Música Portuguesa – Balanço 1996 – Artigo de Opinião

POP ROCK

8 Janeiro 1997

Balanço 1996
Música PORTUGUESA – Raízes

O acontecimento editorial de 1996 foi a edição de “Polas Ondas”, dos Vai de Roda, num ano que também viu aparecer “Ó Tambor”, de Rui Júnior, e “A Portuguesa”, de Isabel Silvestre. O “cante” alentejano revelou uma pujança renovada. Júlio Pereira e Dulce Pontes gravaram com parceiros estrangeiros de nomeada. A integral de José Afonso é reeditada em condições. Espectáculos houve o dos Gaiteiros e da Brigada no Intercéltico. A “world” portuguesa ainda é regional.

EQUILÍBRIO ESTÁVEL


vai-de-roda

O ano começou com a edição de um disco de cante alentejano, com o título apropriado de “Cantes de Natal e de Ano Novo”, com modas alusivas à quadra. Pedro Abrunhosa assistiu às gravações e gostou. Das ilhas dos Açores chegou “O Feiticeiro do Vento”, banda sonora inspirada e carregada de magia, numa produção televisiva da RTP-Açores. José Medeiros compôs a música e realizou as imagens. E cantou, de forma arrasadora, como pôde verificar quem o ouviu na qualidade de convidado, em espectáculos da Brigada Victor Jara.
Em Fevereiro, “Maio Maduro Maio”, o projecto de homenagem a José Afonso, de José Mário Branco, Amélia Muge, José Martins e João Afonso ruma até Madrid, para uma apresentação ao vivo. Amélia Muge põe a hipótese da gravar o seu novo disco na editora galega Arpa Folk. Sai o álbum dos Danças Ocultas, concertinas de Águeda com direcção de Artur Fernandes, que respiram e dançam. E o de Júlio Pereira com Kepa Junkera, intitulado “Lau Eskutara” (“A Duas Mãos”) – encontro de dois “virtuoses”, das cordas dedilhadas e do “trikitixa”. O saxofonista Carlos Martins trabalha os seus Sons da Lusofonia. África, Brasil e jazz unidos.
Em Março, surge a nova editora África, para divulgar a música deste continente. A cantora cabo-verdiana Maria Alice é o primeiro lançamento. Sai “Trilho do Sol”, dos Quinta do Bill. Com cânticos e batuques índios. Carlos Guerreiro, Manuel Rocha e José Manuel David, em representação dos Gaiteiros de Lisboa e da Brigada Victor Jara, fazem para o POPROCK um “blindfold test” com discos de música tradicional. O pretexto é a presença destes dois grupos no Festival Intercéltico do Porto, onde rubricam actuações de bom nível.
O angolano Filipe Zau lança “Canto da Sereia – O Encanto”, enquanto o seu compatriota Carlos Nascimento surge com “Angolando”. São as primeiras notícias de Abril, na mesma altura em que o POPROCK faz a pré-publicação de um texto de José Niza para a reedição da obra integral de José Afonso pela Movieplay. Waldemar Bastos assina contrato com a Luaka Bop, de David Byrne. Fica decidido que o disco terá arranjos de Arto Lindsay. É editado o álbum de estreia das Cramol. Ficam para a posteridade as polifonias, o teatro e o sortilégio deste grupo de mulheres de Oeiras.
Maio festeja a saída de “Ó Tambor”, de Rui Júnior, com os Ó Que Som Tem – as percussões elevadas à potência do sublime. O POPROCK acompanha os Quinta do Bill na sua digressão pelo Norte do país. Paulino Vieira, o cabo-verdiano responsável pelo projecto acústico que transformou Cesária Évora num fenómeno de massas, lança em Portugal, “Nha Primero Lar” e apresenta-se ao vivo no Teatro S. Luiz, em Lisboa, ao lado dos moçambicanos Ghorwane e das estrelas internacionais Ray Lema e Henri Dikongue.
A EMI-Terra lança dois álbuns de “cante” alentejano com produção de Vitorino, “Vozes das Terras Brancas”, pelo Grupo Coral e Etnográfico As Camponesas de Castro Verde, e “O Cante na Margem Esquerda”, pelo Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias. É o acontecimento editorial de Junho.
Em Julho, Pedro Jóia lança “Guadiano”, a guitarra de flamenco nas mãos de um português. Né Ladeiras entre em estúdio para gravar versões de canções de Fausto, que também vai para estúdio para gravar versões de canções de si próprio. Os Com-Tradições lançam “Água Nascente”.
São finalmente reeditados, após vários adiamentos, os onze compactos com a obra integral de José Afonso. É a notícia de Setembro.
Cesária Évora tem, já em Outubro, nos escaparates, o álbum “Cesária Évora à L’Olympia”. Isabel Silvestre estreia-se a solo, sem os Cantares de Manhouce, com “A Portuguesa”. Música tradicional e o hino nacional ao lado de versões de canções de José Afonso, Rui Veloso, José Mário Branco e António Variações, entre outros. Luís Represas, depois do disco, repete colaboração com o mago irlandês das “uillean pipes”, Davy Spillane. Agora em cinco noites ao vivo – esgotadas – no CCB. “Polas Ondas”, terceiro álbum dos Vai de Roda, vê a luz do dia. Portugal, na visão de Tentúgal: um país e uma tradição nas margens do mistério. Artur Fernandes, director musical dos Danças Ocultas, compõe para “Mortinho para Chegar a Casa”, do realizador Carlos da Silva. João Afonso termina as gravações da sua estreia em disco. Presentes estão Júlio Pereira e, em escala reduzida, a obra do seu tio, José Afonso. Cabo Verde regressa no álbum de Paulino Vieira “M’Cria Ser Poeta”.
Saem, em Novembro, os “Caminhos”, de Dulce Pontes, com Paddy Moloney, dos Chieftains, e Carlos Nuñez entre os convidados. Fausto filma “clip” nos Açores sob a direcção de José Medeiros.
A colectânea “A Alma de Cabo Verde” sai no último mês do ano. A Musicoteca lança, em homenagem ao autor, os três primeiros volumes da série “Canções Regionais Portuguesas”, de Lopes-Graça.



V Império – Entrevista – “Folhas Do Compêndio Da História De Portugal”

Pop Rock

30 Abril 1997

V Império começa em Maio

FOLHAS DO COMPÊNDIO DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

V Império é um novo grupo que quer agitar as ondas da música portuguesa. No seu álbum de estreia, “Mar de Folhas”, com data de lançamento marcada para o próximo dia 5, combinam samplers, instrumentistas clássicos e “um pouco da alma portuguesa”. Uma fórmula que casa bem com o espírito da época.


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Íris, João Gata e Rui Ricardo. Aliança entre a voz feminina e a artilharia dos samplers, sintetizadores e teclados vários. Depois juntam-lhes músicos de orquestra e uma razoável carga de nostalgia que consideram bem portuguesa. Os três elementos do V Império revelaram ao PÚBLICO os preparativos da sua investida.
PÚBLICO – Como se processou a génese do V Império?
João Gata – Eu e o Rui já tínhamos trabalhado juntos há dez anos atrás, num grupo chamado Amenti que viria a extinguir-se. Há uns quatro anos, conseguimos reunir o equipamento novo necessário para iniciarmos um novo projecto…
Rui Ricardo – … Digamos que as novas possibilidades tecnológicas nos permitiram levar mais além uma ideia que já fermentara nos Amenti.
P. – Que ideia?
R. R. – Propomos a junção dessa tecnologia com instrumentos clássicos e um pouco da alma portuguesa.
P. – O que distingue o vosso projecto, por exemplo, do de Rodrigo Leão com os Vox Ensemble?
R. R. – Os arranjos são completamente diferentes. Optámos por fazer mais canções e menos temas minimalistas.
J. G. – … Tomando também em conta questões como a reacção do público, o factor de mercado, etc…
R. R. – Não quer dizer que tenhamos feito um estudo de mercado! Temos, para já, um “feedback” de amigos…
P. – Há um lado classicizante muito forte na vossa música…
R. R. – O facto de utilizarmos instrumentos clássicos pode induzir esse aspecto. O projecto contou logo, desde a base, com a presença de instrumentistas de orquestra.
P. – O livro de promoção desenrola uma lista impressionante de referências, Perotin, Tallis, Bach, Satie, Weill, Reich, Pärt, Eno, entre muitos outros. Estão à altura de tão ilustres padrinhos e antepassados?
R. R. – Não somos nós que escrevemos, mas pessoas que ouviram e chegaram a essa conclusão. Até porque os nossos gostos musicais divergem um pouco. No meu caso, gosto de Ryuichi Sakamoto mas também dos Ultravox, Joy Division, uma pop mais underground. E uma paixão por Bach enorme.
J. G. – Os meus vão do antigo pop, como os Japan, até ao Ryuichi Sakamoto, Michael Nyman, Wim Mertens. Também alguns trabalhos de Brian Eno. E os clássicos.
Íris – Música clássica. Ao nível da voz, escolho Tori Amos e Ella Fitzgerald.
P. – Como é que a Íris entrou para o grupo?
I. – Foi de repente. No próprio dia em que os conheci fomos para estúdio. Fiquei apaixonada pela base instrumental. Um amor à primeira vista.
P. – V Império. O nome que escolheram é algo pretensioso, não concordam?
J. G. – Depende da perspectiva. Escolhemo-lo apenas por corresponder a uma ideia bonita de um Portugal romântico.
P. – No entanto, a apresentação do disco vai decorrer na Casa Fernando Pessoa…
J. G. – Foi uma escolha da editora. Embora haja uma associação…
P. – Há um investimento forte na imagem do grupo?
R. R. – É fundamental. Não só em música como em qualquer tipo de arte ou de produto. E estamos a preparar uma apresentação cénica especial. Para já, vamos ter em palco um quarteto em violoncelo, viola de arco, oboé e corne inglês. Que são os nossos solistas no disco. Podíamos fazer isto tudo em sintetizadores, mas não é isso que pretendemos. Usamos os samplers para fazer sons sintéticos.
P. – Há um conceito global em “Mar de Folhas”?
J. G. – Não há. São temas separados que têm em comum determinados ambientes.
P. – O título remete para o Outono, para a nostalgia.
R. R. – Portugal e os portugueses são um pouco assim. Fugirmos disso seria cair em ambiências anglo-saxónicas, forçar algo cuja raiz não seria a nossa. Se formos verdadeiros, a nossa música terá cada vez mais aceitação no estrangeiro.
P. – Apostam no mercado internacional?
J. G. – Completamente. Há uma estratégia nesse sentido definida pela editora desde o início. Estamos a apontar para o Oriente, que já é um clássico em termos de sucesso de aceitação de projectos portugueses.
P. – Têm em comum com outros grupos portugueses recentes uma preocupação enorme por Portugal, ao ponto de o mitificarem. Há uma razão especial para isso?
R. R. – Porque não se faz nada que seja português. À parte o fado, que nem sei até que ponto será muito português, já que é sobretudo lisboeta.
P. – Precisamente. Quando se quer falar de Portugal e da música portuguesa, fica quase toda a gente presa ao fado…
R. R. – Nós quisemos avançar para além disso. Daí a nossa sonoridade não ser fadista nem tradicional. Sem deixar, no entanto, de sermos justos com as nossas raízes.
J. G. Assumindo uma série de influências que nos permitem olhar para o mundo de outra forma. A “new age” está aí, a “world music” também. Toda uma série de novas atmosferas, universais, que também temos no disco. Para nós “new age” representa um espírito semiclassicista, de ligação à terra, ao sentimento e às atmosferas.
P. – Costumam teorizar e discutir entre ambos quando compõem?
R. R. – A partir de uma linha melódica, constrói-se o resto.
J. G. – Só uma nota já dá para muitas discussões!…
P. – Em que altura é que a Íris entra em cena?
I. – Sou o elemento “purificador”. Eles fazem os instrumentais, mas depois a palavra final é a minha. Faço as linhas de voz, embora com a ajuda deles, e algumas melodias. Concordo com um ou com outro até chegarmos a um consenso.
P. – Para terminar, gostaria que cada um de vocês destacasse um tema particular do álbum.
J. G. – Gosto muito de “Sagres (de madrugada)” [N. R. – Passe a publicidade, até porque João Gata afirma preferir a Superbock.] É um local que me é aprazível. Gosto muito de vento, do mar, de montanhas. Gosto de assistir à natureza na sua força maior. Sagres enche-me de nostalgia, de uma portugalidade… Olho para o mar, para o fim do mundo e lembro-me de há 500 anos atrás. [N. R. – João Gata é mais velho do que pensávamos.] É uma das minhas letras mais conseguidas. É um jogo comigo próprio.
R. R. – “Demónios de cristal”. É uma música que tem muito a ver com os meus próprios demónios, os quais, embora poderosos, estão sob o meu domínio. Também transmite uma certa raiva, embora não de uma forma doentia.
I. – “Efémera”. Foi a primeira música a ser feita a partir da minha voz. Cantei-a primeiro e só depois é que o instrumental foi acrescentado. Uma música que passou de uma simplicidade inicial para algo bastante rico, com uma carga sentimental muito romântica.



Marta Dias – Entrevista – “Suave Sobressalto”

Pop Rock

26 Março 1997

Marta Dias estreia-se a cantar sobre “ritmos lentos”

SUAVE SOBRESSALTO

“Y-U-É” constitui a estreia discográfica, a solo, e Marta Dias, uma voz talentosa que antes já colaborara com General D, Ithaka e Cool Hipnoise. Sobre ritmos trip hop ou em temas mais afadistados, é uma outra maneira de fazer dançar suavemente. Ou não fossem os seus heróis os nomes míticos da Tamla Motown.


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A serenidade prevalece nos sons e no discurso desta jovem cuja estreia discográfica aponta cruzamentos estimulantes da balada jazz e soul com a música de dança. Histórias vividas por interposta personagem, onde a nostalgia deixa um “travo de inquietação”.
PÚBLICO – Na folha promocional pode ler-se que “começou a cantar as músicas que ouvia”. Que músicas eram essas?
MARTA DIAS – Canto desde sempre. Tenho a sorte de pertencer a uma família onde éramos incentivados a cantar ou a representar. A primeira música que ouvi foi do José Barata Moura, era o meu ídolo quando tinha seis anos. Ouvi também muitas canções da resistência, os meus pais eram de esquerda, muito Zeca Afonso. Mais tarde, Amália, fruto de uma grande fixação que o meu padrasto tinha pelo fado. Também música clássica, Mozart. Depois comecei a ouvir as minhas coisas, música da Motown, que colidia com tudo o que ouvia em casa.
P. – O quê, da Tamla Motown?
R. – Temptations, Jackson Five, Diana Ross, Gladyz Knight and the Pips, Martha Reeves and the Vandellas. Sobretudo, houve canções que me marcaram, “Take me in your arms and love me”, da Gladys Knight, muitas coisas dos Temptations, inclusive fizemos uma versão de “Papa was a rolling stone”, ao vivo.
P. – Quando e onde cantou pela primeira vez em público?
R. – Aqui em Setúbal, com o Teatro de Animação da cidade. A solo, cantei uma vez no Dia da Mulher, também com dois guitarristas, um trabalho acústico co clássicos portugueses. Há cerca de dois, três anos.
P. – Antes tinha estado em Colónia. Essa estada foi-lhe útil, em termos de evolução artística?
R. – Teve muita influência, no sentido de poder desbravar a voz. Sempre tinha cantado a título de brincadeira, de gozo, de fruição. Conheci então uma cantora e professora de canto, Marta Laurito, brasileira. Conhecemo-nos no elevador, ouvi falar português, alguém a chamar Marta, que também é o meu nome. Meti-me com ela, soube que era cantora de ópera e disse-lhe que era uma coisa que eu adorava fazer. Sempre tivera vergonha de dar aqueles berros, quer dizer, eu dava os meus berros, mas não eram muito sintonizados!… Ela ofereceu-se para me dar aulas, aceitei, uma vez por semana. Foi óptimo. Depois tive aulas cá em Portugal, com a Filomena Amaro, no Conservatório de Setúbal.
P. – Essa aprendizagem serviu-lhe apenas do ponto de vista técnico ou influenciou também o seu estilo?
R. – Serviu para poder fazer imensas coisas que gostava de fazer com a minha voz e até essa altura não sabia como. E para me dar alguma disciplina. Mas em termos de estilo e orientação, não. Porque desisti muito cedo de qualquer vontade de seguir carreira na ópera.
P. – Porque é que desistiu?
R. – Gosto demasiadamente da minha vida e quero ter uma. Não quis tornar-me uma garganta e não fazer nada, foi isso que me assustou. Acredito, sobretudo, na expressão. Acho que uma voz transmite histórias, coisas vividas. A perspectiva de passar o tempo todo com um cachecol enrolado à volta da garganta e de não poder fazer nada, porque isso me poderia afectar, não me agradava. Por mim, mesmo rouca, cantava.
P. – Antes da gravação do disco, colaborou com General D, Cool Hipnoise e Ithaka. Conte como foi.
R. – Com o General D, ele estava à procura de uma pessoa para cantar um tema com uma referência aos blues. O meu irmão, que também é “rapper”, apresentou-mo no concerto dos Urban Species. Fui ensaiar com eles, começámos logo com o tema, que se chamava “Amigo prekavido”. Fiz uma intervenção com uma frase de blues, salvo erro, do John Lee Hooker. Com os Cool Hipnoise foi uma participação muito breve, muito subtil, ao nível de coro, no tema “Bairro da lata”. Como os Ithaka, o Darin Pappas e o Pedro Passos estavam também à procura de uma pessoa… É engraçado, nesses três projectos acabei por ter a mesma função.
P. – Darin Pappas que participa no seu disco…
R. – … Como eu participo no próximo disco dele. Foi ele que escreveu uma letra para o meu CD, “Look to the blue”.
P. – E o seu encontro com o produtor Jonathan Miller?
R. – Conheci-o antes das gravações com o General D. Ouviu a minha voz num ensaio, gravámos, depois estive imenso tempo sem ouvir falar dele. Um dia telefonou-me a dizer que gostara imenso da minha voz e que podíamos trabalhar juntos. Fiquei um bocadinho espantada. Na altura estava no Hot Club a ter aulas e estava mais interessada na formação dentro de uma área mais jazzística. Não me passava pela cabeça gravar um disco. Ele mandou-me uma “maquette” com alguns temas, mais tarde encontrámo-nos para compor. Funcionou bem.
P. – As decisões, ao nível da produção e da composição, foram da inteira responsabilidade dele ou a Marta também teve alguma palavra a dizer?
R. – Ele compunha uma base instrumental, eu escrevia a letra, e a partir daí trabalhávamos a dicção, possíveis opções, eu punha alguns instrumentos, seleccionávamos o que funcionava melhor. Na produção, os créditos são só dele. Mas se havia qualquer coisa que eu achava absolutamente repelente, ele não insistia…
P. – Em certos temas, Amália pode ser apontada como referência?
R. – Amália influenciou-me muito, mas isso não quer dizer que se ouça Amália no que eu canto. Ela inspira-me, na medida em que as coisas dela estão sempre presentes na minha cabeça.
P. – Aliás, os registos de voz que utiliza no álbum são múltiplos…
R. – Tenho uma costela africana, outra indiana, há uma fusão muito grande em mim.
P. – O hip hop e o trip hop estão inevitavelmente presentes na base rítmica de alguns temas. É sobre elas que se sente mais à vontade a cantar?
R. – O disco tem uma certa coerência em termos de ritmo. Há quem lhe chame “ritmo lento”. Sinto-me confortável a cantar nessa onda. Os temas são todos mais ou menos intimistas, mais ou menos nostálgicos.
P. – O jazz também está presente. Se lhe pedisse que citasse cantoras, que nome escolheria?
R. – Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Sou uma clássica e absolutamente conservadora nesses domínios.
P. – O álbum revela uma enorme serenidade da sua parte. É assim mesmo na vida real?
R. – Há uma tranquilidade na música, mas não nas letras. Gosto de contar histórias que sejam aparentemente normais mas que deixem um travo a inquietação. Que de repente, quem as ouve, tenha um certo sobressalto.
P. – Como é que constrói essas histórias? Saem apenas da imaginação ou de vivências concretas?
R. – Há muitas pessoas que cruzaram a minha vida e muitas experiências. E situações que não compreendo totalmente mas em que imagino alguém, que não sou eu, eu está lá sentada, a vivê-las. Sentada, porque está a observar, sem nunca participar totalmente. É essa pessoa intermédia que me vai contando o que os outros estão a viver.