The Incredible String Band – “Earthspan” + “No Ruinous Feud” + “Hard Rope And Silken Twine”

Pop Rock

3 de Maio de 1995
álbuns poprock
reedições

A INCRÍVEL SERIEDADE

INCREDIBLE STRING BAND
Earthspan (7)
No Ruinous Feud (4)
Hard Rope and Silken Twine (5)

Edsel/Island, distri. Megamúsica


isb

Os Incredible String Band são hoje uma espécie de lenda. Há quem lhes chame pioneiros da “world music” mas a sua importância histórica não se esgota nessa catalogação, antes radica numa atitude de verdadeiros “outsiders” perante a música. Basicamente, os ISB – desde sempre um núcleo duro formado por Mike Heron e Robin Williamson, este último tornado hoje num nome respeitável da “folk” escocesa – juntaram a vertente “Folky” muito em voga a partir de meados da década de 60 com a vaga de fundo do psicadelismo surgida mais ou menos na mesma altura. Ainda nos anos 60, os ISB gravam dois álbuns marcantes, “The Hangman’s Beautiful Daughter” e o duplo “Wee Tam and the Big Huge”. Muito do fascínio que envolve estes discos (aos quais poderemos ainda juntar outro duplo, “U”, uma experiência no entanto algo desequilibrada) vive da liberdade total com que os ISB encaravam a elaboração de cada tema. O termo “canção” faz pouco sentido para definir sequências de poesia e alucinações lisérgicas que tanto podiam durar alguns segundos como estender-se por longas “suites” de dez e quinze minutos. Era, no fundo, a adopção de estruturas formais não-ocidentais aplicadas ao formato pop, o que resultou numa espécie de histórias musicadas onde a riqueza expressiva dos textos casava de modo sempre imprevisível com o exotismo dos arranjos e da inspiração de momento. Na prática, tudo cabia na música dos ISB. Os anos 70 – correspondentes à passagem da Elektra para a Island – marcaram uma viragem, na medida em que o grupo normalizou o seu discurso, adaptando-se a normas de composição mais convencionais, ao mesmo tempo que o lado “naïf” e “hippie” – garantido em grande por duas raparigas, Rose Simpson e Licorice – desaparecia. Há ainda assim dois álbuns fabulosos editados nos primeiros anos da década de 70, a banda sonora para um documentário naturalista, “Be Glad fo the Song has no Ending” e “Liquid Acrobat as Regards the Air”. Refira-se entretanto que de todos os álbuns até aqui citados apenas “U” e “Be Glad…” não têm por enquanto reedição portuguesa em CD. “Earthspan”, gravado a seguir a “Liquid Acrobat”, apresenta ainda relativamente intacta a visão descentrada dos ISB. Heron e Williamson mantinham o “élan” composicional e o álbum inclui pérolas como “Antoine” e “Sunday song”, ambas com a assinatura de Heron, ao lado de três instantes de pura magia, como só Robin Williamson era capaz de criar (aliás Williamson sempre mostrou ser o elemento mais original da dupla, recorrendo a um leque de referências – poéticas e musicais – mais extenso que o do seu companheiro): “Restless night”, “Banks of sweet Italy” e “Moon hang low”, este último um clássico de sempre das noites etílicas ao luar.
A partir daí, os ISB tornaram-se uma banda vulgar. “No Ruinous Feud”, de 73, mostra que o grupo já dominava as regras de funcionamento da canção “normal” mas isso pareceu funcionar em seu desfavor. Tudo o resto tornou-se igualmente normal e previsível. Gravado no mesmo ano, “Hard Rope and the Silken Twine” salva um pouco a face do grupo, com uma composição de Williamson à altura dos seus pergaminhos, “Dreams of no return”, antecipando já a sua futura fase de bardo com os Merry Band, e uma longa composição de Heron, “Ithkos”, inspirado no folclore grego, mas que não consegue escapar aos clichés do rock sinfónico, soando amiúde como um “pastiche” dos Procol Harum.



Captain Beefheart & His Magic Band – “Trout Mask Replica”

Pop Rock

22 de Março de 1995
álbuns poprock
reedições

Manual de guerrilha

CAPTAIN BEEFHEART & HIS MAGIC BAND
Trout Mask Replica (10)

Reprise, distri. Carbono


cb

Ponto um: Captain Beefheart, aliás Don van Vliet, é louco. Ponto dois: Trout Mask Replica, editado originalmente em álbum duplo em 1970, com o selo Straight, é uma obra-prima. Ponto três: Ao longo do último quarto de século poucas pessoas repararam no ponto anterior. Bom, também é verdade que esta personagem “sui generis” nunca o facilitou. A sua música foi desde sempre difícil de digerir para quantos gostam de ter a papinha toda feita. Frank Zappa foi um dos poucos a compreender o alcance da obra revolucionária deste excêntrico, que afirmava existirem no mundo “apenas 40 pessoas e cinco delas eram ‘hamburguers’” e cuja voz, capaz de se desdobrar, rezam as crónicas, por quatro oitavas e meia, destruiu certa vez um microfone, durante uma gravação em estúdio. Zappa e Beefheart (nome inventado por Van Vliet a partir do filme, projectado por ambos, mas nunca realizado, com o título “Captain Beefheart Meets the Grunt People”) gravaram juntos um disco chamado “Bongo Fury”, tendo sido ainda Zappa quem produziu para a sua própria editora, a Straight Records, “Trout Mask Replica”. O álbum, composto por Van Vliet em pouco menos de oito horas (!), é uma combinação, com grau máximo de acidez, dos blues, reduzidos à sua essência mais visceral, com o free-jazz e o psicadelismo em fase de ressaca. Um objecto que na época não encaixava nem no passado recente nem no movimento progressivo então em fase de expansão. As vocalizações de Van Vliet recordam os velhos “bluesmen”, mas a tendência para o grito e a convulsão, o humor corrosivo e os delírios dos vários instrumentos, entre os quais a harmónica e o saxofone sem rédea do próprio capitão coração de carne de vaca, impediam qualquer acomodação às linhagens tradicionais. “Trout Mask Replica”, com as suas estruturas abertas à improvisação, mandou todas as regras às urtigas e serviu de bíblia a grupos do PREC posterior ao “punk”, como os Pere Ubu, Pop Group e James Chance and the Contortions/James White and the Blacks. Em 1995, o disco continua a ser um manual de guerrilha.



NEU! – “Komplett”

Pop Rock

8 de Março de 1995
álbuns poprock
reedições

Sobressaltos maquinais

NEU!
Komplett (8)

2xCD, import. Carbono


neu

Depois do material não disponível dos Kraftwerk, alguém se lembrou dos Neu!, outra das bandas emblemáticas do chamado “rock alemão” dos quais não existem compactos oficiais. “Komplett” reúne a totalidade da obra da banda de Michael Rother e Klaus Dinger, ou seja, os álbuns “Neu!”, de 1971, “Neu! 2”, de 1973, e “Neu! ‘75”, de 1975, originalmente editados na Brain. O som não é famoso (por vezes acontecem mesmo distorções, nos momentos de maior intensidade sonora), ruídos do vinil são o pão nosso da gravação, mas, na ausência de uma alternativa, temos que nos conformar. A música, essa, permanece como uma das mais inovadoras oriundas da região do Ruhr, berço do “folk industrial”, termo inventado pelos Kraftwerk para designar um som cru e maquinal que se opunha à escola planante de Berlim e que teve, além dos próprios Kraftwerk e dos Neu, nos La Dusseldorf e Cluster (anteriores a “Sowiesoso” e à entrada em cena de Brian Eno) os seus principais cultores. A brutalidade sonora ou a abstracção ambiental são regra no primeiro disco, feita de embates de placas de metal, ritmos de martelo pneumático e electrónica em estado de liquefacção. Algo na mesma zona de experiências com a música concreta e a escola futurista de “Electronic Meditation” dos Tangerine Dream ou dos dois primeiros álbuns dos Krafwerk. “Neu! 2” é uma manipulação bizarra de ritmos e fragmentos melódicos colados a ambiências industriais. Um mesmo tema aparece modificado apenas pela alteração de velocidade das fitas de gravação, como se fosse tocado a 16 ou a 78 rotações. Há paragens súbitas, mudanças imprevisíveis e um clima de constante sobressalto. Último dos originais da banda, “Neu! ‘75” inclui um par de temas ambientais, “Seeland” e “Leb’wohl”, maquinaria a marchar em passo ordenado, em “E-musik”, e dois temas proto-punks, “Hero” e “After Eight”, que dão razão a John Lydon, ou Johnny Rotten, quando este afirma que os Neu! São uma das suas principais influências.