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Spring Heel Jack + Gianluigi Trovesi + Dave Holland Big Band + Carlos Barretto Trio + Bernardo Sassetti + Wayne Shorter + Joe Giardulo, Joe McPhee, Mike Bisio, Tani Tabbal + Roscoe Mitchell & The Note + Branford Marsalis + Andrew Hill + Mark Dresser Trio + Billy Cobham + Mat Maneri + Charles Lloyd + Tom Harrel – Balanço Do Ano 2002 (artigo de opinião / críticas de discos / balanço do ano / 2002 / jazz / listas)

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sábado, 4 Janeiro 2003

>> Balanço do ano 2002



2002 foi ano de grande jazz em português. A nova editora Clean Feed deu o mote, lançando para o caldeirão dois clássicos instantâneos, com as assinaturas de Carlos Barretto e Bernardo Sassetti. Lá fora, o “free”, o “pós-free” e o que virá a seguir rivalizaram com manifestos de afirmação por alguns dos clássicos eternos, num ano que foi também de boas reedições. À frente de todos pusemos o disco, dos Spring Heel Jack, que mais tem dividido as opiniões. Prova de que, afinal, o jazz conserva intacto o dom de provocar.

01 |
Spring Heel Jack
Amassed (Thirsty Ear, distri. Trem Azul)
Saído das mentes distorcidas, mas livres e visionárias, de dois homens que não faziam parte do jazz – John Coxon e Ashley Wales –, “Amassed”, depois do ensaio prévio que é “Masses”, revolucionou os parâmetros do jazz eletrónico, samplando o que, no passado, pertencera ao domínio do analógico nas visões orquestrais de George Russell ou nas pulsações barrocas do “Synthesizer Show” montado por Paul Bley e Annette Peacock, numa catedral de alucinações que serve de suporte à “free music” remodelada em espiral de loucura por alguns dos seus expoentes – Evan Parker, Han Bennink, Paul Rutherford, Matthew Shipp e Kenny Wheeler. Se até o “bebop”, por altura da sua génese, foi considerado o “fim do jazz”, e Coltrane vaiado como uma farsa, como não conceder igualmente aos SHJ essa suprema honra de provocar em doses iguais a paixão e a repulsa?

02 |
Gianluigi Trovesi
Dedalo (Enja, distri. Dargil)
Celebração orquestral com a WSR Big Band alemã, Markus Stockausen (trompete), Fulvio Maras (percussão) e Tom Rainey (bateria), “Dedalo” recupera o clássico “From G to G”, remontado-o num labirinto onde se cruzam os caminhos do “vaudeville”, Zappa, Ellington, Gil Evans, Don Ellis, jazz progressivo e jazzrock, moídos, destilados e incendiados por uma imaginação delirante. O homem é um feiticeiro.

03 |
Dave Holland Big Band
What Goes Around (ECM, distri. Dargil)
Alguma da música “antiga” deste notável contrabaixista é aqui tornada matéria de novos “standards” pessoais, em formato de “big band” a dar mais volume e cor ao habitual quarteto que tem acompanhado Holland nas suas últimas realizações para a ECM. Enriquecimento e desafio numa proposta de criação de um território instrumental onde leitura, arranjos e improvisação se confundem.

04 |
Carlos Barretto Trio
Radio Song (ed. e distri. CBTM)
Enquanto solista, voz dialogante ou peça de suporte, Barretto confirma a maturidade e a segurança dos seus recursos técnicos, num álbum de múltiplos matizes que conta com a mais-valia do músico francês Louis Sclavis.

05 |
Bernardo Sassetti
Nocturno (Clean Feed, distri. Trem Azul)
Gravado em ambiente de “verdadeira magia” na Quinta de Belgais, “Nocturno” é uma incursão impressionista nos meandros mais íntimos do piano. Como Bill Evans, Sassetti cria a partir da célula e a partir dela inventa a noite.

06 |
Wayne Shorter
Footprints Live! (Verve, distri. Universal)
Trata-se, por incrível que pareça, do primeiro álbum ao vivo deste notável executante dos saxofones tenor e soprano, antigo “sideman” de Miles e cabeça falante dos Weather Report. Impressiona a energia e o lirismo de uma música que alia a investida inquisitiva a uma delicadeza sem limites. Uma pegada impressa com a força de um “statement”.

07 |
Joe Giardulo, Joe McPhee, Mike Bisio, Tani Tabbal
Shadows and Light (Drimala, distri. Trem Azul)
Um lento avolumar de tensões e incandescências em que o jazz “apodrece”, para das suas cinzas se erguer a fénix renascida. O tenor de McPhee gasta-se, corrói, cria andaimes e poços. Giardulo é o nevrótico de serviço. “Shadows & Light” tenta apanhar o além, o dia seguinte ao da catástrofe. E consegue.

08 |
Roscoe Mitchell & The Note
Factory Song for My Sister (Pi, distri. Trem Azul)
Aos 62 anos o multinstrumentista prossegue os estudos fora da selva de mitos dos Art Ensemble of Chicago. Numa conjugação mais formalista do “free” (abrangendo mesmo uma faceta didáctica) com os rituais remanescentes dos AEC, a música ganha alento numa imensa viagem pelos limites do jazz.

09 |
Branford Marsalis
Footsteps for our Fathers (Marsalis Music, distri. Trem Azul)
Cruzamento, ou não, como alguém disse, entre “um ‘cartoon’ de Disney e um pregador evangélico”, o sopro de Marsalis aventura-se em refazer a totalidade de “The Freedom Suite”, de Sonny Rollins, e “A Love Supreme”, de Coltrane. Sobrevive incólume. Mais: acompanha o espírito daqueles dois génios.

10 |
Andrew Hill
A Beautiful Day (Palmetto, distri. Trem Azul)
Sessão ao vivo no Birdland na companhia de Marty Ehrlich e uma “big band”, “A Beautiful Day” é um dia perfeito na mais recente produção pianística de Hill, um dos eleitos que soube unir o bop à vanguarda.

11 |
Mark Dresser Trio
Aquifers (Cryptogramophone, distri. Sabotage)
“Aquifers” faz a transcrição musical dos fluxos de água subterrâneos que fertilizam o planeta. “Acumulação”, “trânsito” e “libertação” funcionam como metáforas telúricas da circulação de frequências, modulação de timbres e planificação de texturas assimétricas cuja energia parece provir, de facto, dessa matriz aquática que alimenta a Terra.

12 |
Billy Cobham
The Art of Three (In & Out, distri. Dargil)
Surpresa, ou talvez não, esta categórica afirmação da arte do trio piano-baixo-bateria pelo baterista jazzrock que, depois da aprendizagem com Miles, ajudou a criar o mito Mahavishnu Orchestra. Tem a seu lado comparsas de luxo: Ron Carter, no baixo, e Kenny Barron, no piano, este último um prodígio de subtileza e capacidade de voo.

13 |
Mat Maneri
Sustain (Thirsty Ear, distri. Trem Azul)
Mais ferrugem da boa. Outro prego cravado no crâneo do “mainstream”. Discípulo de Ornette e Stuff Smith, Maneri arranca com o seu violino a carapaça à música improvisada em aliança perigosa entre electrónica, jazz vertigem e uma permanente dialéctica entre o silêncio e o caos.

14 |
Charles Lloyd
Lift Every Voice (ECM, distri. Dargil)
Lloyd, o asceta encantado pelo budismo, deixa atrás de si um rasto de paradoxos. Desde sempre arreigado a uma visão mística da música, “Lift Every Voice” perdeu entretanto o grito libertário dos primórdios, para se concentrar em mantras e no Grande Espírito onde ardia John Coltrane.

15 |
Tom Harrel
Live at the Village Vanguard (Bluebird, distri. BMG)
Eleito em 2001 pela “Down Beat” “compositor do ano”, Harrell distribui vitalidade, clareza e extroversão. A sua trompete, iluminada pela tradição de Blue Mitchell e Clifford Brown, não ilude porém uma tristeza que em “Where the rain begins” lateja como uma ferida mal sarada.

Discos de 2001 ouvidos em 2002 merecedores de figurarem no top:

Dave Douglas Witness (RCA, distri. BMG)Dave Holland Not for Nothin’ (ECM, distri. Dargil)
James Emery, Joe Lovano, Judi Silvano, Drew Gress Fourth World (Between the Lines, distri. Ananana)
Louis Sclavis L’Affrontement des Prétendants (ECM, distri. Dargil)
Myra Melford & Marty Ehrlich Yet Can Spring (Arabesque, distri. trem Azul)
Steuart Liebig Pomegranate (Cryptogramophone, distri. Sabotage)

REEDIÇÕES:

Ella Fitzgerald Whisper Not (Verve, distri. Universal)
Gerry Mulligan Village Vanguard (Verve, distri. Universal)
John Coltrane Legacy (Impulse, distri. Universal)
Nina Simone Nina Simone and Piano! (RCA, distri. BMG)
Paul Bley, Jommy Giuffre, Steve Swallow The Life of a Trio – “Saturday” e “Sunday” (Owl, distri. Universal)
Sam Rivers Crystals (Impulse, distri. Universal)



Carlos Barretto – “O Som Grave Da Locomotiva De Carlos Barretto” (concertos / artigo de opinião)

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terça-feira, 28 Outubro 2003


O som grave da locomotiva de Carlos Barreto



Carlos Barreto

Carlos Barretto, um dos mais destacados instrumentistas e compositores do jazz feito atualmente em Portugal, apresenta esta noite ao vivo o seu novo álbum, “Lokomotiv”, em quarteto com Mário Delgado (guitarra), José Salgueiro (bateria e percussões) e Sérgio Carolino (tuba), este último a substituir o francês François Corneloup, presente no disco como executante de saxofone barítono.
Descontando as necessárias adaptações ditadas pela troca de instrumentos, mantém-se, porém, um som que sabe tirar o máximo partido possível da conjugação das sonoridades graves, nomeadamente nos diálogos entre as notas mais baixas dos sopros e o contrabaixo tocado com arco. “Uma coisa deliberada”, diz o autor de “Solo Pictórico”, álbum de contrabaixo solo editado no intervalo entre “Radio Song” e “Lokomotiv”: “São instrumentos graves, o clarinete baixo [por Louis Sclavis, outro expoente do novo jazz francês, no anterior “Radio Song”], o saxofone barítono e o contrabaixo. Dá para invertermos os papéis, ao nível do acompanhamento e dos solos.”
“Lokomotiv” pode ser considerado como a continuação de uma estética iniciada com o aclamado “Radio Song”, eleito pelo PÚBLICO melhor disco português de jazz do ano passado. Jazz feito em Portugal e não jazz português, porque a música do contrabaixista recusa-se a aderir a padrões determinados por quaisquer regionalizações, inserindo-se, ao invés, numa corrente universalista, embora de acordo com os parâmetros de um som marcadamente europeu.
Em vez do “hermetismo” de ligações demasiado acorrentadas ao folclore de uma determinada região, neste caso o português, o contrabaixista é adepto de um “universalismo” que lhe permite integrar na sua música elementos como “o rock, a música contemporânea, o cinema americano ou coisas orientais…”.
“Lokomotiv”, como “Radio Song”, refuta qualquer tentativa de análise paternalista para se assumir como grande jazz em qualquer parte do mundo. Desprende-se desta música uma energia e uma frescura contagiantes, a par de um sentido apurado do equilíbrio certo entre composição e improvisação, embora Barretto não esconda o prazer que esta última lhe proporciona. “O que eu gosto mais é de improvisar, incluindo nas partes escritas. Às vezes construo uma pequena melodia, mas inserida num contexto suficientemente aberto para acontecerem outras coisas, sempre variáveis. Este disco tem mais improvisação que o anterior.”
Um trabalho de equipa, “como o Futebol Clube do Porto”, em que “todos dão ideias”, que é, desde já, sério candidato a, uma vez mais, levar para casa o título de melhor do ano.

Carlos Barretto
“Lokomotiv”

LISBOA Teatro S. Luiz.
Tel. 213257650. Às 21h.
Bilhetes entre 5 e 15 euros.



Carlos Barretto Trio com François Corneloup – “Canção Da Rádio Com Outro Francês” (concertos / festivais)

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sábado, 12 Julho 2003

Canção da rádio com outro francês

Depois de Louis Sclavis, com quem gravou, no ano passado, o álbum “Rádio Song”, um dos melhores discos produzidos em Portugal em 2002, o contrabaixista Carlos Barretto convidou de novo um músico francês, o também saxofonista François Corneloup, para colaborar com o seu trio, composto por Mário Delgado (guitarra) e José Salgueiro (bateria).
É esta formação que hoje à noite atua na Fundação Serralves, no Porto, prosseguindo a programação do festival Jazz no Parque. Antes de “Rádio Song”, o trio já lançara “Suite da Terra” (1998) e “Silêncios” (2000), a par de um “Solo Pictórico” da inteira responsabilidade do contrabaixista.
Etapas prévias de um caminho que, de modo decidido, aponta para uma música universalista que, de forma magnífica, equaciona os cânones da tradição dentro de um enquadramento mais vasto onde o jazz permanece a “swingar” no âmbito de um “blues” em definitivo transfigurado e a presença de um saxofonista é assumida, pelo trio, como uma quarta coordenada instrumental absolutamente necessária para o seu desenvolvimento.

Carlos Barretto Trio c/ François Corneloup
PORTO
Fundação Serralves
Às 21h30.
Tel. 226156500.
Bilhetes de 10 euros