Arquivo mensal: Dezembro 2015

Heritage – “Tell Tae Me”

Pop Rock

14 ABRIL 1994
WORLD

Heritage
Tell Tae Me

Temple, distri. MC-Mundo da Canção


heritage

Há vários pormenores nos Heritage que os distinguem da generalidade dos grupos de música tradicional escoceses. A saber: ao contrário dos Ceolbeg ou dos Battlefield Band, por exemplo, os Heritage dispensam o acessório, as piscadelas de olho a mercados mais generalistas, com as consequentes cedências que tal táctica geralmente implica. Depois, é a sonoridade em si que se afasta da habitual nos grupos escoceses. As tradicionais e tonitruantes “Highland pipes” são substituídas por um modelo mais discreto, sendo em paralelo utilizados instrumentos pouco habituais na folk da Escócia, como a bombarda, o berimbau, o banjo, o saltério e a “musette”, outra gaita-de-foles de pequenas dimensões, desta feita de proveniência francesa. Instrumentação que, a par da intrusão noutras tradições da Europa – num “set” de “scottischas” de origem occitana ou num pastoral da Calábria que lhes foi ensinado pelo grupo Re Niliu (autores de um disco estranho que esteve disponível entre nós) –, coloca antes os Heritage na linha de uns House Band. Com a diferença de que na sua música impera uma discrição – hipotético motivo para a pouca divulgação, em Portugal como no resto da Europa. De uma banda que está longe de ser principiante, contando já com vários anos e álbuns de carreira – que, juntamente com as vocalizações de Jack Beck, é outra das características que contribuem para a originalidade dos Heritage. Jack Beck, cujas interpretações atingem o ponto mais alto na balada que dá título ao álbum, uma das mais tocantes que me foram dadas a ouvir, entre uma tradição que na Escócia se revela riquíssima. Uma história que encerra a própria essência da música tradicional e de uma possível via para a sua constante reactualização. Uma criança pergunta à avó em que mapa se localizam a alma e a estrada que levam ao seu país. Ao que a anciã responde: não nas velhas páginas ou na poeira das idades, mas no coração, onde se pode escutar o som antigo, nos sonhos, nas canções e lendas, nos olhos das crianças – só aí se pode encontrar a estrada. (7)

NOTA:
Vários leitores têm protestado contra o facto de alguns discos criticados nesta página – nomeadamente o último trabalho dos Radio Tarifa, “Rumba Argelina”, ou “Gitans”, de Thierry Robin, entre outros – não se encontrarem disponíveis nas discotecas. A tal facto somos completamente alheios, residindo o problema umas vezes na deficiente relação entre distribuidores e retalhistas, enquanto noutras a responsabilidade cabe por inteiro aos primeiros que não importam um número suficiente de discos, provocando deste modo o rápido esgotamento dos “stocks”.



Trevor Watts Moiré Music Drum Orchestra – “A Wider Embrace”

Pop Rock

14 ABRIL 1994
WORLD

Trevor Watts Moiré Music Drum Orchestra
A Wider Embrace

ECM, distri. Dargil


tw

Trevor Watts, saxofonista britânico associado à cena da “free music” inglesa dos anos 60 e 70 (Howard Riley, Keith Tippett, Barry Guy, John Stevens, Derek Bailey, AMM…), fez parte da mítica Spontaneous Music Ensemble, voltando-se, na década seguinte, para a música e os ritmos de África e formando em separado as bandas Moiré Music e Drum Orchestra que finalmente, já nos anos 90, se fundiram numa única “ensemble”. No significado da palavra “moiré” está encerrada a chave para a estética do grupo: “O padrão em constante mobilidade visível em materiais trançados com subtileza, como a seda.” Steve Reich poderia utilizar a mesma frase como metáfora para a sua música.
Em “A Wider Embrace”, os saxofones alto e soprano do inglês revolvem-se em solos torturados sobre a vaga de percussão de Nee-Daku Patato, Nana Appiah, Jojo Yates e Papa J. Mensah – músicos por cujo passado passaram nomes como Osibisa, Bob Marley, Miriam Makeba, Gil Scott Heron, Peter Green, Gaspar Lawal e Hi Tension – e o baixo de Colin McKenzie, ex-membro de outra formação paradigmática da cena “free” inglesa, os Amalgam, para a recriação de texturas recortadas da música tradicional do Gana, nomeadamente da tribo Fanti, com desvios eventuais pelo imaginário celta (em “The rocky road to Dublin”, um tradicional irlandês) ou pelos estratos profundos dos “blues”. O jazz é referido como apenas uma, entre várias influências.
A improvisação joga um papel primordial nesta música feita de transes e explosões, funcionando o saxofone, no seu papel de solista, como catalisador, ponto de fuga, encontra e desencontro das massas instrumentais percussivas. Império dos tambores sobre o qual levantam voo uma flauta “wea” ou as cintilações de água de uma “mbira”. (7)

NOTA:
Vários leitores têm protestado contra o facto de alguns discos criticados nesta página – nomeadamente o último trabalho dos Radio Tarifa, “Rumba Argelina”, ou “Gitans”, de Thierry Robin, entre outros – não se encontrarem disponíveis nas discotecas. A tal facto somos completamente alheios, residindo o problema umas vezes na deficiente relação entre distribuidores e retalhistas, enquanto noutras a responsabilidade cabe por inteiro aos primeiros que não importam um número suficiente de discos, provocando deste modo o rápido esgotamento dos “stocks”.



Mary Coughlan – “Love Me or Leave Me – The Best of Mary Coughlan”

Pop Rock

30 MARÇO 1994
REEDIÇÕES

Mary Coughlan
Love Me or Leave Me – The Best of Mary Coughlan

Warner Bros., import. Warner Music port.


mc

Nem só dos U2, das “uillean pipes” e dos “tin whistles” se faz a música popular da Irlanda. Mary Coughlan há muito que deveria ter sido coroada rainha irmã de Dolores Keane, como melhor cantora da Irlanda. Mary move-se no universo dos clássicos. Pertence à estirpe das grandes intérpretes/actrizes das inspirações alheias, que moldam à sua própria personalidade até as tornar em algo de pessoal, como se elas, as canções, tivessem sido escritas de propósito para si. Como em Marianne Faithfull ou na actual K. D. Lang, parentes espirituais desta irlandesa pouco fotogénica mas dona de uma voz magistral, Mary Coughlan segue por percursos tortuosos, alternando momentos de aparente apaziguamento com dilacerações do corpo e da alma. As desilusões amorosas e o desencanto com a vida assumem, como é costume e natural nestes casos – da felicidade não reza, ou reza pouco, a História, como dizia o outro –, um papel fulcral no desempenho formal e emocional da cantora. São canções quase sempre nocturnas, húmidas de chuva ou de álcool que, neste desafio entre o amor e a recusa que o título do álbum nos atira à cara, se colam a nós com a urgência das coisas que precisam ser ditas. E é mesmo assim: ame-se ou então abandone-se Mary Coughlan e procure-se noutras paragens o conforto que ela não pode nem nos quer dar. “Love Me or Leave Me” reúne em 70 minutos de música imaculada canções dos seus quatro álbuns de originais gravados em estúdio, alinhados segundo uma lógica não cronológica que ao ouvinte competirá decifrar: “Tired and Emotional”, cinco temas, “Under the Influence”, quatro temas (ambos de 87), “Uncertain Pleasures” (a obra-prima de 90), seis temas, e “Sentimental Killer” (92), três temas, além de “I’d rather go blind”, que não figura em qualquer destes álbuns. Só não leva nota máxima por se tratar de uma colectânea. (9)