Arquivo mensal: Maio 2015

Elton John – “The One”

Pop Rock

8 JULHO 1992

COCÓ DE LUXO

ELTON JOHN
The One

LP/MC/CD Rocket, ed. Polygram

Que dizer de Elton John senão que é um grande artista? Os factos e os números não mentem: vendeu até à data 100 milhões (100, leram bem!) de discos em todo o mundo. Figura na lista dos 10 artistas que obtiveram o maior sucesso de sempre nos “tops” da “Billboard”. É ele que detém o recorde de sete (leram bem, sete!) concertos esgotados no Madison, no “huge” Madison Square Garden de Nova Iorque. Foi ele, Elton, o primeiro artista do Ocidente a conseguir mais oito (leram bem, oito!!) concertos esgotados em Leninegrado. Foi ainda ele, Elton, o primeiro artista de sempre a conseguir chegar a número 1 no tal “top” da “Billboard”. Mais, foi ainda e sempre ele, Elton, o grande, a conseguir a proeza de colocar sete (leram bem, sete!!!) álbuns consecutivos no topo do “top”.
Mas não acaba aqui a lista de proezas deste gigante da música pop. Este gigante, este mito de óculos não menos gigantescos, passou mais semanas nas listas de vendas do Reino Unido do que qualquer outro reles cançonetista ou grupeco, durante a década de 70. E se alguém, chegado a este ponto, ainda tiver dúvidas quanto à dimensão sobre-humana desta personagem única nos anais da arte contemporânea do nosso século, aqui vai o golpe final: Elton John escreveu até hoje para cima de 200 (leram bem, 200, d-u-z-e-n-t-a-s!!!!) canções. Amélia Muge ainda vai no primeiro álbum e já escreveu 600. Se o inglês sabe, vai haver bronca de certeza.
Perante estes factos esmagadores, o crítico sente-se impotente para conseguir glorificar ainda mais o semideus. Elton, “the one”, é único, a “star” glamorosa, o devorador de divisas e rapazinhos, o chapeleiro louco. Não disparem sobre ele que é apenas o tocador de piano. “The One” ultrapassa as expectativas e vai mais longe, na complexidade estrutural de canções bizarras à beira da vertigem, do que os últimos trabalhos de Phil Collins, músico com quem Elton partilha o gosto por um certo bacoco, perdão, barroco, e por um discurso inevitavelmente hermético, que permite associar as respectivas obras à escola bimboísta e a movimento “rock-cocó”.
Do que se ouviu, uma canção, pela sua simplicidade, resiste ao grande rodopio cósmico do génio em plena actividade – “Undertanding women” –, aquela em que o autor se confronta com os grandes mistérios do feminino e em que põe a nu o seu ser angustiado: “Some men reach beyond the pain of understanding women”. Elton John – que dizer? – é um artista inglês que, nos primeiros discos, teve a ousadia de cometer a ignomínia de fazer música autêntica, mas que, finalmente, entrou no caminho certo, que vai dar aos números acima referidos. É verdade, a capa foi idealizada pelo mago da moda Gianni Versace. Também é muito cocó. (1)

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Maggie Reilly – “Echoes”

Pop Rock

13 MAIO 1992

MAGGIE REILLY
Echoes

LP/CD, Electrola, distri. EMI-VC

mr

Enya, comparada com Maggie Reilly, quase parece Stockausen, de tal modo a música desta tem a consistência do vazio. Maggie Reilly é a menina que emprestou a voz alguns xaropes de Mike Oldfield, da fase decadente. Recorde-se, por exemplo, uma canção como “Moonlight shadow”, que até tinha uma melodia insinuante e curava as constipações. Mas a Maggie Reilly não chegavam as virtudes farmacêuticas. Quis ser artista.
O resultado é um álbum de patetices cor-de-rosa, florido e doce até ao enjoo. A voz da menina faz lembrar a fada Sininho, uma voz agradável, que se suporta à vontade durante uma mão cheia de segundos. Depois, torna-se um pouco como a tortura chinesa de ruído da gota de água que acaba por enlouquecer. “Echoes” é sinónimo de brancura, recomendado por todas as máquinas de lavar. (3)

parte 1
parte 2



XTC – “Nonsuch”

Pop Rock

29 ABRIL 1992

MELODIAS DE SEMPRE

XTC
Nonsuch
LP/ CD Virgin, distri. Edisom

Aconteceu o mesmo com “Skylarking” e “Oranges and lemons”, os dois trabalhos dos XTC anteriores a este “Nonsuch”. À primeira audição as canções parecem vulgares, vagamente conhecidas de outras ocasiões, decalques e retalhos de refrões anteriores. Mas fica sempre qualquer coisa, o apelo de melodias irressistíveis que invariavelmente levam a que se ouça o álbum outra e outra vez. Como por magia, a cada audição as transfiguram-se, vão revelando insuspeitadas riquezas, começam a possuir-nos e por fim já não as conseguimos largar.
Na tradição dos grandes excêntricos britânicos com Syd Barrett e Kevin Ayers, Andy Partridge, cérebro e principal estratega dos XTC, observa a realidade através de um caleidoscópio. Cada canção de “Nonsuch” é um mundo à parte, com regras próprias ditadas pela mente de um lunático apaixonado pelos anos 60, por um refrão perfeito e pelos malabarismos que o humor “nonsense” autoriza.
Música de imagens e de pequenos arcaísmos, desde logo evidentes nas pequenas gravuras alusivas a cada canção e no “Map of Surrey”, datado de 1611, da autoria de John Speed, representado na capa. Andy Partridge, Colin Moulding e Dave Gregory procedem como artesãos de antiguidades douradas, na minúcia de arranjos em que as surpresas instrumentais acontecem a cada instante.
As técnicas de composição não são menos inusitadas: “The ballad of Peter Pumpkinhead”, onde alguns viram sucessivamente o retrato de John Lennon, John Kennedy e Jesus Cristo, narra na verdade as várias fases de crescimento de uma abóbora; “Books are burning” versa a polémica dos “Versos satânicos” de Salman Rushdie e foi composta a partir da estrutura de “I get around” dos Beach Boys; “Omnibus” surgiu na sequência de uma gravação de “See Emily Play”, de Syd Barrett, tocada em velocidade no estúdio; “Wrapped in grey” é, segundo Partridge, um cruzamento de Burt Bacharah com Brian Wilson, ou seja Burt Wilson; “Crocodile” é “pop barulhenta sobre o ciúme”; em “The smartest monkeys” acentua-se o “lado fortemente nasal da coisa”. Nunca o termo “composição” fez tanto sentido. Quanto a si próprio, Andy Partridge define-se como um híbrido de Walt Disney com Benito Mussolini…
“Nonsuch” é composto por 17 canções que são outros tantos manifestos da arte do pormenor. Escritos segundo directivas como “toque como se estivesse à beira de um abismo” ou “toque como se estivesse a andar de bicicleta na Bélgica”, um pouco à maneira de Brian Eno e das suas estratégias oblíquas. Uma inflexão da voz, um desvio súbito na progressão melódica, a eclosão de um apontamento instrumental aparentemente despropositado remetem para álbuns de Eno como “Taking Tiger Mountain (by strategy)” ou “Another green World” e constituem o próprio cerne de toda a estratégia dos XTC, capaz de tornar uma melodia que à superfície pode parecer demasiado simples e familiar numa pequena sinfonia. (8)

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