Pop Rock
19 de Outubro de 1994
ÁLBUNS POP ROCK
PETER HAMMILL
Roaring Forties
Fie, distri. Megamúsica
Tem sido uma longa viagem, com altos e baixos, momentos de exaltação alternando com outros de cansaço e alguma desilusão. Peter Hammill é o amigo estrangeiro cuja obra tem tocado toda uma geração que o acompanha desde a estreia dos Van Der Graaf Generator, “The Aerosol Grey Machine”, de 1969, até hoje, já lá vão 33 álbuns, todos com a mesma recusa em fazer concessões, algo difícil de encontrar numa época em que a arte cada vez mais se reduz a um negócio. Os fiéis de Hammill sabem de antemão que em cada novo disco a qualidade se eleva inevitavelmente acima da média. O problema está, ou estava, em que nos últimos ele se mostrava incapaz de inovar e surpreender, parecendo que os seus trabalhos mais recentes giravam cada vez mais próximo de uma média, um “Hammill standard” impenetrável ao excesso e à diferença, ao contrário dos gigantescos contrastes que animam toda a discografia dos Van Der Graaf ou os álbuns a solo até “A Black Box”. Já nos tínhamos resignado a um Hammill previsível e preocupado com uma reforma tranquila, quando este “Roaring Forties” veio de súbito perturbar a acalmia.
Diga-se desde já que é o melhor Hammill desde há alguns anos. E um regresso ao som e às temáticas dos geniais “The Silent Corner and the Empty Stage” e “In Camera”. O ex-Van Der Graaf pôs de parte – momentaneamente ou não, os próximos capítulos o dirão – a tendência recente para se refugiar na segurança, manifestada em ternos práticos numa maior acessibilidade da sua música, para se concentrar de novo naquilo que ele sabe fazer melhor: o desmantelamento dos processos mentais através de uma auto-análise obsessiva e profunda que, por tocar nas zonas do ultraconsciente colectivo, se torna universal, daí a empatia que é possível estabelecer-se com os seus textos e a sensação de que “ele escreve e canta as mesmas coisas que eu sinto e penso”, vivida por muitos dos seus admiradores. “Roaring Forties” é, neste aspecto, um regresso aos bons velhos tempos, em particular no épico de 19 minutos, dividido em sete partes, “Headlong Stretch”, uma das típicas explorações onde o ressuscitado-Hammill-metafísíco aborda questões como os paradoxos do tempo e dos espaço, a personalidade dividida e a demanda alquímica de uma unidade perdida que acena na próxima curva da estrada mas nunca é alcançada (um pequeno aparte para dizer que, se fosse vivo, Fernando Pessoa teria com certeza muito prazer em conhecer Peter Hammill…). Um tema para escutar e meditar muitas vezes, na linha de grandes composições como “A louse is not a home” (de “The Silent Corner…”) e “Cockpit” (de “A Black Box” que traz de volta o prazer da grande aventura. Peter Hammill reencontrou o gosto pelo risco, o que não acontecia desde os álbuns da fase “branco e negro” dos anos 80. Musicalmente há em “Roaring Forties” surpresas, soluções arrojadas e uma sonoridade que se aproxima – suspenda-se a respiração – dos Van Der Graaf Generator. Um som colectivo, pujante e seguro, onde sobressaem os sopros desse músico “sui generis” chamado David Jackson, o violino de Stuart Gordon e as guitarras e manipulações electrónicas de um Hammill empenhado em fazer esquecer anteriores sensaborias. À entrada do próximo milénio, Peter Hammill acordou e é como se tivesse ainda tudo para dizer. (8)