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Rolling Stones – “Os Rolling Stones Tocaram Em Alvalade Para Cerca De 60 Mil Pessoas – O Império Da Ilusão” (concertos)

PÚBLICO TERÇA-FEIRA, 12 JUNHO 1990 >> Cultura


Os Rolling Stones tocaram em Alvalade para cerca de 60 mil pessoas

O império da ilusão


Os Rolling Stones tocaram em Alvalade para cerca de 60.000 pessoas, cada uma vivendo à sua maneira a recriação fantasmática do mito que já foi outrora banda em carne e osso. Tudo se tornou supérfluo menos o poder finalmente dizer: “Eu vi os Rolling Stones.”



Mas será que vimos realmente? Creio bem que sonhámos. Sobre um palco construído numa escala que de humana nada tinha, cinco figurinhas minúsculas movimentavam-se de um lado para o outro enquadradas por outras tantas que nem cara tinham. Era a perspetiva possível cá de trás. Mas ninguém parecia importar-se. Do ministro ao “freak” cambaleante vinham todos em busca de uma miragem. Cada um viu o que quis. Os Stones são hoje em dia uma imensa máquina gerindo na perfeição os fantasmas, ilusões e, porque não dizê-lo, as frustrações de pelo menos duas gerações. Diferentes para cada caso mas mediaticamente normalizados. Neste aspeto, o concerto português foi um acontecimento único. Sociologicamente falando, que a música era afinal o que menos importava. Uma terceira perspetiva incide no aspeto técnico do espetáculo. E aqui o único adjetivo possível é – “prodigioso”. Vamos então por partes.

Técnica

Perfeita. Ninguém se pode queixar. Do princípio ao fim assistimos a uma sucessão de prodígios visuais sincronizados ao décimo de segundo por computador. Durante mais de duas horas nada se repetiu, tudo se transformou, juntando à ilusão central que é a própria banda, as alucinações elétricas metodicamente fabricadas de molde a induzir ao transe e à total recetividade da mensagem os muitos milhares de pagantes que vieram para ver sobretudo a materialização dos seus próprios sonhos. A imensa máquina cumpriu integralmente essa função. A descomunal estrutura em forma de navio foi o suporte feérico onde se desenrolaram mil e uma histórias de cor e luz. À iluminação do palco propriamente dito sobrepunha-se a presença avassaladora do gigante exterior. Em termos luminotécnicos assinalem-se dois momentos inesquecíveis: a criação de um inferno pulsantemente vermelho em “Sympathy For The Devil”; e a demencial cadência alucinatória de “Jumpin’ Jack Flash”. Oportunidade também de brilhar também para os (outros) bonecos, insufláveis. Duas matronas sensuais tornadas quase lúbricas pelos movimentos que o vento, malandro, lhes imprimia e ridículas pelo pormenor oportunista (mas há algo de não-oportunista nisto tudo?) de a pôr a dar toques em bolas de futebol (“Honky Tonk Women”) e umas feras de mandíbulas aguçadas, umas das quais chegou mesmo a devorar o cantor (“Street Fighting Man”). Ambos os truques resultaram divertidos. Os Rolling Stones reduzidos a figurantes de fancaria numa imensa tenda de milagres. O público adorou. Técnica ainda de manipulação de massas. “Terminada” a atuação, os músicos retiram-se sabendo de antemão que a assistência vai querer mais. Regressam com “(I Can’t Get No) Satisfaction”. Genial. As explosões e fogo-de-artifício finais atuando servem de escape de libertação para as últimas energias de um público embasbacado e artificialmente satisfeito.

Música

Houve quem lhe prestasse atenção. Sobretudo os mais velhos, atentos e tensos sempre à espera de apanhar os músicos em falso, nas notas ou na traição à ideologia. Desistiram logo de início. Desde há muito que os Stones são traidores declarados. O que os cinco músicos (mais os metais, os samplers, o coro) fazem é aviar uma receita, de ingredientes sabiamente misturados, que sirva ao mesmo tempo de panaceia para a nostalgia mal curada dos quarentões hippies travestidos de yuppies e para a agressividade “seven-Up” dos putos ainda não nascidos no tempo em que Mick Jagger e os restantes Stones faziam a vida negra ao “establishment”. Curiosamente foram as canções de temática digamos mais dura, como “Sympathy For The Devil” ou “Brown Sugar” que mais entusiasmaram a camada “straight” do público que nelas projetou as suas impossíveis ânsias de transgressão. Quanto aos putos vibraram com tudo. “Ruby Tuesday” ou temas do recente “Steel Wheels” são tudo a mesma coisa, desde que dê, como deu, para curtir. Matam-se dois coelhos de uma só cajadada. Recauchuta-se o passado, embrulha-se nos discos novos, pinta-se o objeto com cores psicadélicas (“Paint It Black” – não – que é muito depressivo), ata-se com fitas “funky” e o presente está pronto, não para oferecer, que a vida não está para brincadeiras, mas para vender, que os Stones não andam cá para outra coisa. Ao todo foram mais de vinte temas tocados sem interrupção, correspondendo às várias fases da banda e que serviram indiscriminadamente de pretexto para os mais novos dançarem, pularem ou simplesmente tombarem na alcatifa do estádio, por força da energia destilada por Jagger sobre o palco (ele até correu mais de setenta metros de ponta a ponta do estrado) ou talvez (quem sabe?) devido à ingestão de, em média, cinco litros de cerveja por cabeça num curto espaço de tempo. Em suma, os Stones são outros. Como é que a música poderia permanecer a mesma? Os puristas, os saudosos, os ingénuos, os de Maio de 68, que foram aos milhares a Alvalade em busca do passado, saíram desiludidos, perdidos num mundo que se esqueceu ser afinal ainda o seu. Ou então mergulharam de cabeça na ilusão a até acenderam o isqueiro, como se fosse possível ignorar que o tempo passa e os “seus” Stones já não existem. Mas isso é já um tema de…

…Sociologia

Neste aspeto o espetáculo dos Rolling Stones em Portugal fez as delícias do observador descomprometido. Delicioso, realmente, observar famílias inteiras adiando durante duas horas o irresolúvel e tradicional conflito de gerações. Pais e filhos enganados por uma impossível média entre os dois extremos de três décadas em que os Rolling Stones funcionaram como catalizadores, reais ou “clonados” pelos “media”, de atitudes, culturas e modas em constante e acelerada mutação. Por outro lado, a banda funciona também no registo oposto, isto é, ao atravessar, mais ou menos incólume, esses 30 anos de História, simboliza a permanência no centro da voragem, a segurança no meio da vertigem do final de século. Emblemas de rebeldia e inconformismo, nos primórdios, os Stones são atualmente depositários de valores, se não conservadores, pelo menos conotados com uma época irrepetível. A transgressão e a hipocrisia bem comportada funcionam simultaneamente e na mesma canção. Durante a prestação de “Brown Sugar” os putos veem nela a apologia da heroína ou então julgam que, por serem hoje vegetarianos, Mick Jagger e Keith Richards defendem as virtudes do consumo de açúcar amarelo. Keith Richards, “junkie” arrependido, começa por estar solitariamente arredado num dos extremos do palco. Mick corre ao seu encontro e trá-lo de volta para o convívio das mentes sãs em corpo são, vestindo a pele do salvador. Para uns isto é espetáculo. Para outros é confrangedor assistir ao patético de uma banda que faz da mentira o motor da sua sobrevivência.
Apagadas as luzes, a última imagem fixada na retina é a dos cinco Rolling Stones, abraçados e iluminados apenas por um foco de luz branca. Imagem a um tempo terrível e sublime em que o real se confunde com a ilusão.
“It’s Only Rock’n’Roll, But I Like It” – Mick Jagger.

Rolling Stones – “A Década Ao Contrário” (artigo de opinião | história do rock)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 8 JUNHO 1990 >> Cultura


A década ao contrário

NO INÍCIO eram apenas uma entre muitas bandas brancas a brincar ao “rhythm‘n’blues”. Depois foram crescendo até se tornarem na maior banda de “rock and roll” do mundo. Hoje são um fantasma sorvedor de divisas e recordações de rebeldia.
Mick Jagger e Keith Richards andaram juntos na mesma escola primária. Perderam-se de vista. Anos mais tarde encontraram-se num comboio. Dois rapazinhos ansiosos por dar nas vistas, ambos apreciadores do “rhythm‘n’blues”. Corria o ano de 1960, primeiro de uma década que viria a dar que falar. Brian Jones conhece Jagger numa das suas visitas a Londres. No “Korner’s Club”, onde este atuava com Long John Baldry. O destino juntava o trio mágico Jagger/Richards/Jones, mal sabendo a confusão que iria causar. Em 63, Charlie Watts e Bill Wyman completam a lendária formação. Escolhido o nome (baseado na canção “Rollin’ Stones”, de Muddy Waters) só faltava dar o sinal de partida.

Os blues

As primeiras gravações de estúdio são “Soon Forgotten”, “Close Together” e “You Can’t Judge A Book (By Looking At The Cover)”. Nenhuma editora lhes pega. Tornava-se necessário criar urgentemente uma imagem. Sobretudo que vendesse. Andrew Oldham (que já trabalhara com os Beatles), na altura com apenas 19 anos, encontrou-a. Se os “fabulous four” eram os meninos bonitos da pop, havia que lhes arranjar adversário à altura. Os Stones eram o ideal para representar o papel de maus.
Finalmente, em junho de 63 a Decca edita o single “Come On”, versão do tema original de Chuck Berry, com um dos versos alterado não fosse ferir a sensibilidade dos homens da rádio. Perversão ou não, os Stones agarram num original dos rivais Lennon/McCartney e editam-no sob a forma de um “R&B”. É o clássico “I Wanna Be Your Man” e torna-se o primeiro hit da banda. Graças aos Beatles…

A imagem

Enquanto os de Liverpool provocam gritinhos histéricos e desmaios, Jagger e os outros desencadeiam súbitas e assustadoras descargas de adrenalina e agressividade. Fans para o hospital, destruições várias e um cheirinho a droga, faziam então parte da imagem de marca do grupo. Pior ainda, usavam cabelos ainda mais compridos do que os Beatles. Às vezes chegavam mesmo ao ponto de não usar gravata. Eram provocações a mais. Brian Jones, esse então, abusava, sobretudo da droga. Mas perdoavam-lhe facilmente – era fino, engraçado e além do mais inofensivo – Jones era um dandy, um aristocrata mais preocupado em destruir-se do modo mais elegante possível. Conseguiu-o, sem muito esforço, em apenas cinco anos. Com Brian Jones os Stones gravaram sete álbuns. Após a sua morte, Mick Jagger tinha o caminho livre à sua frente.
“The Rolling Stones” (64) e “The Rolling Stones no.2” (65, o mesmo de “Satisfaction”) são inspiradas rendições do som negro dos blues, acrescentado do frenesim típico do “rock‘n’roll”. O som vai progressivamente endurecendo à mesma velocidade que a violência suscitada nos fans. Aumentam as histórias e os escândalos. Os adultos tremem enquanto os jovens deliram. “(I Can’t Get No) Satisfaction” é número um em ambos os lados do Atlântico e torna-se hino de uma geração frustrada e à beira da grande explosão. “Out Of Our Hands” (65, com temas “soul”) e “Aftermath” (66, o 1º álbum exclusivamente assinado pela dupla Jagger/Richards) fecham a fase inicial da banda.
A explosão eclode afinal pacificamente. Com flores no cabelo, flores na camisa, flores no cérebro acionado a LSD. Os Stones são apanhados de surpresa mas recompõem-se depressa. Ao mesmo tempo que hippies anestesiados atingem o nirvana lisérgico e a contemplação das grandes verdades cósmicas, o quinteto terrível lança “19th Nervous Breakdown” e “Paint It Black”. A compilação “Flowers” e o single “We Love You” são, pelo menos no título, cedências provisórias ao “Flower Power”. O golpe de misericórdia (depois do álbum pop “Between The Buttons”, de 67) dá-se com “Their Satanic Majesties Request”.
Em plena época de propagação de valores positivos, como a paz e o amor, os Stones invertem o processo, utilizando as mesmas armas. Por detrás das imagens coloridas e em 3D da capa e de canções psicadélicas como “She’s A Rainbow” ou “2000 Light Years From Home”, revela-se o lado negro e diabólico oculto na sombra das alucinações. “Their Satanic Majesties Request” é a genial inversão, o negativo de “Sgt. Peppers” e do espírito da época. Símbolo da raiz demoníaca subjacente a toda a música rock, por mais que a queiram disfarçar com os trajos grotescos da boa consciência e das boas intenções.
Anos mais tarde, dezembro de 69, último de uma era, em Altamont, durante a atuação dos Stones, uma jovem negra, Meredith Hunter, é assassinada pelos Hell’s Angels. A década dos sonhos terminava, com os Rolling Stones em pesadelo.

Rolling Stones / Mick Jagger / Keith Richards – “Rolling Stones: Discos A Solo E Um Abandono”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 14.10.1992


ROLLING STONES: DISCOS A SOLO E UM ABANDONO



Mick Jagger e Keith Richards, a dupla terrível dos Rolling Stones, vão lançar novos álbuns a solo. Keith Richards, guitarrista de uma banda que, passados 30 anos, parece não querer terminar nunca, terá o seu disco, intitulado “Main Offender”, editado hoje. Quanto ao novo álbum de Mick Jagger, por enquanto sem título, tem o lançamento previsto para 16 de Novembro.
Jagger descreve o seu novo trabalho como “Rock, blues e baladas ‘country’ com um toque áspero”. O álbum tem produção de Rick Rubin, inclui uma canção composta por Lenny Kravitz e conta com a colaboração do guitarrista Jeff Beck, co-autor de dois temas, e da banda de blues The Red Devils. Jeff Beck, em princípio, deverá alinhar ao lado do cantor, nas digressões de promoção ao álbum, previstas para Novembro, na Inglaterra e no continente.
“Main Offender”, escrito na totalidade por Keith Richards, tem como produtores o próprio guitarrista, Steve Jordan e Waddy Watchel.
Dos outros Stones, sabe-se que o baterista, Charlie Watts, realizou há pouco tempo um dos seus sonhos de sempre, actuando recentemente com o seu quinteto do Solo Jazz Festival, realizado em Londres, num concerto de homenagem a Charlie Parker, em que musicou um livro de crianças, “Ode to A High-Flying Bird”, sobre a vida do saxofonista, idealizado por Watts há três décadas.
Ronnie Wood está calmo, depois de também ele ter gravado o seu álbum a solo, “Slide on This”. Bill Wyman é que não parece andar nada contente, e até à data tem-se recusado a assinar o novo contrato dos Rolling Stones com a Virgin, fazendo assim aumentar os rumores que dão como consumada a sua saída da banda.