Jon Anderson
Angels Embrace
HIGHER OCTAVE MUSIC, DISTRI. STRAUSS
Era fatal como o destino, o antigo vocalista dos Yes caiu como mosca na sopa numa editora de “new age”. Na verdade, Jon Anderson nunca foi verdadeiramente um “rocker” e, com Vangelis a ajudar na transição, pode agora dar livre curso à sua costela de misticismo ecológico. Uma capa com céu e nuvens em dourado e inscrições do tipo “viagem espiritual através do poder curativo da música” embrulham uma música onde o cantor tenta fazer passar intacta por uma ponte de 22 anos a magia do seu álbum de estreia, “Olias of Sunhillow”. “Angels Embrace” é “Olias” numa perspectiva “new age”, sete temas interligados por passarinhos e sinos nos intervalos, onde a voz se reduz a coros angelicais (em dois deles com a ajuda do filho e da mulher), num álbum predominantemente instrumental, em que as harpas e os sintetizadores se anelam num nevoeiro de onde nunca chega a nascer o desejado. Falta a Jon Anderson, numa área já ocupada por nomes da ala mais melosa da Hearts of Space, como Constance Demby e Raphael, o abstraccionismo e poder de análise de um Brian Eno, cujas concepções de música funcional postas em prática em “Music for Airports” impregnam a evolução ambiental dos 14 minutos de “New fire land”. Pode ser interessante, quiçá uma experiência transcendental, observar com olhar vago e coração suspirante a passagem das nuvens, na expectativa de um instante de iluminação. Eno garante que sim. Será até possível “aceder àquele lugar de visão e claridade onde o ritmo da vida se move em harmonia com uma consciência mais elevada”, de que nos fala a editora. Mas será mesmo necessário idealizar a “nova idade” como o Parque Eduardo VII numa tarde de domingo? (5)
“Na beleza natural que nos envolve parece existir um sentido perdido da maravilha como todos nós nos ajustamos. As árvores, as flores, os pássaros, os animais, os insectos: precisamos todos uns dos outros nesta vida”, diz, a propósito do seu novo disco, Jon Anderson. Precisamos, de facto. O que já é mais duvidoso é que precisemos dum álbum como este. São as preocupações de sempre do ex-vocalista dos Yes que, nesta sua mais recente aventura a solo, resolveu acompanhar temas antigos e modernos com o sinfonismo da London Chamber Orchestra, dirigida por Christopher Warren-Green. Inspirado no livro homónimo de Nana Weary, uma “professora espiritual havaiana”, sobre a indissociabilidade do homem e da natureza, “Change We Must”, para além de não considerar os pássaros e os insectos animais, considera igualmente que a importância do tema justifica por si só a pomposidade dos arranjos. Erro crasso. Apesar de a quantidade de meios utilizados ser incomparavelmente maior, “Change We Must”, gravado num “retiro de silêncio” na ilha de Kawaii, perde na comparação com o anterior e menos ambicioso “Deseo”. Nestes assuntos de flores, árvores e insectos a simplicidade de processos é aconselhável. Jon Anderson confunde a beleza com a sumptuosidade. Quanto ao silêncio, há demasiado ruído de interferência para que seja possível percebê-lo… Acontece então que temas conhecidos como “State of Independence” e outros da dupla Anderson/Vangelis perdem em relação aos originais, não se percebendo além disso muito bem o que é que faz uma composição do minimalista John Adams, “Shaker Loops”, no meio de tanta verdura. Quem não o conhecesse até julgaria que Adams é algum guru macrobiótico da “new age”. “Change We Must”, não há dúvida. E Jon Anderson devia ser o primeiro a dar o exemplo. (5)
10.10.1997
Reedições
Fantasmas No Ar
Os coleccionadores da discografia progressiva dos anos 70 continuam a não ter mãos a medir, mesmo levando em conta que os mais ferrenhos não desistem de procurar furiosamente as edições originais em vinilo, tarefa por vezes difícil e bastante dispendiosa. Alheias a este tipo de purismo, as editoras continuam a retirar dos respectivos fundos de catálogo algumas referências que, à época da primeira edição, passaram praticamente despercebidas. Algumas destas novas reedições em compacto procuram revalorizar o produto de origem, quer através de uma apresentação e embalagem mais apelativas e contendo informação adicional, quer através da remasterização das fitas originais, de modo a melhorar significativamente as “perfomances” sonoras.
Os Curved Air viram, por fim, passar para o formato digital a sua obra-prima de 1972, “Phantasmagoria”. Com uma reprodução condigna da capa – uma deliciosa figura inspirada no imaginário de Lewis Carroll – e a inserção, no livrete, das letras de todas as canções. Em termos de informação, é tudo. Mas a qualidade e originalidade da música supera qualquer deficiência noutros aspectos. “Phantasmagoria” é o ponto culminante e, em simultâneo, o limite de uma música que nunca parou de evoluir nos três primeiros álbuns, começando por “Aircondittioning”, mais rock e imediatista, com passagem pela delicadeza sombria de “Second Album”. Em “Phantasmagoria” há, sobretudo, uma colecção de canções perfeitas que aliavam o pendor classicista do violinista Darryl Way (“Marie Antoinette”, “Cheetah” ou a aceleração electrónica de “Ultra-Vivaldi”, prolongamento do tema “Vivaldi”, incluído em “Aircondittioning”) com o experimentalismo do teclista Francios Monkman (explorado de forma magnífica no instrumental “Whose shoulder are you looking over anyway?”, um dos primeiros temas gravados por um grupo pop a utilizar um computador). Mas o que verdadeiramente projectava a identidade dos Curved Air eram as vocalizações de Sonja Kristina, cujas inclinações variavam entre dosi extremos, da visceralidade de uma Grace Slick à suavidade das cantoras folk. Uma voz que tanto era capaz de demonstrar a intensidade dramática de “Marie Antoinette”, o tropicalismo de “Once a ghost, always a ghost” e o encantamento mágico de “Melinda (more or less)”, como de segredar, com a maior candura, os prazeres da masturbação feminina. Um clássico. (Warner Bros., import. Planeta Rock, 10
Os Yes foram um dos pilares da música progressiva, odiados por uns e amados por outros. No centro do conflito esteve sempre a voz andrógina de Jon Anderson, para alguns insuportável mas para outros a incarnação do canto dos anjos. “Olias Of Sunhillow”, anteriormente apenas disponível em CD em edição japonesa (que incluía uma miniaturização do autêntico livro de gravuras que era a capa da edição inglesa original, na Atlantic), é o primeiro álbum a solo do cantor e, sem sombra de dúvida, o seu melhor. Em termos formais, é um conceptual – a história da ruína e salvação de um povo estelar, salvo por um profeta que os conduz pelo espaço-tempo até outro planeta – onde Jon Anderson tocava todos os instrumentos, incluindo a harpa, que aprendeu para o efeito, e os sintetizadores. A música oscila entre estranhas invocações vocais e sequências electrónicas que antecipavam as posteriores colaborações do cantor com Vangelis. É um álbum completamente à margem da grandiloquência dos yes, no qual Jon Anderson explanou da melhor forma a sua veia mística. (Warner Bros., import. Planeta Rock, 8).
Hesitantes entre a grandiloquência, o jazz-rock, o progressivo e o comercialismo, estiveram sempre os Greenslade, projecto de dois ex-Colosseum, o teclista Dave Greenslade e o baixista Tony Reeves (que viria a integrar a formação derradeira dos Curved Air…). “Beside Manners Are Extra” apresenta progressos em relação ao álbum de estreia, na forma como equilibra boas canções pop com instrumentais entre o jaz-rock e o “rock sinfónico” (gulp!), que servia para mostrar as capacidades virtuosíticas de todos os elementos do grupo. Um aviso: a gravação não é famosa. (Warner Bros., import. Planeta Rock, 7)
Poucos deviam conhecer, em 1970, a música dos Titus Groan, no único álbum gravado por esta simpática banda na sua curta carreira, aqui aumentado por três temas extra, incluindo os lados A e B de um “single”. Os Titus Groan faziam parte de um pacote de bandas progressivas lançadas pela editora Dawn, que incluía os Comus, Heron e Demon Fuzz, com quem realizaram digressões conjuntas. “Titus Groan” é um álbum que raramente consegue ser mais do que uma sequência de clichés do progressivo de segunda linha, tendo, porém, a seu favor a diversidade das canções, que vão da pop quase comercial ao puro psicadelismo e às muito curiosas divagações do saxofonista do grupo, cujas intervenções levavam a música para áreas invariavelmente mais criativas e tonalmente interessantes. (See For Miles, import. Torpedo, 6)
Referência ainda para a edição da totalidade da obra gravada por duas bandas folk-rock com estilos e “pedigree” diferentes. Os Tudor Lodge, um dos primeiros grupos a assinar pela Vertigo (a capa de “Tudor Lodge”, multidesdobrável, era um desperdício de cartão…), eram tipicamente progressivos, usando a “folk” como mero pretexto para alinharem a sua visão sonhadora, criada pela voz de rosas de Ann Stewart, e as guitarras acústicas de John Stannard e Lyndon Green com esporádicas inclusões de outros instrumentos e arranjos para naipes de corda e metais. A arrumar ao lado dos Magna Carta, Trader Horne e Mellow Candle. (Si Wan, import. Torpedo, 7)
Os Mr. Fox, pelo contrário, nasceram nos clubes “folk” ingleses, mas as concepções que sobre esta tipologia musical tinha o seu líder, Bob Pegg, eram de molde a marginalizar o grupo, mas capazes de agradar aos apreciadores de música progressiva e do folk-rock electrificado. A presente reedição reproduz a edição dupla em vinilo, “The Complete Mr. Fox”, lançada pela Transatlantic, que acoplava os dois únicos álbuns gravados pelos Mr. Fox, “Mr. Fox” e “The Gipsy” (um dos temas deste álbum, “Mendle”, foi retirado desta reedição por falta de espaço). O primeiro, mais declaradamente folk, continha originais harmonizações vocais de Bob com a sua então mulher Carolanne Pegg (também violinista, de parcos recursos, mas possuidora de indesmentível carisma) e uma concepção sinistra (ouça-se o título-tema, para se perceber como são os papões da “folk”) da rítmica “morris” e da “folk” inglesa em geral. “The Gipsy” é uma obra com outras ambições que integrava uma instrumentação mais vasta e eléctrica (incluindo a participação de dois antigos elementos dos Trees), cujo auge é atingido na “suite” “The Gipsy”, dividida em vários movimentos que contam a história e a viagem de um homem que persegue até ao desgosto final a sua apaixonada cigana. Trata-se de uma obra imprescindível do “folk-rock”, nas suas franjas mais obscuras. (See For Miles, import. Torpedo, 8).