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Vitorino – “Anos 60-70, As Saudades” (Concerto)

POP ROCK

3 de Maio de 1995

Saudades ao estetoscópio


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Vitorino, depois de “Fados Meus”, de Paulo de Carvalho, e de “Só”, de Jorge Palma, será o próximo artista a apresentar-se na atmosfera especial e sem artifícios dos Concertos Íntimos, que estão a decorrer no auditório do antigo Cine-Teatro do Casino Estoril. Uma tentativa, para Vitorino, de recuperar o conceito de “temporada”, característico da “escola francesa, de ficar uns tempos num teatro”. “Anos 60-70, As Saudades” foi o título genérico escolhido pelo artista para designar a linha geral que orientará cerca de duas horas de canções ligadas à história e às memórias daquelas duas décadas. Uma ideia que parece ter sido criada de propósito para o autor de “Leitaria Garrett”, já que Vitorino é uma espécie de enciclopédia viva de uma época em que os actos se regiam por ideais e não por interesses, como hoje é norma acontecer. Lisboa, o Alentejo, a errância pela Europa, lutas e camaradagens várias, cruzam-se na vida e no imaginário de Vitorino como num caleidoscópio.
Em toda a discografia do cantor é visível esse interesse pela natureza íntima das coisas, pelas razões e pelas emoções irrisórias, mas que, não poucas vezes, mais do que os grandes manifestos de intenções, fazem mover as pessoas e evoluir os lugares. Sabe-se do conhecimento e do gosto de Vitorino pelos salões de dança, pelos passos que conduzem à paixão, pelas horas mortas em que tantas vezes uma vida se decide. Os boleros, os tangos – “um imaginário muito presente na música portuguesa, havendo mesmo grandes compositores em Portugal deste género musical, como o Cruz e Sousa, que compôs para o Tomás Alcaide” – as quermesses e os bailes de finalistas, os bairros e as suas tentações. Com tudo isto Vitorino se cruzou, a par do convívio, directo ou indirecto, com as músicas e as atitudes importadas do estrangeiro. Os ideais e a revolução, deixaram marcas na sua música. Vitorino canta a cidade e o campo, as vielas e os montes, as noites de sol e os dias de luto. Anarquista por vocação, fez-se cantor por devoção.
Por isso a sua voz soará talvez com maior força – decerto, mais próxima e com outras “As Mais Bonitas” para cantar – numa pequena sala do que debaixo dos holofotes gigantes e da antropofagia das massas. Uma celebração de nostalgia? Talvez, se considerarmos que a música não passa de uma sucessão de modas e de um corte sistemático com o passado. Porque, sob as luzes mais baixas do pequeno auditório do Casino, Vitorino vai cantar os extremos da música portuguesa, se Zeca Afonso a Tony de Matos. Mas também as canções estrangeiras dos anos 60 e 70, dos Beatles – “uma música já muito evoluída nos anos 70, em relação aos serões para trabalhadores que se fazia em Portugal, que eram de um conservadorismo e um hermetismo a toda a prova, existindo só por teimosia, uma teimosia beirã, a teimosia do Botas. Isso reflectia-se em toda a música portuguesa, que só começou a mudar com o Adriano e com o Zeca” – de Gianni Morandi, de Jacques Brel, entre tantos outros, “que influenciaram a juventude e a própria música portuguesa” destas duas décadas. Segundo “um olhar irónico e com algum humor”. Vitorino recorda ainda, pondo alguma pimenta nas palavras, essa época “em que havia cantores, hoje muito presentes, que diziam que a língua portuguesa não prestava para cantar”.
Com o cantor, recentemente chegado de alguns espectáculos de boa memória em Goa – “lá têm uma admiração cega pela cultura e língua portuguesas, e saudades de um tempo que, se calhar, era melhor” -, vão estra em palco, em mais este “concerto íntimo”, Janita Salomé, Filipa Pais, que cantará a Billie Holiday e a Ella Fitzgerald, “cantoras eternas, cujos ‘hits’ estiveram bastante presentes nos anos 60 e 70”, e André Cabaço, juntamente com o pianista Vasco Gil, também responsável pelos arranjos musicais, o baterista Rui Alves e o percussionista Quim N’Jojo.
Vitorino, visto à lupa e escutado ao estetoscópio.

VITORINO
“Anos 60-70, As Saudades”

Auditório do antigo Cine-teatro do Casino Estoril
4, 5, 6 e 7 de Maio



O Regresso Dos Clássicos – artigo

Pop Rock

5 JANEIRO 1994
O ANO EM MÚSICA POPROCK PORTUGUESA

O REGRESSO DOS CLÁSSICOS


1111

Em 1992 o ano passado passou a sê-lo menos, na música popular portuguesa. Obras fundamentais de décadas anteriores perderam a poeira, os riscos e a “patine”, para se apresentarem de cara lavada no formato digital. Os novos têm desde agora ao seu dispor compêndios onde podem dar de beber à inspiração. Claro que muito ficou por reeditar, mas o caminho parece estar traçado, sem hipótese de retorno.

Durante os primeiros seis meses foram reeditados em Portugal e em CD algumas obras fundamentais da música de Cabo Verde. Primeiro a rainha da morna, Cesária Évora, com “Destino de Belita”, o menos conseguido, “Mar Azul”, um dos discos mais belos de sempre da música lusófona, e “Miss Perfumado” que, só em França, já vendeu para cima de 50 mil exemplares. No mesmo mês chegou aos escaparates outro nome mítico da música das ilhas, António Vicente Lopes, ou Antoninho Travadinha, com “Travadinha – Le Violin du Cap Vert”.
Junho foi o mês da chegada de mais mornas, desta feita assinadas por B. Leza, na voz de Titina. Vitorino foi o primeiro português a merecer honras de reedição. “Leitaria Garrett”, o já clássico retrato de Lisboa do princípio do século, aí está de novo, liberto de ruídos e preconceitos. Já perto do final do ano, o cantor alentejano viria a reincidir, lançando uma colectânea que inclui as canções por si consideradas “as mais bonitas” da sua carreira. Enquanto isso o seu irmão Janita Salomé soltava o “cante” alentejano e outros ventos ainda mais a sul com “Melro”. Em Setembro Pedro Caldeira Cabral mostrou na guitarra portuguesa as suas fusões com a tradição e a música de câmara em “Pedro Caldeira Cabral” e “Duas Faces”. Em minidisc saíram entretanto “Fados de Coimbra”, Traz Outro Amigo Também” e “Cantigas do Maio”, de José Afonso.
Já em Dezembro chegou a vez das homenagens. Vicente da Câmara, José da Câmara e Nuno da Câmara Pereira evocaram os fados e a música de Maria Teresa de Noronha, falecida este ano, em “Tradição”. Homenagem a Maria Teresa de Noronha”. Na calha estão o disco de homenagem a José Afonso, que levará a assinatura da maior parte dos nomes mais conhecidos da nossa cena musical, e outro em que o homenageado será António Variações, com edição prevista já para este mês.
Quem não esperou pelo novo ano foram os Castro e Barius que em “Tributo” “assassinam” a música de José Afonso, Fausto e Vitorino. José Afonso que, se fosse vivo, teria gostado de ver as reedições em compacto que se fizeram de “Galinhas do Mato” e “Zeca Afonso no Coliseu”.
Com a “Pedra Filosofal” voltou a obra de Manuel Freire. Por cumprir fica a promessa de reedição em caixa da obra completa de Adriano Correia de Oliveira. Outras duas caixas de triplos CD’s, entretanto já lançadas, são: uma de declamação de poesia pelo grande João Villaret, outra com “O Melhor” da fadista castiça Hermínia Silva.
“Cavaquinho”, de Júlio Pereira, encetou entretanto a reedição dos primeiros trabalhos deste artista, na mesma altura em que a Banda do Casaco começava pelo fim, lançando as edições em compacto de “No Jardim da Celeste”, “Também Eu” e “Banda do Casaco com Ti Chitas”, deixando para a próxima os quatro álbuns que faltam. A canção ligeira do final dos anos 60 foi recordada através de “Os Primeiros Êxitos” de Carlos Mendes e Fernando Tordo, os mesmos de Falas Tu ou Falo Eu.
Finalmente, num ano que assistiu ao renascimento do rei do twist Vítor Mendes, não causou surpresa o reaparecimento e recuperação de bandas ié-ié dos 60 como os Sheiks e o Conjunto João Paulo. E porque não começar o novo ano a ouvir “A lenda de el-rei D. Sebastião” e “Balada para D. Inês”, duas canções que puseram o comboio em andamento, incluídas na colectânea “A lenda do Quarteto 1111”?

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Música Portuguesa, Que Futuro?

[…]

Vitorino – “Se pudesse, gostava de cantar em sérvio, ou em gaélico. Em inglês é que não… Por isso é que comecei a cantar em castelhano [num álbum recente, “La Habana 99”, com reportório cubano e a presença do Septeto Habanero]…”
“Os textos em inglês que muitas bandas cantam estão sintacticamente errados.”

Amélia Muge – “Nada do que o Fernando Pessoa escreveu em inglês o impediu de escrever o que escreveu em português. E o Eça teve um cargo importante no consulado em Paris. Eu canto em português, porque é a maneira de resolver, em mim própria, influências que recebo de muitos sítios. Fazer uma canção com a mesma matéria, a mesma língua, com que penso. Um poema é, antes de mais, uma base de trabalho sonora”

Miguel Cardona – “Escrevo em português e em inglês. Quando é um ‘rapport’ autobiográfico, escrevo em português. É a única via para ser sincero comigo mesmo. As coisas não me acontecem em inglês. Nas quando aio da minha vida, já posso recorrer ao inglês.”

Jorge Dias – “Está associada a quem canta em inglês uma ideia de antipatriotismo. É uma estupidez completa. Não há coisa que mais me entristeça do que poder absorver uma islandesa como a Björk, uns judeus belgas ou uns tipos franceses, todos a cantar em inglês, e não conseguir ver ninguém do meu país a conseguir vingar lá fora, a conseguir mostrar que em Portugal se fazem coisas tão actuais e tão interessantes como no resto da Europa, sem ser remetido para a categoria do exotismo.”

Rui Reininho – “Os brasileiros apropriaram-se da linguagem de computador e já falam em ‘downlodar’ ou ‘browsar’.”
“No outro dia reparei num cartaz de uma ‘rave’. É impressionante como se faz uma solicitação destas sem uma única palavra em português. É uma tentativa de globalizar. Em Atenas ou no Senegal seria a mesma coisa. É tudo a mesma tribo.”
“É importante a defesa da língua portuguesa. Aprendi um bocado isso com os nossos amigos galegos. Não lhes passa pela cabeça cantar em inglês. E, se calhar, em certos aspectos, até são mais modernaços do que nós.”

Miguel Cardona – “Os espanhóis dobram tudo. Tem a ver com uma certa ideia de nação. Nós, enquanto artistas, reportamo-nos muitas vezes a coisas exteriores. Um guitarrista fala do seu ‘amp’, num som de “Rhodes”, há toda uma linguagem corrente em inglês.”

FM – O presente, parte 2. As editoras são as bruxas da história, porque só promovem o produto que vem de fora. Os “media” são vilões, porque só escrevem sobre música chinesa. O Estado não apoia. Há preconceitos e barreiras a romper.
Miguel Cardona – “O rock cantado em português não sofre da mesma injecção de espuma que o inglês. É possível ler nos jornais ‘revivals’ de Bob Dylan ou Pink Floyd, com a cumplicidade de toda a gente, que não passam de meras manobras de promoção de limpeza de fundo de catálogo. Com certeza que não vão buscar os NZZN ou os Tantra e promovê-los na América…”

Vitorino – A rádio não passa música portuguesa, enquanto as percentagens de música anglo-americana são brutais. O Ministério da Cultura só dá força ao cinema. Tem que começar a apoiar a música portuguesa. Os Beatles foram condecorados pela Rainha.”
Jorge Dias – “As bandas que cantam em inglês também não passam na rádio. Não por cantarem nesta ou naquela língua, mas porque não têm o apoio de uma grande campanha de ‘marketing’. Não há critérios de avaliação. As pessoas limitam-se a colar-se a modelos de sucesso. Como, com raras excepções, não se consegue criar cá nenhum desses modelos, ninguém liga. Quem está nos centros de decisão pertence à geração do Rui, dos que conquistaram para a música a língua portuguesa, mas que, de repente, fecharam os olhos. Existe hoje um caciquismo, entre aspas, nos ‘media’ e, sobretudo, nas editoras. Apresenta-se uma banda a cantar em inglês e é recusada só por esse facto, nem sequer chegam a ouvir.”

Rui Reininho – “Tenho pena de que ninguém tenha rompido aquela barreira do meio milhão de discos. Toda a gente encravou nos 300 mil. É uma barreira psicológica.”

FM – O futuro. Globalizar ou resistir. O que é que podemos fazer?
Talvez socializar.

Amélia Muge – “As coisas que vêm do Norte têm uma conotação de tecnologicamente mais avançadas, enquanto o étnico estaria umbilicalmente ligado a um certo terceiro-mundismo. A imagem da música, da cultura portuguesa, enquanto for passivamente vendida sob estas conotações de mercado, tem que submeter-se à máxima do ‘quanto mais étnico ‘ melhor. Se calhar o circuito que vende os Madredeus não é o mesmo que vende a música tradicional portuguesa, no seu sentido folclórico.”

Vitorino – “Há uma grande música deste século, a música anglo-americana dos anos 60 e 70, conotada com um movimento social universal. Depois entrou numa decadência horrível, quando começou a ficar visual, a ouvir-se através dos ‘clips’. Subverteu-se a escuta. No Midem latino de Miami as estatísticas afirmavam que nos últimos três anos a música anglo-saxónica já tinha perdido no mundo um espaço de 6 por cento para as músicas de expressão castelhana. A única possibilidade que temos de exportar uma música cantada em português no mundo é fazer uma aliança com os brasileiros, como os espanhóis têm com toda a América Latina e as Caraíbas. Infelizmente os brasileiros fecharam-se a nós nos anos 60, coincidindo com a ditadura.”
“A salvação é a socialização dos meios. Dentro de uns dois anos eu ou o Rui Reininho podermos gravar em casa sozinhos. Os anglo-saxónicos inventaram os ‘media’ e nós vamos aproveitar e socializá-los.”