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Zachary Richard – “Zachary Richard Lança Novo Álbum – ‘Cajun Around The Clock'” (entrevista)

Cultura >> Quarta-Feira, 14.10.1992


Zachary Richard Lança Novo Álbum
“Cajun Around The Clock”


É americano mas cantou durante anos em francês. Não admira, pois Zachary Richard, embora se declare músico de rock, nunca renegou as suas raízes “cajun”, essa mistura de country com as músicas tradicionais europeias que os colonos franceses trouxeram para a América. O novo álbum, “Snake Bite Love”, conta como alguém se pode perder. De amores. Ou num pântano de Louisiana.



Poucos conhecerão a música “cajun” – um híbrido com variantes como o “zydeco” (dos negros e crioulos, popularizado por Clifton Chenier) ou a “tex mex” (tocada no oeste do Texas) – típica do estado de Louisiana e da região do Quebeque, no Canadá. O “cajun”, cantado inicialmente em francês pelos colonos, foi incorporando, no Sul dos Estados Unidos, os “blues”, a “country”, a música africana e até certos sons das Caraíbas. Zachary Richard foi mais longe e misturou o mistério dos pântanos e do “voodoo” à maior acessibilidade do rock. “Snake Bite Love” é a mordidela da cobra. E de uma bela rapariga crioula.
PÚBLICO – Na primeira fase da sua carreira cantou sempre em francês. O que não acontece nos álbuns mais recentes, incluindo o novo “Snake Bite Love”. Qual a razão da mudança?
ZACHARY RICHARD – Para falar verdade comecei a cantar em inglês, no meu primeiro álbum, gravado me 1972, que nunca chegou a ser editado, na América. Cresci na Louisiana do Sul, os meus pais eram bilingues. Os meus avós não falavam inglês. Sinto-me à vontade em ambas as línguas. Quando fui pela primeira vez a Montréal, em 1974, deparei com a força enorme que tinha aí a cultura francesa. Os franceses do Quebeque são muito nacionalistas. Tal facto seviu-me de inspiração, porque até então não tinha muita consciência das minhas origens “cajun”. Na Louisiana as pessoas tendem a ignorar esta cultura. Associam “cajun” a ignorância e pobreza. Tal deve-se à invasão da cultura americana, nos anos 40. Tudo isto inspirou-me a cantar em francês.
P. – O seu primeiro mercado foi, aliás, a França…
R. – Sim. Era muito excitante para mim. Era o início de uma aventura que durou 10 anos e durante a qual gravei oito álbuns, que tiveram sucesso. Mas a meio dos anos 80 cheguei a um ponto em que senti que tinha de regressar a casa – à Louisiana – o que fiz – e comecei a cantar e a tocar na costa do Golfo (do México), na área de Houston, em ambas as línguas. E a gravar em inglês. Foi uma coisa natural. É óbvio que quando se canta em inglês é possível chegar a uma audiência e a um mercado maiores, mas essa não foi a principal motivação. De facto, tenho uma maior tendência para escrever canções em inglês. Além de que esta é a língua do rock ‘n’ rol.
P. – Mas concorda que a música “cajun” cantada em francês tem outro sabor?…
R. – Absolutamente. O que acontece é que não sou verdadeiramente um músico “cajun” tradicional. O meu estilo está bastante mais próximo do rock ‘n’ rol.
P. – Quando se vem da Louisiana e se toca acordeão as pessoas pensam logo em música tradicional. Mesmo quando comecei a tocar música “cajun”, já lá vão 20 anos, o que pretendia era dar-lhe um cunho contemporâneo, mantê-la viva. A ideia era trazer elementos do “cajun” para um formato rock. Para mim o mais importante é escrever canções e a criação de uma música nova. Neil Young, Bob Dylan ou os Byrds são algumas das minhas influências, juntamente com o “cajun”, o estilo “zydeco” e os “blues” da Louisiana.

Venenos

P. – Em “Snake Bite Love” sente-se deveras o ambiente da Louisiana, em parte devido às letras. Viveu mesmo todas as histórias que narra?
R. – Tento escrever canções que digam qualquer coisa. Conto histórias e neste aspecto tenho a sorte de vir de um lugar onde abundam não só as histórias, como os contadores de histórias. A Louisiana é fértil em culturas, em personagens, em toda a espécie de experiências.
P. – É fácil ou difícil viver na Louisiana, no meio dos jacarés, dos mosquitos e do “voodoo”?…
R. – É bastante fácil. Temos boa comida, mulheres maravilhosas e música excelente. É quase como viver em Portugal…
P. – Mas nas notas do disco escreve coisas como “o perigo é beleza” e “a beleza é perigosa”…
R. – Tem tudo a ver com o tema de “Snake Bite Love”. Quando alguém, na Louisiana, é mordido por uma cobra, isso quer dizer má sorte. Há uma contradição entre o amor e a másorte. Mas, num certo sentido, o amor é como um veneno. Por outro lado é como passear pelos pântanos. Ao mesmo tempo belo e perigoso. Pode-se ser morto lá, pelos jacarés, por cobras venenosas, por mosquitos… É assim que sinto o amor, a paixão. O amor de uma mulher crioula é algo muito excitante mas ao mesmo tempo perigoso… Há sempre o perigo de se enlouquecer. De ser possuído pelos encantamentos do “voodoo” ou do amor. De se perder tudo, até a própria identidade.
P. – Por falar em “voodoo”, como aconteceu a presença, na canção “Down in Congo Square”, de Dr. John, “o viajante da noite”?
R. – Essa alcunhya vem dos tempos em que ele se pintava, a fase “glitter”. Conheci-o por volta de 1972 em Nova-Iorque, onde ele tocava nessa altura. Eu era seu admirador. Tornámo-nos amigos desde então. Nessa canção quis dar-lhe o estilo de New Orleans e Dr. John era a pessoa ideal para o fazer. Ele vive num bairro francês da cidade. Telefonei-lhe e ele apareceu.
P. – Também viveu no Canadá. Quais são as principais diferenças entre as culturas “cajun” de uma e outra região?
R. – Uma das diferenças é que no Canadá faz mais frio. No Canadá existe uma comunidade pequena na Nova Escócia, de canadianos, de onde os acadianos da Louisiana são originários, depois de terem sido deportados em 1755, pelos ingleses. Há semelhanças entre os acadianos da Nova Escócia e os acadianos da Louisiana: a língua e o sotaque, ou a música de violino. Por outro lado na Louisiana há as influências africanas, do jazz, dos “blues”, do “zydeko”, que no Canadá não existem de todo.
P. – A influência irlandesa é comum…
R. – Sim, essa decerto que a partilhamos. Os tocadores de rabeca irlandeses tiveram uma grande influência tanto na Louisiana como no Canadá.

Não À Pop

P. – Antes do seu primeiro álbum em inglês, “Zach Attack”, afirmou que não queria ser um “french pop singer”. O que quer dizer com isso?
R. – Sempre vendi bem em França, mas nunca me estabelecia aí. Nessa época conheci Claude Michel Schoenberg. Em 1980 resolvi voltar para a Louisiana e estive dois anos praticamente sem tocar. Construí uma casa e sentia-me feliz apenas por estar lá. Em 1984 o Claude Michel veio visitar-me e convenceu-me a gravarmos juntos um disco em França. O estilo de produção de Claude Michel é muito voltado para a pop. Escrevemos algumas canções para “Zach Attack”, boas canções mas que tinham, penso eu, umm toque esquizofrénico. Umas totalmente pop e outras muito ao estilo de Louisiana. Havia duas direcções num mesmo álbum. Quando acabei a gravação senti-me confuso. Cheguei por fim à conclusão que tinha de regressar de novo ao Louisiana e gravar dentro do seu estilo. E queria voltar a tocar para audiências americanas.
P. – … e ser uma estrela de rock ‘n’ rol…
R. – O rock sempre fez parte do meu estilo. Apenas passei a definir a minha música de uma forma mais clara.
P. – No entanto nunca renegou as suas origens. Pensa que o trabalho de fusão, digamos assim, a que se tem dedicado, é a melhor forma de divulgação da música “cajun”?
R. – Não sou nem missionário, nem político. Não faço música como forma de propaganda. Faço a música de que gosto. E de uma forma cada vez mais pessoal. Não considero haver uma contradição em ser absolutamente fiel à ideia de preservar a língua francesa e a cultura “cajun” na Louisiana e ser ao mesmo tempo um músico de rock.

Rolling Stones / Mick Jagger / Keith Richards – “Rolling Stones: Discos A Solo E Um Abandono”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 14.10.1992


ROLLING STONES: DISCOS A SOLO E UM ABANDONO



Mick Jagger e Keith Richards, a dupla terrível dos Rolling Stones, vão lançar novos álbuns a solo. Keith Richards, guitarrista de uma banda que, passados 30 anos, parece não querer terminar nunca, terá o seu disco, intitulado “Main Offender”, editado hoje. Quanto ao novo álbum de Mick Jagger, por enquanto sem título, tem o lançamento previsto para 16 de Novembro.
Jagger descreve o seu novo trabalho como “Rock, blues e baladas ‘country’ com um toque áspero”. O álbum tem produção de Rick Rubin, inclui uma canção composta por Lenny Kravitz e conta com a colaboração do guitarrista Jeff Beck, co-autor de dois temas, e da banda de blues The Red Devils. Jeff Beck, em princípio, deverá alinhar ao lado do cantor, nas digressões de promoção ao álbum, previstas para Novembro, na Inglaterra e no continente.
“Main Offender”, escrito na totalidade por Keith Richards, tem como produtores o próprio guitarrista, Steve Jordan e Waddy Watchel.
Dos outros Stones, sabe-se que o baterista, Charlie Watts, realizou há pouco tempo um dos seus sonhos de sempre, actuando recentemente com o seu quinteto do Solo Jazz Festival, realizado em Londres, num concerto de homenagem a Charlie Parker, em que musicou um livro de crianças, “Ode to A High-Flying Bird”, sobre a vida do saxofonista, idealizado por Watts há três décadas.
Ronnie Wood está calmo, depois de também ele ter gravado o seu álbum a solo, “Slide on This”. Bill Wyman é que não parece andar nada contente, e até à data tem-se recusado a assinar o novo contrato dos Rolling Stones com a Virgin, fazendo assim aumentar os rumores que dão como consumada a sua saída da banda.

Amélia Muge – “Estreia Em Disco De Amélia Muge – Uma Voz Tão Grande Como Uma Galáxia”

Cultura >> Quinta-Feira, 28.05.1992


Estreia Em Disco De Amélia Muge
Uma Voz Tão Grande Como Uma Galáxia


Amélia Muge é senhora de uma voz e de um canto fabulosos. Tudo o resto é supérfluo. Terça-Feira, na Sala Estúdio do Teatro S. Luiz, a União Portuguesa de Artistas de Variedades fez a apresentação pública da estreia em disco da cantora: “Múgica”. Amélia Muge interpretou ao vivo algumas das canções e foi o assombro. Negros o vestido, os olhos e o cabelo. O canto, uma galáxia capaz de abarcar as fronteiras mais distantes que a voz pode alcançar. É urgente descobrir esta cantora que há anos acompanhou José Afonso e, há menos tempo, fez parte do grupo de Júlio Pereira.
Amélia Muge não se limita a cantar. Ela existe e vive através desse cantar. Faz teatro enquanto canta, mas um teatro de dentro, como o definiu Pessoa, feito de gestos inevitáveis que o corpo encena na génese dos sons. Cada canção pede a diferença e Amélia Muge em todas elas encontra o registo que melhor se lhes adequa. Em “O sol (esse que dizia”) projecta-se nas ornamentações arabizantes características das paisagens do Sul. “Em Mértola” é dramatismo e em “Papãozinho” o mistério de uma caixa-de-música; marcial e irónica em “E viva a paz”; distante e próxima, toda a água e serenidade de um lago, entre a escuridão do fundo e a luz da superfície, em “Quem à janela”; sarcástica, em “Mariazinhas”. Os arranjos musicais levam a assinatura de António José Martins, a quem devem grande parte da originalidade. Amélia Muge compõe toda a música. Os textos são da sua autoria, da irmã, Teresa Muge e de João Pedro Grabato Dias. Um deles, de Luís de Camões.
No disco, acompanham Amélia Muge, músicos como Paulo Curado, Carlos Bica, Yuri Daniel, José Peixoto, António Chainho, Rui “Dudas” Pereira, Paulo de Carvalho e o próprio António José Martins. Ao vivo será possível, e muito aconselhável, vê-la e ouvi-la (as duas coisas são importantes), sábado e domingo, às 22h, na mesma sala onde decorreu a apresentação. Acompanhada por António José Martins, nos sintetizadores e guitarra braguesa, e Catarina Anacleto, no violoncelo.
“Múgica” é música e marca. Há urgência, repete-se, em conhecer o disco e a sua aura. Na capa, Amélia Muge agradece às leis de atracção universal.