Arquivo mensal: Novembro 2015

Coro De Monges Shomyo – concertos em Lisboa, 19 e 20 de Novembro

Pop Rock

16 de Novembro de 1994

VOZES QUE ABREM PORTAS


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Um coro “Shomyo” constituído por 250 monges “buzan” da seita budista “Shingon” vai actuar no Coliseu dos Recreios em Lisboa. “Música budista”, diz o programa, sem grandes preocupações de objectividade, mas que elucida sobre o “significado” (mais importante é o sentido) de “Shomyo”, “Buzan” e “Shingon”.
No Japão, e em particular nas suas formas religiosas, a noção de transcendência tem um significado diferente da do Ocidente. Ao contrário dos ocidentais, cuja razão (no sentido da “ratio” grega), quando desamparada, serve principalmente para criar o véu de distância e ilusão que parece separar sujeito e objecto, mundo e linguagem, Deus e homem, a coisa e a sua manifestação, a parte e o todo (eis o diabo em acção), os orientais, neste caso os japoneses, soa bastante mais lúcidos e pragmáticos. A transcendência não consiste em “sair” de um lado (do corpo e da mente, coitados, uns empecilhos…) para se elevar até ao “céu”, ao divino, ao paraíso, enfim uma maneira de tentar sair da porcaria que a cada momento continuamos a criar, mas, pelo contrário, deitar fora o que está a mais e nos é espesso e impede de sermos aquilo que nunca deixámos de ser. No fundo, uma acção de limpeza que visa descobrir, revelar a total transparência (alguém disse consciência?). Buda foi e continua a ser um homem asseado. O “Shingon” fala numa escada com dez degraus que é preciso subir para se atingir a iluminação espiritual. Paradoxo? O mesmo de um “haiku”. Não há escada.
Os monges budistas cantam não só para Deus, ou Buda, os ouvir, mas essencialmente para fazerem um enorme estrondo que abra as portas (“Abre-te Sésamo”, conta a fábula, o princípio é o mesmo) e deixe entrar a luz e a música (o raio) que houver (digamos que som e luz são uma e a mesma realidade). Duzentas e cinquenta vozes sincronizadas e vibrantes no mesmo canto/oração/frequência podem ter resultados espectaculares. Para imaginarmos um som ainda maior, refira-se que já houve “concertos” com a participação de mil monges. No Coliseu vamos assistir a um ritual em que o som tonitruante de 250 vozes vai fazer escutar o silêncio.
Já agora, para que se saiba: “Shomyo” significa “voz radiante” ou “sutra com melodia” e é uma forma de expressão vocal do budismo esotérico (oculto, revelado; não, não há contradição) que continua vivo entre os japoneses. “Sutra” quer dizer oração, apoiada num arranjo vocal especial. “Shingon” é uma das seis principais escolas do pensamento budista. “Buzan” designa uma seita “shingon” que preconiza novas formas de ensino.
No Coliseu vai acompanhar o coro de monges “Shingon” o percussionista Eitetsu Hayashi. Escutem.

CORO DE MONGES SHOMYO
19 Nov. Coliseu dos Recreios, Lisboa
20 Nov. Igreja de S. Roque, Lisboa



The Chieftains – Concertos em Lisboa e no Porto, Novembro de 1994

Pop Rock

2 de Novembro de 1994

“TUDO É MARAVILHOSO”


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Voltará decerto a ser um acontecimento. Aliás, um concerto dos Chieftains é sempre um acontecimento. Para a lendária banda orientada por Paddy Moloney, um dos reis das “ullean pipes” da actualidade, será a terceira visita ao nosso país. Depois da semidesilusão que constituiu a sua apresentação na edição de 1992 da Festa do “Avante!” e um ano volvido sobre o concerto inesquecível que rubricaram no penúltimo Festival Intercéltico do Porto, um dos melhores de sempre por um grupo de folk em Portugal. Se para o público do Norte será a oportunidade para de novo rever a excelência, não só musical mas de verdadeiros “entertainers”, dos embaixadores da música tradicional do mundo. Para os lisboetas será a possibilidade de finalmente poderem pôr as contas em dia e também eles poderem dizer que assistiram a um concerto de uma lenda.
O “MC-Mundo da Canção”, que este ano comemora um quarto de século, é responsável pelo concerto no Porto, cuja realização está integrada nestas comemorações. Na capital essa tarefa estará a cargo da Afrika.
O que se pode dizer ainda dos Chieftains que não tenha sido já dito? Pouco, nem isso é o mais importante. Para Bob Claypool, crítico de música do Houston Post, é simples: “Se existe no mundo uma música mais bela que a dos Chieftains”, diz, “então eu nunca a ouvi”. Uma coisa é certa: Paddy Moloney, Derek Bell (o harpista com aspecto de professor liceal que no Porto mostrou ser um autêntico sátiro…), Matt Molloy (simplesmente o melhor flautista vivo da Irlanda), Sean Keane (no violino em aceleração), Martin Fay (no violino guardião da tradição) e Kevin Conneff (malabarista do “bodhran” e cantor de notáveis recursos) formam uma equipa praticamente imbatível. Como garantia adicional, pelo menos em relação à data no Norte, é o facto de os Chieftains terem ficado impressionados com a cidade e as gentes do Porto. Até porque nisto de concertos folk sabe-se a importância que tem, para que os músicos atinjam o melhor de si próprios, a existência de um bom ambiente.
Se no Porto, dados os antecedentes, a enchente será um dado praticamente certo, em relação a Lisboa as características “frias” da sala aconselham a mobilização geral não só do público apreciador deste tipo de música como da boa música em geral, uma vez que a dos Chieftains não se esgota nos parâmetros da “irish folk”. Que o digam os chineses (que ouviram “The Chieftains in China), os galegos (“Celebration”), os bretões (“Celtic Wedding”), os fãs da “country” americana (“Another Country”), os devotos das grandes orquestrações (“Irish Horse”) ou astros da pop como Jackson Browne, Marianne Faithfull, Roger Daltrey, Elvis Costello e Rickie Lee Jones, entre outros (“The Bells of Dublin” e “An Irish Evening”) ou Júlio Pereira, que recentemente gravou com os Chieftains o tradicional português “Não vás ao mar, Toino”, a incluir no próximo álbum da banda.
Se a boa música é com eles e está à partida garantida, já a festa depende em grande parte de nós. Para que faço pleno sentido a frase de Paddy Moloney, sobre o que sentem os Chieftains, ao fim de 30 anos de entrega a uma paixão: “Ta gach rud to hiontach”, “tudo é maravilhoso”.

CHIEFTAINS
4 de Novembro, Coliseu do Porto
5 de Novembro, Pavilhão Carlos Lopes, Lisboa



Loreena McKennitt – Concerto, 31 de Março, Lisboa

Pop Rock

30 MARÇO 1994

A PRINCESA PROMETIDA


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A sua figura de princesa da Idade Média sugere os mitos e a simbologia célticos. Infelizmente, vista de perto, Loreena McKennitt revela-se uma figura de papel. Vem pela segunda vez cantar e tocar harpa a Portugal. Com um novo álbum na bagagem, “The Mask and Mirror”.
Nasceu no Canadá, aprendeu canto clássico e encontrou a harpa quase por acaso. É estudiosa da cultura celta e interessa-se, entre outras coisas, por literatura, pelos vários folclores do Globo e por Portugal, onde tirou as fotografias da capa e foi buscar alguma inspiração para o seu penúltimo álbum “The Visit”, cartão de visita do seu anterior concerto, há dois anos, no nosso país. Loreena McKennitt parece ter à partida vários trunfos à sua disposição. Trunfos que, na prática, desaproveita ao desbarato. Em parte, talvez, devido ao sucesso de vendas obtido com “The Visit”, primeiro álbum da sua discografia a ter distribuição internacional, pela Warner, a música desta senhora, que se adivinha cheia de boas intenções, raramente ultrapassa a beleza superficial, dispersando-se por arranjos que privilegiam o exotismo e piscam o olho aos ouvidos e sensibilidades ávidas de evasão, mas que, ao mesmo tempo, não dispensam uma certa caução cultural.
Loreena dá, no fundo, aos seus auditores aquilo que eles querem receber, pondo de lado aquilo que os poderia levar mais fundo e a outras músicas menos presas à superficialidade. Não basta ir buscar um amontoado de referências – Yeats, Shakespeare, Tennyson, Stª. Teresa d’Ávila, S. João da Cruz, Santiago de Compostela, a música indiana, sufis, cátaros, templários, os evangelhos, a mil e uma noites, África… – para depois as misturar numa sopa que, no novo álbum, “The Mask and Mirror”, mais ainda do que em “The Visit”, acaba por saber a um inofensivo exercício de “new age”, com um ligeiro aroma a tradição.
Compreende-se que Loreena queira agradar a todo o custo. As capas dos discos são por regra belíssimas – por sinal mais, até, do que a própria música –, as referências célticas são distribuídas com parcimónia por tudo o que é nota, a força evocativa da harpa (céltica, topam?), também ajuda. Tudo isto não chega nem evita que a obra de Loreena McKennitt precise urgentemente de levar um abanão.
Posto isto, o que poderemos esperar desta sua segunda apresentação em Portugal? Sem dúvida, muitas e bonitas melodias, uma voz doce como a dos anjos, doses cremosas de folclore e “imaginários” celtas, um ou outro bocejo nos momentos mais contemplativos. Deve chegar para fazer do concerto desta princesa prometida um êxito.

31 DE MARÇO
Lisboa
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
22h00