pop rock >> quarta-feira >> 09.11.1994
Feitiço Da Maré
O Cântico Dos Átomos
Júlio Pereira
Acústico
Columbia, distri. Sony Música

Reconhecido como um dos poucos “virtuose” da música portuguesa, Júlio Pereira encontrou sempre como principal obstáculo o desequilíbrio entre as suas facetas de instrumentista, compositor e produtor. Se em relação à primeira há que louvar-lhe o trabalho que levou a efeito de recuperação e popularização de instrumentos tradicionais como o cavaquinho, a braguesa e o bandolim, já em relação à sua actividade nas outras duas áreas nem sempre as soluções encontradas revelaram ser as mais felizes. “Acústico”, o mais recente trabalho deste músico que no passado fim-de-semana actuou em Portugal ao lado dos Chieftains, vem de certa forma alterar este estado de coisas e instaurar na sua obra algo que esta há muito exigia: o espaço e o silêncio necessários para a afirmação, sem artifícios, dos instrumentos de corda em que Júlio Pereira é mestre. É uma lógica de contenção e despojamento que em “Acústico” se exprime, sem rede, em sete temas que são outros tantos solos absolutos no cavaquinho, na braguesa, no bandolim e na guitarra, nos quais Júlio Pereira explora toda a gama de possibilidades tímbricas, melódicas, harmónicas e rítmicas daqueles instrumentos,
Logo no primeiro tema, “Afroriente”, a braguesa desdobra-se em pulsações africanas, fazendo passar para segundo plano o coro feminino constituído por Minela, Maria João e Filipa Pais. Em “Festa do sol”, o cavaquinho fala com a voz de percussões orientais e, em “Amanhecer”, a guitarra move-se nas ondulações graves de umas “tablas”, enquanto em “Tarde quente”, um dos dois temas em que participa Maria João, é a vez de o bandolim se submeter à dolência sensual provocada pela raspagem dos dedos nas cordas. “Ilha inquieta”, um dos temas mais belos de “Acústico” e um dos vários que falam do fascínio pela ilha de Santa Maria, nos Açores, sustenta a sua beleza na arte do contraponto e no domínio dos harmónicos. “Floresta dos espelhos”, num registo mais tradicional, faz a clássica homenagem a José Afonso e “Fado” viaja na descoberta das fontes do Oriente, no estilo rasgado do cavaquinho. “Bandolinata” – celta, indiana, portuguesa? – e “Ecos”, um improviso, enfeitado com respostas “delay”, sobre um excerto do Coral, opus 10, de Bach, pedem por seu lado para a vertente clássica e para o exercício de estilo. Do par de participações vocais de Maria João, a nota mais positiva vai para o diálogo solto da voz – percorrendo uma gama de alturas e emoções que corre da estridência para a surdina – com o bandolim, em “Tarde quente”, sendo menos feliz um “Feitiço da maré”, onde a cantora se acomoda a um tipo de ornamentações que recordam Janita Salomé. Se ao longo do disco são detectáveis ecos remotos dos Genesis, de Steve Hackett, em “Maré de Agosto”, ou dos Penguin Café Orchestra, em “Amanhecer” e “Aguardente de cana”, é porém na assimilação da estética minimal, presente nas repetições cíclicas que vão cavando em cada tema a sua própria verdade, que o discurso global e 2Acústico” encerra motivos de maior interesse. “Acústico” exige do ouvinte um investimento e uma atenção maiores do que o habitual. A compensação é gratificante. (7)
















