona na medida em que sabe vestir os valores mais conservadores do género, com uma produção perfeita, que faz da clareza e rigor extremos a sua maior arma. Tudo é nítido e evidente, desde a limpidez das baladas (“If Tomorrow never Comes”, “The Dance”, “Friends in Low Places”) ao rigor rítmico e ao balanço dos temas mais acelerados. Os instrumentistas sabem o que fazem e fazem-no bem. Rob Hajacos corta a golpes de violino a respiração e os corações em “The Dance”. As guitarras fulgem em “Wild Horses”. Canções que correm como as águas de um rio imune às tempestades. Garth Brooks transporta consigo os sonhos de uma nação inteira, montada a cavalo na ilusão de que o futuro fica na direcção do pôr do Sol. Como Lucky Luke, Garth Brooks não pode falhar – “poor lonesome cowboy”.
Para sempre. ***



Tuxedomoon – “The Ghost Sonata”

Pop Rock

6 MARÇO 1991
LP’S

TUXEDOMOON
The Ghost Sonata

LP / CD, Les Temps Modernes, distri. Contraverso

tuxedomoon

“The Ghost Sonata” toma como ponto de partida a encenação de uma produção vídeo originalmente escrita pela dupla Winston Tong/Bruce Geduldig, antigos membros dos Tuxedomoon. Subintitulada “uma ópera sem palavras”, a obra, reescrita pelo actual trio Steven Brown/Blaine L. Reininger/Peter Principle, assume-se como um trabalho conceptual inserido numa vertente classicista. Encomendada pela organização Inteatro, de Polverigi, a actual produção “The Ghost Sonata” passou por várias fases até atingir a forma definitiva, dividida em duas secções. Cinco temas constituem uma “suite” distinta (incluindo “Music 32” composta para o EP de 82 “Time to Lose”, “Ghost sonata” escrita na época de “Desire”, mais três temas resultantes de improvisações efectuadas durante a gravação de “Divine”, coreografia de Maurice Bejart inspirada em Greta Garbo). “An affair at the soirée”, “Les Odalisques” e “Unsigned postcard” são peças electrónicas centradas na utilização de técnicas de música concreta e gravações de sons ambientais, aqueles onde se pode ler a assinatura de Peter Principle, o mais experimentalista dos Tuxedomoon. “The Ghost Sonata” (título retirado de uma peça de Strindberg) gira em torna da morte, de diversas maneiras de morrer provocadas por suicídio. Suicídio que cada um dos músicos encena como seu: por afogamento, excesso de bebida (Blaine Reininger), enforcamento (Steven Brown), envenenamento (Peter Principle), magia negra, hemorragia (Winston Tong). Na sequência de uma obra sem pontos fracos, esta “sonata fantasmagórica” demonstra até que ponto os Tuxedomoon são hoje dos grupos mais importantes da cena alternativa situada na convergência do rock com a música erudita. ****