Pop Rock >> Quarta-Feira, 15.07.1992
O ARTISTA ÓPTICO
Na quinta-feira à noite, no Estádio de Alvalade, vai haver barraca de certeza. E não se trata sequer da cobertura da bancada. Elton John tem uma especial vocação para se tornar notado. Não há muitos como ele, cuja simples presença em palco chega para provocar uma boa gargalhada.
“Vais ao Elton John?” será decerto a pergunta mais ouvida durante estes dias que antecedem a vinda do cantor a Portugal, pelos frequentadores dos concertos de estádio. Ir ou não ir, eis a questão. Há quem não goste de se meter em bichas, da confusão, de se sentar na relva, e prefira ficar em casa. Quanto a Elton John, não tem dúvidas: Guerra e guerra.
De entre as várias categorias de artistas pop existentes no mercado – génios, talentosos, funcionários, foleiros, estrelas, intelectuais, populistas, betos, drogados, “outsiders”, conceptualistas de cabelos compridos, de cabelos curtos, carecas, “artistas”, etc. – Elton John inclui-se na faixa estreita dos “barraqueiros”, dos que gostam de dar nas vistas e para quem o “show business” é, na essência, uma “passerelle”. Até o nome artístico é uma piada: Elton, de Elton Dean, saxofonista da banda de “free-rock” Soft Machine, mais John, de Long John Baldry, um “crooner” da época. Uma escolha acertada para alguém cujo verdadeiro nome é Reginald.
Gorila
Desde cedo o cantor começou a evidenciar sinais de uma incontrolável tendência para se fazer notado. Uma vez, há muitos anos, num concerto dos Stooges – uma das suas bandas favoritas -, Elton não resistiu a entrar no espectáculo e saltou para o palco mascarado de gorila, decidido a participar numa “jam session” original. Infelizmente o fecho da máscara encravou e não havia maneira de provar a sua identidade, acabando o primata por ser corrido do palco pelos seguranças. Foi salvo pelo próprio Iggy Pop que, reconhecendo de imediato o artista por detrás do gorila, apresentou: “Senhoras e senhores, Elton John!”
Noutra ocasião o cantor ficou fascinado pela figura de Esther Williams, como aparece na montagem de velhos musicais da MGM, “That’s Entertainment”, emergindo resplandecente da piscina com fogo-de-artifício em volta da cabeça. Imagem, para si, da “grande arte”, que jamais o abandonaria, ao ponto de ele próprio, na “tournée” seguinte, iniciar o seu show, da mesma maneira: saindo de uma piscina com estrelinhas a tremelicar na cabeça. Noutra ainda, surgiu vestido de freira. Era o exemplo consumado do chamado “camp rock”, terreno onde se movimentaram, entre outros, Gary Glitter, Marc Bolan, New York Dolls, Brian Eno e David Bowie. Já antes desbravado por personagens como Little Richard e Liberace, do qual Elton John foi e continua a ser um dos principais cultores.
A Grande Arte Ocular
Assim, não espanta que os principais atributos artísticos de Elton John sejam os óculos (a obsessão binocular vem de longe, da admiração por Buddy Holly, por Nana Mouskouri, Bonnie Bramlett e Dory Previn – das poucas cantoras “caixa-de-óculos”), chapéus, cabeleiras “pompadour” e, como adereço, eventualmente um piano. E, já agora, canções. Quase todas escritas de parceria com Bernie Taupin, com quem trabalha desde há 25 anos.
Sobretudo o vestuário é muito importante, como de resto se pode depreender das fotografias. Elton John privilegia o “look” acima de tudo. Ele tem essa sorte de saber escolher para cada ocasião, o fato mais espampanante, os óculos mais “rococó”, as perucas mais “glamourosas”. Ele é o que podemos chamar um verdadeiro “lucky luck”.
Para além de cantar mais rápido do que a própria sombra, Elton John gosta de futebol, e em particular do “seu” Watford, clube que adquiriu e que, nos anos 80, sob a presidência do cantor, ascendeu da III à I Divisão. Ficaram célebres na época as palavras que então proferiu, de incitamento aos jogadores: “Os jogadores não são bem aconselhados e as exigências que lhes são feitas são parecidas com as das estrelas pop, pelo que posso trazer alguma da minha experiência em benefício destes jogadores.“ Sem dúvida que trouxe.
“One Man Show”
Correram histórias estranhas sobre o cantor, como as suas hipotéticas más relações com os “roadies”, a quem supostamente Elton causaria maus tratos e outras coisas do género. Ele desfez de imediato as dúvidas: “Adoro os meus ‘roadies’, sempre fui simpático com eles e nunca lhes fiz mal, nunca lhes bati nem nada do género. Pelo contrário, eles é que costumavam amarrar-me e bater-me. É por isso que os adoro.” É isto o rock ‘n’ rol, com toda a sua carga de prazer e violência que Elton John assume de forma muito pessoal.
Depois foram as perfídias do costume: a sida, com alguns jornais a proclamarem a morte próxima do cantor e triunfo dos bons costumes sobre a devassidão. Evidentemente que com a vida que leva Elton John arrisca-se. Mas, por enquanto, ele aí está com o bom mau aspecto de sempre e pronto para mais uma barracada. Ninguém lhe leva a mal e até lhe devemos agradecer alguns momentos de boa disposição. Há muito que Elton assumiu o rock como uma actividade circense e em Alvalade será de esperar do velho Reginaldo um verdadeiro “one man show”. Ou qualquer coisa parecida.