Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #96 – “Música Prazer ou vício (FM)”

#96 – “Música Prazer ou vício (FM)”

Fernando Magalhães
08.04.2002 150349
Pois…

Ouvir música…CDs aos quilos…

Será um prazer, a exigir tempo para saborear calmamente cada nova aquisição, com audições repetidas?

Ou antes…um vício, uma ânsia de devorar constantemente mais e mais CDs, mais e mais música, descobrir continuamente novos estímulos sonoros? Um prazer imediato a necessitar constantemente de alimento?

Confesso que, muitas vezes, funciono mais no segundo registo. A música, ou melhor, a compra e audição de Cds é, de facto, um vício.

Há alturas em que sinto verdadeiramente a necessidade de comprar, comprar, ter, ter, ouvir, ouvir, sempre mais e mais. Quanto mais música ouço mais tenho vontade de ouvir outras coisas e de descobrir, satisfazer-me com novidades!

Chega a haver alturas em que sinto, como qualquer junkie audiófilo, uma vontade incontrolável de comprar CDs, com o consequente rombo no orçamento. Mas…nada a fazer, o vício é mais forte.

E se não há obras-primas, compra-se o que houver, o que é preciso é comprar, ter, ouvir…

Reconheço: Não é uma virtude, isto, mas uma fraqueza. Até porque, muitas vezes, falta tempo, o tal tempo, para assimilar, interiorizar cada disco.

Por vezes tenho saudades de tempos antigos, em que havia menos dinheiro. Um disco por mês, todo o tempo do mundo para descobrir cada pormenor, para partilhar descobertas, para desfrutar do prazer imenso de ouvir música.

É assim com vocês?

FM

PS-À espera, claro, que a primeira resposta seja um “Sim, e…?”

astronauta spiff
08.04.2002 190711
(…)
Com tanto paleio, a pergunta que fica é… será que precisamos mesmo de tanta música?

Fernando Magalhães
08.04.2002 190734
David Thomas, cantor dos PERE UBU, afirmou há um par de anos que não. Que nos dias de hoje há demasiada música.

Partilho desta opinião.

O aumento de informação/produção disponível não trouxe consigo qualquer acréscimo de qualidade, ao nível da criação global.
Fazer um disco torna-se cada vez menos um ato de amor, de anseio profundo, de vontade de criar, e mais um gesto pavloviano ditado por imperativos tecnológicos ou da Indústria.

Escasseiam os verdadeiros génios ou, no mínimo, os visionários. Tudo, ou quase, se parece com tudo. A música tornou-se um jogo de espelhos.

E as exceções, que felizmente existem, escondem-se em recônditos lugares. É essas que insisto em procurar.

FM

Van Der Graaf Generator – “O Gerador De Absoluto” (valores selados | blitz | artigo de opinião | dossier)

BLITZ 7 NOVEMBRO 1989 >> Valores Selados


VAN DER GRAAF GENERATOR

O GERADOR DE ABSOLUTO



É difícil escrever sobre a perfeição. É difícil, sobretudo, relatar em pormenor e com um mínimo de distanciação aquilo que de essencial existe na música dos Van Der Graaf Generator em geral e de Peter Hammill em particular. Será talvez difícil para os leitores, confundidos por tanta veneração, acreditar na palavra do crítico. Pois é, aqueles que desde o início têm acompanhado o percurso de Hammill e companhia sabem decerto do que se trata. Para esses, na posse de todos os segredos, a música e poesia da banda representam muito mais do que o habitual nestas coisas dos discos, quase se revestindo com as roupagens do sagrado. Os que estão de fora jamais compreenderão. Durante os últimos vinte anos as palavras de Hammill têm sido fervorosamente vividas por toda uma geração. A sua poesia é a voz profética e a encarnação das esperanças e terrores das duas últimas décadas. Hammill é o amigo que vive na carne as nossas angústias mais escondidas, os nossos amores mais profundos e sofridos, a nossa solidão.
Quanto à música propriamente dita, a dos Van Der Graaf esteve sempre muito além de tudo, sorrindo sobranceiramente dos sinfonismos que então faziam escola. O seu experimentalismo foi sempre o da busca (aos níveis da forma e conteúdo) do Absoluto. Refiro-me à paixão pelo abismo (como todas as paixões), à aventura derradeira, a crucificação de todos os géneros, sacrificados na unidade de uma música verdadeiramente universal.
Tracemos então, cronologicamente, o percurso exterior (que o interior é um segredo bem guardado pelos iniciados) da banda mais importante dos anos 70 e grande parte dos 80, adiando para a próxima semana a obra a solo de Hammill.
Tudo começou pela gravação de um single, «Telstar», com a participação de um tal Chris Judge-Smith que a dado momento se lembrou que o gerador de Van Der Graaf daria um nome engraçado para uma banda. E foi já com esta designação que 1969 viu surgir timidamente no mercado discográfico um álbum estranhamente intitulado «The Aerosol Grey Machine», integrando uma série de canções deixando já antever o génio poético do então adolescente Peter Hammill e ostentando os germes do futuro som Van Der Graaf. É contudo com o álbum seguinte, «The Least We Can Do is Wave to Each Other», de 1970, que se dá a grande explosão. As canções de Hammill alternam o lirismo mais intimista com a vertigem das imensidões cósmicas. «After the Flood», o tema mais longo, cumpre fielmente a fundamental regra alquímica que refere ser «o que está em baixo igual ao que está em cima», o microcosmos humano refletindo, à sua própria escala, a imensidão e constelações do Espaço exterior. Depois do dilúvio o que resta? É sobre ruínas calcinadas que Hammill inicia o caminho de Santiago. O peregrino iniciava a demanda do seu Graal. «Refugees» é o imenso adeus, canção definitiva da solidão compartilhada; quem verdadeiramente a conhece jamais a esquecerá.
A aventura prossegue com «H to He, Who am the only one». Estamos no domínio da física atómica ou da psicologia patológica. Hidrogénio para o Hélio ou para ele que sou o único? Somos o anjo ou o demónio? – pergunta Hammill em «Killer», brilhante dissertação sobre as forças antagónicas e sobre-humanas que nos movem e animam. Em «House with no Door» a chuva cai perpetuamente e é sempre de noite. «Lost» dança e canta o reencontro, o eterno «I love you» ganhando a força do desespero apocalíptico. «H to He» é a primeira de uma longa sequência de obras-primas.
Chegados ao ano de 1971 deparamos com o marco incontornável que é «Pawn Hearts», para muitos o melhor álbum de sempre da música popular. Três temas: «Man-Erg», «Lemmings» e «A Plague of Lighthouse Keepers», este último elevando-se às alturas do sublime. Não há palavras que o definam. Hammill, Banton, Jackson e Evans, quarteto essencial dos Van Der Graaf, alcançaram aqui a perfeição. Hammill, reconhecendo ser impossível ir mais longe nesta direção, encerra a 1.ª fase do grupo e parte para a sua odisseia a solo. Para trás ficavam a música e as palavras ora gritadas ora sussurradas por aquele que é já hoje considerado como um dos maiores poetas vivos da língua inglesa. Refira-se ainda a presença nestes dois últimos álbuns do guitarrista e seu amigo de sempre, Robert Fripp.
1975 assinala o ano da ressurreição. Os Van Der Graaf ressurgem em «Godbluff» com os mesmos músicos e uma nova sonoridade. O som é agora mais direto e abrasivo, aberto a improvisações «jazzy». O que de algum modo se perde em subtileza, sobra em energia. Os teclados de Hugh Banton, o sax de David Jackson e a batida dura de Guy Evans ganham autonomia, construindo uma barragem sonora demolidora.
«Still Life», do ano seguinte, leva ainda mais longe as premissas enunciadas no álbum anterior. O som torna-se selvagem, as palavras de Hammill explodem literalmente, a paixão e o ódio confundem-se na exaltação dos sentidos, como em «La Rossa», confrontação definitiva com a Mulher Absoluta, encenação vertiginosa da Morte e do Amor.
A 2.ª fase do grupo completa-se com «World Record» ainda de 76. É o álbum mais despojado e elétrico, girando como sempre em volta das obsessões existenciais de Hammill. A guitarra torna-se a sua única e derradeira amiga, chorando e gemendo no grandioso blues branco de «Meurglyss III», longa e comovente despedida do mundo exterior.
Os Van Der Graaf deixam de ser Generator e gravam ainda «The Quiet Zone/The Pleasure Dome», editado em 77. Banton e Jackson, peças fundamentais no som da banda, são substituídos pelo filho pródigo Nic Potter que fizera parte da formação inicial, no baixo, e o violinista Graham Smith, vindo dos String Driven Thing. O som ressente-se das mudanças, restando a magia e energia dos poemas de Hammill. É ainda editado o duplo ao vivo «Vital», registando para a posteridade as derradeiras prestações ao vivo do grupo. Peter Hammill estava definitivamente livre para encetar nova fase na sua carreira. Para a semana fica prometida a história das suas posteriores aventuras.



«La Rossa»: O corpo feminino suspenso no vazio projeta-se doidamente…
…Para o alto, em conclusões de véus e Alma. Noiva de sangue e Lua, prometida de ninguém

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #95 – “Assunto Coltrane (FM)”

#95 – “Assunto Coltrane (FM)”

Fernando Magalhães
05.04.2002 150336
Excelentes as contribuições que acabei de ler a propósito da minha pequena “provocação” sobre Coltrane! 🙂

Era essa, exatamente, a minha intenção.

Claro que JC é um músico genial, apenas pretendi agitar um pouco as águas porque amiúde se valoriza em certos artistas, precisamente o lado mais “folclórico”, determinado tipo de imagens, clichés, etc, tendentes a criar uma consensualidade que tende a deificar (fossilizar) esses mesmos artistas.

Fala-se hoje, se calhar, mais de JC, e ouve-se menos a sua música…

Dito isto, e respondendo a certos comentários particulares:

– Tenho o “Giant Steps”, que considero um álbum fabuloso. Já, coisas mais recentes, como o “Interstellar Space” ou “Meditations” me suscitam algumas reservas…
“Sun Ship” é outro dos meus preferidos.
E, já aqui o disse, a versão (pirata???) de um concerto ao vivo de “A Love Supreme”, executado na íntegra e em versão “aumentada”, digamos assim, em Antibes, no mesmo ano da gravação do álbum de estúdio e com a mesma formação, é qualquer coisa (ao nível da interpretação do saxofonista) de espantoso.

– Nick Drake outra vez…Enfim…Não emiti qualquer opinião valorativa sobre a sua música, citei apenas o tal lado “folclórico” da sua vida. A minha opinião? “Five Leaves left” (9/10), “Bryter Layter” – 9/10, “Pink Moon” (7,5/10).

FM