“Novo Álbum De Sérgio Godinho Em Fase De Remisturas” – Artigo De Opinião

POP ROCK

26 Março 1997

Novo álbum de Sérgio Godinho em fase de misturas


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Sérgio Godinho saiu dos estúdios Cha Cha Cha – onde esteve a gravar durante um mês – na passada sexta-feira, terminando a fase de gravações do que será o seu próximo álbum de estúdio, primeiro desde “Tinta Permanente”, de 1993. Anteontem, o cantor-compositor partiu para Paris, onde efectuará o trabalho de mistura e masterização. O álbum tem, na maior parte dos temas, direcção musical e produção de Manuel Faria, funções que, noutros temas, partilha com o próprio compositor e com Paulo Pulido Valente.
Trabalho colectivo por excelência, “um disco de músicos”, como o próprio Sérgio Godinho fez questão de salientar, os arranjos dividem-se por Manuel Faria (em quatro temas), Kalu, dos Xutos e Pontapés (dois temas), Tomás Pimentel, João Aguardela, dos Sitiados, Jorge Constante Pereira, José Mário Branco (colaboração que põe termo a um longo intervalo de “separação” entre os dois músicos), havendo ainda um tema arranjado por vários elementos dos Rádio Macau.
Com a participação de cerca de 40 músicos, incluindo um quarteto de cordas e um naipe de metais, o novo álbum de Sérgio Godinho terá Kalu a tocar bateria na maioria das canções, com participações ocasionais, neste instrumento, de Sérgio Figueiredo, dos Despe e Siga, André Sousa Machado e Rui Alves. Nani Teixeira toca baixo e Nuno Rafael, também dos Despe e Siga, encarrega-se da guitarra eléctrica. Outros convidados são Ricardo Rocha, na guitarra portuguesa, Tito Paris, na guitarra, e Carlos Guerreiro, que participa numa versão “reformulada” e “irreconhecível” de um tema que faz parte do alinhamento do álbum de estreia dos Gaiteiros de Lisboa, “Invasões Bárbaras”.
Segundo Sérgio Godinho, é um álbum “que aponta em várias direcções, extremamente aberto ao nosso tempo, com um caminho central reconhecível”, onde se cruzam as “leituras” características do autor de “Pano-Cru” com as “contribuições de Manuel Faria e dos outros músicos”. Há ainda algumas “rupturas”, ou “evoluções”, onde se apontam “novas pistas”, num disco “mais agreste” e com um som “mais sujo” do que os anteriores. “Histórias contadas” e “coisas que não são histórias”, onde se misturam ambientes que passam por Kurt Weill, “loops” de bateria, ritmos de chula e “rock” do duro, percorridos pelas habituais personagens saídas da imaginação de Sérgio Godinho.
Só depois da chegada de Paris, onde Sérgio irá permanecer uma semana, é que será decidida a data de lançamento do novo álbum.



Tocá Rufar Nas Escolas – Artigo de Opinião

POP ROCK

12 Fevereiro 1997

TOCÁ RUFAR NAS ESCOLAS

Rui Júnior assinou um contrato com as câmaras de Lisboa e do Seixal, selando um projecto que visa, a curto prazo, a criação de “workshops” permanentes de percussões tradicionais nas escolas, para já, da zona metropolitana de Lisboa. As pequenas orquestras que se formarem juntar-se-ão num gigantesco espectáculo a apresentar na Expo-98. O Som do Ó vai ouvir-se a léguas de distância.


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O Departamento de Juventude da Câmara Municipal e o Departamento de Educação e da Cultura da sua congénere do Seixal são as duas entidades oficiais com que Rui Júnior assinou um protocolo de colaboração. A ideia é criar, com base permanente, “workshops” de instrumentos de percussão tradicional portuguesa, em diversas escolas do país. Para já, Lisboa e Seixal constituíram-se como parceiros de Rui Júnior e restantes elementos do grupo de percussão O Ó Que Som Tem, para levar por diante este projecto, designado de “Tocá Rufar – Oficinas de Percussão”.
Em Lisboa são cerca de 30 a 40 as escolas – do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e do Secundário – que aderiram, e o Seixal abrirá as portas de 17 das suas escolas. A coordenação, em cada escola, será entregue a pessoas habilitadas, estando a coordenação geral de todo o projecto a cargo de Rui Júnior.
No próximo ano, 300 percussionistas (200 já contam com o apoio prometido pelas câmaras) seleccionados das pequenas orquestras que entretanto se formarão nas diversas escolas juntar-se-ão para um espectáculo colectivo de grandes dimensões, a realizar no âmbito da Expo-98.
Em Lisboa, a orientação dos “workshops” será entregue a futuros professores de Música e de Educação da Escola Superior de Educação de Lisboa. “Vamos tentar tirar o máximo proveito destas pessoas, visto já serem adultos, para poderem dar alguma continuidade a este género de trabalho, embora seja nossa intenção que cada pequena orquestra se torne autónoma”, diz Rui Júnior. A coordenação geral está-lhe entregue, bem como a outros elementos ligados a O Ó Que Som Tem, entre os quais Guiomar Matela e Domingos Morais, professor ligado à Etnomusicologia que funcionará com conselheiro pedagógico no campo das recolhas que se irão fazer. José Mário Branco também aceitou ser conselheiro musical.
Em relação ao espectáculo da Expo-98, haverá uma primeira fase, “um período de sensibilização, até Junho”, seguindo-se “uma fase de selecção para a orquestra”. Mas os “workshops” não se esgotam no horizonte da Expo nem nos alunos seleccionados. “Vamos fazer os ‘workshops’ para um número bastante superior de alunos. Os outros miúdos, que não forem seleccionados, serão objecto de um segundo projecto, paralelo a este, para dar apoio contínuo, sob a forma de oficinas de trabalho.”
Entusiasmado com a tarefa de pôr em prática um trabalho que se pode considerar inédito no país, Rui Júnior considera como “maior desafio” a “mobilização dos jovens”. Tem, para já, apoios monetários e algumas garantias: “Se conseguirmos mobilizar mais jovens do que aqueles que, à partida, as direcções das escolas apoiam, estas estarão dispostas a manter esse apoio, desde que as inscrições assim o justifiquem.”
Para O Ó Quem Som Tem, este alargamento de actividades corresponde a uma necessidade. “Uma coisa complementa a outra”, diz Rui Júnior. “No fim disto tudo, o problema actual de O Ó Que Som Tem, bem como de muitos músicos de uma certa área, é não haver mercado em Portugal. Em parte, nós músicos somos responsáveis por isso, porque não dedicamos uma parte do nosso trabalho ao ensino. Temos que deixar de enviar a bola de uns para os outros.”
Os bombos, caixas, timbalões, adufes, até os “pequenos instrumentos decorativos” da família das percussões tradicionais portuguesas vão ter outro estatuto e mais mão para os tocar. Rui Júnior está ainda a preparar, desde há um ano, um livro sobre o assunto. “Não o acabo porque cada vez descubro mais e diferentes instrumentos. É um território muito vasto.” Sobre o grupo, tem um sonho: “Gostava de fazer de O Ó Que Som Tem uma companhia de música, assim como funcionam as companhias de teatro, que estão constantemente a ensaiar e a aperfeiçoar o seu projecto.”
Em matéria de espectáculos, O Ó Que Som Tem irá tocar no dia 6 de Março no Ritz Clube, em Lisboa, em Junho no festival “Tambores do Sul”, a decorrer em Paris no Espace de l’Hérauld, e em Novembro em Macau.



“Ó Tempo, Volta Para Trás No Próximo Milénio” – Artigo de Opinião

POP ROCK

29 Janeiro 1997

Ó tempo, volta para trás no próximo milénio

Duas novas colectâneas da música portuguesa vão ser postas no mercado nos primeiros dias do próximo mês, “Millenium”, pela EMI-VC, e “Sunset Music from Portugal”, pela MVM. Ambos procuram capitalizar no mercado (florescente?) da new age.

“Millenium” é uma tentativa de revalorização de material de fundo de catálogo da EMI-VC sob o dito rótulo “new age”. “Um disco de ambientes, para repousar o espírito do ‘stress’ e da canseira, para convidar o ouvinte a uma doce viagem por paisagens longínquas que só na imaginação existem (…), para descobrir o terceiro milénio que se aproxima”, explica a promoção. Assim, o próximo século será recebido ao som de Nuno Rebelo, Sétima Legião, Ala dos Namorados, Lua Extravagante, Fernando Lopes-Graça, Banda do Casaco, Rui Veloso, Carlos Paredes, Janita Salomé, Diva, Grupo Etnográfico de Idanha-a-Nova, Amália Rodrigues, Madredeus, António Pinho Vargas, Carlos Seixas e Heróis. Música clássica, tradicional, fado, rock e electrónica juntas num mesmo pacote de ambientes para o próximo milénio.
A MVM irá, por seu lado, distribuir uma edição da SPA (ver PÚBLICO de 19 de Janeiro), onde são notórias idênticas intenções de receber os próximos mil anos com músicas já um bocadinho amarelecidas pelo tempo. Com a agravante de, além de velhinhas, serem requentadas e postas na mesa por um senhor – Thilo Krassman – que não se pode considerar, propriamente, sinónimo de modernidade. Thilo agarrou no seu sintetizador, convidou Tomás Pimentel, na flauta, José Meneses, m saxofone, e Silvestre Fonseca, na guitarra acústica, e tratou de transformar em música de elevador algumas das “melodias de sempre” da música portuguesa.
Com uma capa, também ela, convenientemente “new age” (facção pôres-do-sol com filtro), “Sunset Music from Portugal” faz uma papa de temas como “Canção do mar”, “Feiticeira”, “Coimbra (April in Portugal)”, “Venham mais cinco”, “Vem”, “Uma casa portuguesa”, “Vila faia”, “Lisboa à noite”, “Queda do império”, “Porto sentido”, “Amélia dos olhos doces”, “Sol de Inverno”, “Desfolhada portuguesa” e “Lisboa, menina e moça”, entre outras. Ou seja, compositores como Frederico de Brito, Luís Represas, Raul Ferrão, Pedro Ayres Magalhães, Rui Veloso, Carlos Mendes, Jerónimo Bragança/Nóbrega e Sousa, Ary dos Santos/Nuno Nazareth Fernandes e Paulo de Carvalho/Fernando Tordo, entre outros, misturados e enfrascados num boião cheio de nada. Bom, mas não nos esqueçamos que a intenção dos responsáveis pelo aborto, perdão, projecto, é boa, uma vez que, dizem, “nada há que traduza melhor o pulsar do coração dum povo do que a sua música”. Digamos que o coração do povo, a pulsar desta maneira, anda a precisar de um “pace-maker”.
Aliás, o fenómeno new age à portuguesa não se esgota na edição destas duas colectâneas. A Strauss – responsável por de metros quadrados de escaparates, pelo menos, em cada discoteca, dedicados a este género musical onde cabem discos das boas editoras, como a Hearts of Space, e pavorosos catálogos cheios de desenhos coloridos, signos do horóscopo e sons de baleias – lançou o seu selo subsidiário Evolution, vocacionado para a edição dos sons lusos da nova idade. O responsável é o músico e produtor Zé da Ponte e do catálogo fazem já parte “De Pacem Domine” do Coral de São Domingos, “Mapas”, de José Calvário, os mais recentes lançamentos, “Marés”, de Nanutu, vulgo o saxofonista angolano Nandinho, e “Lusitânia Candles”, dos Nau. O mote da Evolution garante que, “na era das transformações e das decisivas opções, há momentos em que o pensamento humano se detém para se interrogar e buscar à sua volta o ponto de identificação com o tempo e o lugar que ocupa”.
No meio de tanta relaxação, bio-ritmos, baleias (e alguns golfinhos), flautadas de índios, baralhos de Tarot, tantrismo para domésticas, magias avulsas e um infindável folclore que tem mais a ver com o esgotamento de uma época do que com o espírito da que aí vem, ainda é possível descortinar fugas à facilidade e ao lugar-comum num disco como “Deep Travel”, de Carlos Maria Trindade, onde alguns dos estereótipos new age são reformulados numa linguagem personalizada e atenta aos ventos da mudança.
Depois, é esperar pela noite que há-de suceder ao falso ouro do pôr-do-sol do planeta virtual e pelo dia que há-de romper a escuridão da “nova ordem”. Estejamos atentos aos sinais.