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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #92 – “Mulholland Drive (FM)”

#92 – “Mulholland Drive (FM)”

Fernando Magalhães
28.03.2002 140225
O filme é de uma lógica terrífica.

Trata-se da mais virulenta e mortífera análise (crítica?) a cinema, e em particular a Hollywood, que alguma vez vi, apenas com paralelo em “Barton Fink”, dos irmãos Cohen.

lembrem-se da 1ª e da última imagem: fantasmas. Os anjos de Los Angeles são espectros que a cidade cria e dos quais se alimenta.

O filme, entre outras “histórias”, conta a transformação de uma pretendente a estrela de cinema em fantasma.
Chega a Hollywood repleta de sonhos (toda a sequência inicial apresenta a “perfeição” da “middle class” americana muito querida de Lynch.

O cinema devora o espírito, ao transformar a vida em imagem.
O ator é vampirizado pelas suas próprias alucinações. Toda a cena do Club del silêncio” é sintomática… “não existe banda, não existe música. Basta imaginá-los para eles aparecerem. Está tudo GRAVADO NA FITA!”

Toda a primeira parte é uma alucinação da tal loura pretendente a atriz. Há o que ela gostaria que tivesse acontecido, e o que aconteceu “realmente”.

Na cena final do jantar. A morena para a loura: É uma atrizeca secundária, DEIXEI-A ENTRAR EM ALGUNS DOS MEUS FILMES!”

Aqui a coisa fia mais fino. Esquizofrenia. Manipulação. Ela, a loura (e nós, pelo cinema…) somos sugados para dentro da alucinação de outrem. Passando a ser personagens do sonho de outrem.

“Mulholland drive” é a estrada (mais o atalho, o “caminho secreto”) que leva à loucura.

Cena da câmara com o velho na cadeira de rodas. Cena recorrente no cinema de Lynch.
Trata-se do interior de uma…câmara de filmar. O velho é o prisma, que inverte a luz, da mesma maneira que o cinema inverte a realidade.
Repararam que além do velho estão lá outras duas personagens? Uma delas fala lá para dentro ATRVÉS DE UMA PORTA DE VIDRO – a lente.

O “monstro” é parecido com o cadáver da morena, notaram?

O medo, indutor de todos os pesadelos.

O mais pavoroso de tudo é que, ao invés de “Uma História Simples” (em que há uma lógica linear, de A para B), é que “Mulholland Drive” é um ciclo fechado.

Alguém sonha alguém que irá sonhar o autor do sonho. Pescadinha de rabo na boca. A esquizofrenia é isto. A mente como um quarto fechado, sem portas de saída para o “mundo real”.

Há muito mais coisas, mas agora vou ter que almoçar.

Até já e evitem falar de sexo

FM

Julee Cruise – “The Voice Of Love”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


O AMOR DORMENTE

JULEE CRUISE
The Voice Of Love
Warner Bros, distri. Warner Music



Julee Cruise é a cantora da perversão. Aparece na capa queimada de vermelhos, imagem de paixão, mãos postas para cima, em louvor aolado de baixo. Mas reparem: lá estão os nomes de David Lynch, autor dos textos, e Angelo Badalamenti, autor das músicas, afinal os verdadeiros mestres da perversão. Julee, como já acontecera no seu álbum de estreia, “Floating into the Night”, e nas suas participações como actora / cantora em Twin Peaks e nesse objecto cinematográfico / circense / musical, simultaneamente belo e aberrante, que é “Industrial Symphony”, faz de boneca animada nas mãos daqueles dois manipuladores.
“The Voice of Love” é um álbum em que a palavra “amor” quer dizer “perdição”. Não se perder no outro, mas na ausência e no vazio. O “amor”, para Lynch e Badalamenti, é uma bebedeira de clorofórmio que faz ver a realidade filtrada através do torpor dos sentidos À deriva num útero apodrecido. Julee volta a ser a cantora do “cabaret” dos pesadelos, figura franzina, olhos desamparados que fingem inocência, uma voz que desfalece, em canções que escorrem devagar, hipnóticas, com a textura do veludo que desta feita não é azul mas vermelho.
Tudo decorre como se cada canção fosse desacelerada até cair em ponto morto, aí se instalando como lugar de sedução, de coisas lentas, mornas e viscosas. Do “reggae” quase estático de “This is our night”, ao momento mais perturbante do disco, “Up in flames” (“my head’s full of smoke, my heart’s full of pain”), em que uma sirene longínqua (“I know those sirens scream my name, I know my oove’s gone”) jamais trará consigo o refrigério para a dor mais insuportável que existe: a dor da perda. “You should’ve shot me, baby, shot me with a gun.” O inferno é que o tiro nunca chegará a ser disparado – “Until the end of the world”, como diz o tema, aqui incluído, que Wim Wenders aproveitou para o seu filme.
Nada melhor, para perceber o que se esconde por detrás desta aparente efusão de sentimentos, do que recordar a cena inicial de “Blue Velvet”, em que a câmara mergulha do azul do céu para as profundezas putrefacatas da terra e a escuridão interior de uma orelha mutilada. Julee Cruise é a cantora escondida no interior de um aquecedor de sala, que canta “In Heaven” (pois a perversão, ao mais alto grau, é a inversão…), enquanto esmaga vermes com os pés, alucinação no interior da alucinação, de “Eraserhead”, estreia cinematográfica de David Lynch. “The voice of love” é ainda o mesmo amor venusiano e luciferino que Isabella Rosselini canta em “Blue Velvet”. Algures, Laura Palmer sorri… (7)

Jocelyn Montgomery & David Lynch – Lux Vivens

18.02.2000
Jocelyn Montgomery & David Lynch
Lux Vivens (7/10)
Mammoth, distri. Edel

jmontgomery_davidlynch

LINK

Antes de lerem seja o que for, olhem para a fotografia da jovem que aparece na capa. Apetece ir logo a correr ouvi-lo, não é verdade? A curiosidade aumenta quando verificamos que a dita jovem é uma cantora e violinista de música antiga que estudou na Purcell School of Music, em Harrow, na Escócia, trabalhou com o grupo Sinfonie, especialista no reportório medieval, entrou em vídeos de Dave Stewart e dos Verve, foi actriz em filmes independentes, e trabalhou como… modelo. Depois, o que é que David Lynch tem a ver com esta história? Bom, o cineasta rei da paranóia contemporânea sempre gostou de música. O realizador do recente “Straight Story” montou entretanto o seu próprio estúdio e resolveu envolver-se com a bela Jocelyn neste projecto de “Luz Viva” em que ele e ela recriam algumas das canções compostas no século XII pela abadessa, mística, teóloga, herbalista e poetisa Hildegard Von Bingen, um nome bem conhecido no seio da música antiga. Dados os antecedentes de Lynch não seria de esperar um álbum “medievalista” tradicional e é isso que acontece, apesar de todo o aparato de imagens – desde as belíssimas e misteriosas fotos da abadia beneditina onde viveu a abadessa até uma faixa de CD-ROM com vídeo incluído – que o envolve. “Lux Vivens” soa como uma sessão de “Vox de Nube” de Noirin Ní Riain com sintetizadores em vez do coro de monges ou como uma projecção astral de “Aion” dos Dead Can Dance. Bem bonito. O próximo filme de Lynch deverá chamar-se “Nuns on Acid” e da bela Jocelyn espera-se que para a próxima desfile modelos de “lingerie” enquanto canta.