Arquivo mensal: Abril 2009

Bonzo Dog Doo Dah Band – Gorilla (conj.)

03.03.2000
Reedições
Gargalhadas de Gorila no Verão do Amor
Para os arqueólogos da pop mais empenhados na descoberta de pérolas esquecidas, eis alguns exemplares interessantes desenterrados dos anos 60.

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Vivian Stanshall (já falecido, foi, com o outro grande Bonzo, Neil Innes, ocasional colaborador musical em “sketches” dos Monthy Phyton, onde, entre outros temas, interpretaram o clássico “I’m the urban spaceman”) era o “compère” inspirado dos Bonzo Dog Doo Dah Band, uma das genuínas bandas humorísticas dos anos 60, juntamente com os Liverpool Scene (mais politizados) e os próprios Monthy Phyton. Começaram por chamar-se Bonzo Dog Dada Band, mas viram-se forçados a mudar o nome devido ao tempo que perdiam a explicar às pessoas o significado de “dada” e podem ser vistos no filme “Magical Mystery Tour” dos Beatles. No álbum de estreia do grupo (1967), “Gorilla”, dedicado a Kink Kong, Viv gasta a totalidade de “The intro and the outro” numa apresentação exaustiva e hilariante dos nove elementos da banda. Seria convidado por Mike Oldfield para repetir a graça, na célebre sequência de apresentação dos instrumentos de “Tubular Bells”. Sátira, por vezes desbragada, a vários estilos de música, da pop psicadélica ao jazz (“Jazz”, delicious hot, disgusting cold”, assim mesmo, sem advérbios), “Gorilla” termina com uma versão demencial de “Sound of music”, em golpes de desafinação e boçalidade capazes de fazerem Julie Andrews fugir pelos Alpes abaixo. Edição remasterizada (BGO, distri. Megamúsica, 8/10).

Pouco conhecidos, os Clouds eram um trio escocês que nos dois únicos álbuns que gravaram, “Scrapbook”, de 1969, e “Watercolour Days”, de 1971, conciliaram, com resultados entre o delicioso (algumas canções do primeiro e o fastidioso (os solos instrumentais pouco imaginativos do segundo), a pop orquestral, reminiscências do “rhythm ‘n’ blues” progressivo, uma curiosa patine de velhas canções da Broadway e elementos do rock progressivo. O que faltava em unidade de estilo aos Clouds era compensado por fulgurantes instantes de inspiração, em canções pouco menos que perfeitas, como “The colours have run”, “Ladies and gentlemen” e a bizarra e orquestral “Waiter, there’s something in my soup”, suite teatral/psicadélica na linha dos Nirvana de “The Story of Simon Simopath”. Edição “dois álbuns num CD” remasterizada (BGO, distri. Megamúsica, 7/10).

Arthur Brown, o cantor que ficou célebre por actuar ao vivo com uma coroa de chamas na cabeça, entrou para os arquivos da pop através da demoníaca interpretação de “Fire” (um “hit” em Inglaterra, em 1968). The Crazy World of Arthur Brown foi, em 1967, o primeiro veículo para a sua excentricidade, num álbum homónimo que incutia ambiências demoníacas no rhythm ‘n’ blues e num jazz de tendências progressivas que viria a atingir a plenitude do grupo que Brown formaria a seguir, os Kingdom Come (réplica em registo de “bad trip” ao planar de haxixe dos Gong). Arthur Brown era um Zappa alucinado, um louco na acepção mais libertina do termo e um “showman” capaz dos maiores excessos. “The Crazy World of Arthur Brown” provoca alguma confusão, nas constantes mudanças de humor e de registo musical. Para além de “Fire” (aqui incluído), “Time/Confusion” (do “crooning” terno às profundezas do inferno) e “Prelude/Nightmare” são dois bons exemplos de como é possível tirar partido da própria paranóia. (Polydor, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10).

Elevado ao estatuto de banda de culto, os The Creation, formados na sequência dos The Mark Four, representavam, ainda em 1967 (mas houve alguma coisa que não se fizesse neste ano?), o melhor do que restara do movimento “mod”, mas já inevitavelmente mesclado com as fantasias do psicadelismo. “Making Time”, destinado aos apreciadores dos primeiros Kinks (dos quais o baixista dos Mark Four, John Dalton, chegou a fazer parte) ou dos Small Faces, junta, em versões mono e estéreo, temas do único álbum de originais da banda, “We Are Paintermen”, com alguns dos singles editados pelo grupo entre 1966 e 1968, entre os quais “Making Time”, que chegou a figurar nos tops ingleses. O som dos The Creation destacava-se pelas vocalizações poderosas de Kenny Pickett e pela guitarra saturada de fuzz e distorção de Eddie Phillips. Antes de se extinguirem, os The Creation ainda tiveram como guitarrista um tal Ronnie Wood… (Retroactive, import. FNAC, 7/10).

Violentos, bastante violentos, eram os High Tide, um quarteto liderado pela guitarra abrasiva de Tony Hill e pelo violino electrificado de Simon House, músico que mais tarde se destacaria nos Hawkwind, como acompanhante de David Bowie e nos Third Ear Band (na banda sonora de “MacBeth”, de Roman Polanski). “Sea Shanties” (1969), álbum de estreia do grupo, é um magma massacrante de hard rock ou uma viagem de ácido marado, consoante a predisposição do ouvinte. Para os fanáticos da guitarra eléctrica em estado de combustão permanente é um opíparo convite à surdez. Uma canção, “Pushed, but not forgotten”, destaca-se pelo tipo de vocalização “fora do lugar” dos Egg. Pena o som não ser o melhor (Repertorie, distri. Megamúsica, 6/10).

“S. F. Sorrow” (1968), dos Pretty Things, é considerado um dos primeiros álbuns conceptuais da pop inglesa que, inclusive, terá servido como modelo de inspiração a Pete Townshend, dos The Who, para escrever a ópera-rock “Tommy”. Provenientes da cena do rhythm ‘n’ blues britânico 8cadinho do qual nasceram inúmeras bandas progressivas, com destaque para os Jethro Tull), os Pretty Things evoluíram neste seu quarto álbum para uma pop requintada construída a partir de canções com arranjos complexos e sofisticados efeitos de estúdio que tanto evocam os Beatles, de “Revolver” (“She Says Good Morning” passaria perfeitamente, para os mais desatentos, por uma composição de Lennon-McCartney, até as vozes são iguais…), como antecipam em mais de dez anos a sonoplastia dramática dos Pink Floyd, em “The Wall”. E se “Private Sorrow”, por seu lado, recorda os Jethro Tull, o conjunto total das canções é suficientemente variado e inspirado para justificar a inclusão de “S. F. Sorrow” no grupo dos álbuns injustamente menosprezados dos anos 60. Versão remasterizada (Snapper Music, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8/10).

PPz30 – Beautifuel

17.03.2000
PPz30
Beautifuel (7/10)
Carbon 7, distri. Sabotage

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À medida que se vai desdobrando a capa de “Beautiful” uma chama pequena transforma-se numa gigantesca labareda. Este combustível da beleza que até se pode confundir com um “beautiful” dito com sotaque portista, é destilado pelos PPz30, banda composta por um norte-americano, um israelita e três belgas cuja música soa como o desenvolvimento de uma parcela arrancada aos Mr. Bungle. Rock hardcore em constante ebulição, atravessado pelo humor de Frank Zappa, com um vocalista – Bruce Ellison – que hesita entre o mutacionismo dos Devo e o susto dos Residents, e um salto para fora para brincar ao reggae (“You’ll go blind”). Quase sempre em alta velocidade e a cada momento salpicado de surpresas e derivações aparentemente absurdas, à maneira dos Mr. Bungle. Houve já quem definisse esta música como um “híbrido resultante da conversão de Donald Duck ao heavy metal”, quem se lembrasse dos Queensryche e quem citasse como influências, além da óbvia que é Zappa, Sly & The Family Stone, Steel Pulse, Living Colour e os Lounge Lizards, estes últimos provavelmente devido às intervenções jazzísticas, na trompete, do ex-Tuxedo Moon, Luc Van Lieshout. Claro que nada disto, como nos Mr. Bungle, é para levar muito a sério. Quando os PPz30 iniciam o álbum com uma voz histérica a gritar “ants!” (“formigas”), lembramo-nos do “Albatross!” dos Monty Python. Da mesma forma, convirá não tomar como verdade científica o tema final, com letra absolutamente delirante, em que o grupo adapta a teoria do “big bang”, sobre a criação do Universo, à génese do saco de compras, em “The big bag theory”.

Bernard Parmegiani – Pop’Eclectic (conj.)

17.03.2000
Reedições
Visões de Mescalina

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Bernard Parmegiani é um dos mais importantes compositores de música electro-acústica franceses, da geração de nomes que se acolheu sob a égide do GRM (Groupe de Receherches Musicales) criado em 1958 por Pierre Schaeffer, como François Bayle, Michel Chion e Michel Redolfi. “Pop’Eclectic” é uma colagem de gravações de linguagens musicais díspares, como a pop, o jazz ou a ópera, integradas por Parmegiani em vinhetas de largo espectro sonoro e ideológico, aumentadas e alteradas através de processamentos electrónicos. Dois destes quatro temas, gravados entre 1966 e 1973, contam com a participação de Michel Portal e Bernard Vitet, um dos actuais elementos dos Un Drame Musical Instantané. Anos antes dos Residents, em “The Third Reich ‘n’ Roll”, e dos Nurse With Wound, em “The Sylvie and Babs High-Tigh Companion”, criarem os seus próprios Frankensteins, Bernard Parmegianni fazia esta declaração definitiva sobre a música enquanto fenómeno de autofagia, alterando e devorando contextos para, a partir de órgãos soltos, criar novos organismos autónomos. “Pop’Eclectic” é uma destas criaturas, que, passados 30 anos, mantém intactas todas as suas funções. Depois das recuperações recentes de Oskar Sala, Tom Recchion e Arne Nordheim, a presente reedição vem uma vez mais alertar para a importância e o pioneirismo de compositores como Bernard Parmegiani em correntes estéticas como o krautrock, o pós-rock ou a electrónica francesa dos anos 70. (Plate Lunch, distri. Matéria Prima, 9/10)

Os Procol Harum tiveram no final dos anos 60 o seu momento de glória, inundando os tops britânicos com o romantismo protogótico de “A whiter shade of pale” e “A Salty Dog”, repetindo o êxito, em larga escala, na década seguinte, com o álbum “Grand Hotel”. “Shine on Brightly” (na foto) e “A Salty Dog” respectivamente segundo e terceiro álbum da sua discografia, ambos lançados em 1968 e agora reeditados em luxuosos digipaks, são representativos da melhor fase do grupo, numa época em que a combinação entre a música de Gary Brooker (o organista que parecia tocar como se estivesse numa missa…) e os textos de Keith Reid deu origem a grandes canções. “Shine on Brightly” é o álbum mais experimental e progressivo dos Procol Harum. As canções espalham-se em várias direcções e, em comparação com o álbum de estreia, “Procol Harum”, tiram maior partido das possibilidades oferecidas pelo estúdio, mantendo-se o dramatismo das vocalizações e o ecletismo. O estilo clássico aflora em “Rambling on” e “Magdalene (my regal zanophone)”, uma das canções mais belas e tristes de “Shine on Brightly”. Mas é o longo tema (mais de 17 minutos) “In held twas in I” que volta o velho mundo dos Procol Harum de pernas para o ar. Um tema progressivo/psicadélico (o verde da capa poderia ser a cor das alucinações de mescalina…) que junta declamações ao estilo dos Moody Blues, ambientes clássicos tocados numa veia soturna, partes instrumentais incongruentes, divagações religiosas, libações de cabaré, sons de trovoada, sinos e sirenes (muitos anos antes de os Pink Floyd fazerem descer helicópteros nos discos…), e bocados de canções que escorriam do cavalo que Lucy cavalgava no céu com diamantes.
“A Salty Dog” impõe o estilo classizante de tons sombrios que caracterizaria daí para a frente a música do grupo. Além do já citado título-tema (que chegou a servir de matéria para uma tese de doutoramento que nele encontra 17 significados diferentes…) encontram-se neste álbum um punhado de excelentes canções, como “The milk of human kindness” (a fazer lembrar os Gracious, aliás como algumas sequências de “In held twas in I”), “Too much between us”, “The devil come from Kansas” e “All this and more”, num álbum onde os blues ainda estavam presentes mas em que o grupo usava pela primeira vez uma orquestra, opção que viria a ser explorada a fundo no álbum ao vivo de 1973, “Live in Edmonton”. (Repertoire, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8/10 e 7/10).

Os The Move foram uma notável e, por vezes, bizarra banda pop dos anos 60, criadores de clássicos como “Flowers in the rain”, “Blackberry way” e “Brontossaurus”. Roy Wood era o seu hirsuto mentor, a ele se devendo a incorporação de instrumentos como o clarinete, o oboé e o fagote no meio de uma inofensiva canção pop. Quando os Move evoluíram para os Electric Light Orchestra (ELO) e, a seguir, formou os Wizzard, já Roy Wood arrastava atrás de si uma quantidade inacreditável de outros instrumentos. “Message from the Country” foi gravod em 1072, por imposição da editora, numa altura em que já todos pensavam nos ELO. Apesar de não ter a frescura dos dois primeiros álbuns, “The Move” e “Shazam”, “Message from the Country” contém alguns momentos especiais como “No Time” (ao nível e na mesma linha da pop insinuante dos The Kinks), “It wasn’t my idea to dance” (neste caso as semelhanças são com os Sparks), “The Minister” (com um solo de oboé arabizante) e “The words of Aaron” (o tema mais próximo dos clássicos “Flowers in the rain” e “Blackberry way”), acentuando-se a faceta camaleónica do grupo em paródias aos estilos vocais de Elvis presley (“Don’t mess me up”) e Johnny Cash (“Bem crawley steel company”). Para os ELO, estava reservado o caminho dos milhões. (BGO, distri. Megamúsica, 7/10).

Michael McGear não era nenhum camaleão nem um imitador, mas simplesmente o irmão mais novo de Paul McCartney. Fez parte de duas bandas para levar a brincar, os Scaffold (de “Lily the pink”, um “hit” absurdo de 1969) e os Grimms, e gravou a solo dois álbuns, “Woman” (1972) e “mcGear” (1974). Há quem diga que não ficava atrás do irmão em matéria de talento. “Woman” dá razão aos que pensam assim. McGear aliava ao talento de melodista do irmão o gosto pela excentricidade, o que, em “Woman”, resulta num leque de canções que seria de toda a justiça retirar do anonimato. Onze canções que são outras tantas pérolas de delicadeza, humor e sensibilidade, numa espécie de apêndice do “álbum branco” dos Beatles que também pode ser definido como um parente rock de outro ilustre McCartniano, Gerry Rafferty. Entre os músicos participantes em “Woman”, encontram-se Zoot Money, Gerry Conway (Fairport Convention, Fotheringay) e Brian Auger. (Edsel, import. Virgin, 7/10).