Cultura >> Quinta-Feira, 28.05.1992
Estreia Em Disco De Amélia Muge
Uma Voz Tão Grande Como Uma Galáxia
Amélia Muge é senhora de uma voz e de um canto fabulosos. Tudo o resto é supérfluo. Terça-Feira, na Sala Estúdio do Teatro S. Luiz, a União Portuguesa de Artistas de Variedades fez a apresentação pública da estreia em disco da cantora: “Múgica”. Amélia Muge interpretou ao vivo algumas das canções e foi o assombro. Negros o vestido, os olhos e o cabelo. O canto, uma galáxia capaz de abarcar as fronteiras mais distantes que a voz pode alcançar. É urgente descobrir esta cantora que há anos acompanhou José Afonso e, há menos tempo, fez parte do grupo de Júlio Pereira.
Amélia Muge não se limita a cantar. Ela existe e vive através desse cantar. Faz teatro enquanto canta, mas um teatro de dentro, como o definiu Pessoa, feito de gestos inevitáveis que o corpo encena na génese dos sons. Cada canção pede a diferença e Amélia Muge em todas elas encontra o registo que melhor se lhes adequa. Em “O sol (esse que dizia”) projecta-se nas ornamentações arabizantes características das paisagens do Sul. “Em Mértola” é dramatismo e em “Papãozinho” o mistério de uma caixa-de-música; marcial e irónica em “E viva a paz”; distante e próxima, toda a água e serenidade de um lago, entre a escuridão do fundo e a luz da superfície, em “Quem à janela”; sarcástica, em “Mariazinhas”. Os arranjos musicais levam a assinatura de António José Martins, a quem devem grande parte da originalidade. Amélia Muge compõe toda a música. Os textos são da sua autoria, da irmã, Teresa Muge e de João Pedro Grabato Dias. Um deles, de Luís de Camões.
No disco, acompanham Amélia Muge, músicos como Paulo Curado, Carlos Bica, Yuri Daniel, José Peixoto, António Chainho, Rui “Dudas” Pereira, Paulo de Carvalho e o próprio António José Martins. Ao vivo será possível, e muito aconselhável, vê-la e ouvi-la (as duas coisas são importantes), sábado e domingo, às 22h, na mesma sala onde decorreu a apresentação. Acompanhada por António José Martins, nos sintetizadores e guitarra braguesa, e Catarina Anacleto, no violoncelo.
“Múgica” é música e marca. Há urgência, repete-se, em conhecer o disco e a sua aura. Na capa, Amélia Muge agradece às leis de atracção universal.