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Eddi Reader – “Eddi Reader”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994


Eddi Reader
Eddi Reader
Blanco Y Negro, distri. Warner Music



O que elas dizem é sempre a mesma coisa. E, já agora, eles. Põem a alma a nu em disco. No caso delas é sempre uma perspectiva especial do feminino (que nunca, mas nunca, se confunde com feminismo), a explanação de vivências que envolvem toda a gama de contradições e quezílias internas. A ex-cantora dos Fairground Attraction procura levar a exibição da sua personalidade a níveis de maior estranheza, o que de resto, vai ao encontro da actual tendência de “flirtar” com a loucura, de que são exemplos relativamente recentes Jane Siberry e Tori Amos, ambas discípulas da “louca” que deixou de o ser, Kate Bush. Depois, na prática, são quase sempre canções que falam do eterno tema do amor e descrevem a complexidade de relações que, por norma, acabam mal. E há a voz. Algo, que por si só, pode traduzir para além das palavras, um determinado “bouquet” de emoções. Eddi Reader tem um registo vocal a atirar para o doce profundo, de timbre confortável, sem tensões nem angulosidades que possam magoar sem querer. Quando é mais profunda e um pouco menos doce, como em “East of Us” e “When I watch you sleeping”, Eddi Reader lembra a dimensão trágica de K. D. Lang. Facto a que não é alheio a produção de Greg Penny, o mesmo de “Ingénue”. O álbum peca pela vulgaridade de alguns temas, para terminar em alto nível com “Siren”, um lamento perturbante de enredo mitológico. Se deitarmos para trás das costas as angústias da senhora, pode ser usado como um bom álbum-refresco para os longos dias (e noites) de Verão. (6)

Miranda Sex Garden – “Fairytales Of Slavery”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


Miranda Sex Garden
Fairytales Of Slavery
Mute, distri. BMG



Vozes femininas. O quê, mais vozes femininas? A música torna-se cada vez mais domínio das mulheres. Com saias e decotes. Sensual. Devemos submeter-nos, protestar ou afundar-nos, ó velha guarda machista da guitarra eléctrica e cabedal? O caso das Miranda não permite avançar grandes respostas. As Miranda Sex Garden eram três meninas que, no início de carreira, cantavam madrigais tecnológicos “a capella”. Depois meteram-se com más companhias e com uns rapazes à atirar para o agressivo – Nick Cave, Barry Adamson, Enstürzende Neubauten… – e os discos passaram a reflectir essa mudança. Principalmente porque os Einstürzende, que, como toda a gente sabe, têm da música uma visão de operários metalúrgicos, nas pessoas de Alexander Hacke, o produtor, e F. M. Einheit, a esfregar pedras e num mavioso fundo de berbequim (2Transit”), tomaram conta da ocorrência. A pureza das vozes foi infectada por descargas de produtos tóxicos. Guitarras distorcidas abriram fendas no quarto de bonecas e desataram a escaqueirar os brinquedos. As percussões aproveitam para rachar a torto e a direito. O sexo, antes motivo para jogos ambíguos e infantis, dá agora cobertura ao deboche, não só o metafísico. Veja-se a pose delas numa das fotos da capa e a sugestão de chicote, meias de rede e botas de cano alto do título. As meninas cresceram, não há dúvida. A música engordou. (6)

J. J. Cale – “Closer To You”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


J. J. Cale
Closer To You
Virgin, distri. EMI – VC



Os lobos velhos não morrem. Apuram o faro e a atenção, tornam-se mais discretos e eficazes na caça. J. J. Cale, 55 anos, “Poor Lonesome cowboy” eternamente em deambulação pelas longas planícies norte-americanas, saiu da sombra com um novo álbum de sabor a frutos e quente como o deserto. É o balanço, a descontracção apaixonada, a viagem numa Harley Davidson até às fronteiras de um “swing” carnudo e palpável. “Closer to you” começa de forma fabulosa, com uma série de “mantra tunes”, como o seu autor lhes chama, que lembram os metrónomos de carne dos Can (como em “Slower baby”, o melhor tema do disco, com um vibrafone-navio a navegar até ao fim de todos os verões), que alguém suavizou de modo a entrarem em sintonia com a lassidão doce dos Dire Straits. Navegando por águas moderadamente agitadas, onde se avistam, ao longe, Neil Young e os Z. Z. Top, a música de J. J. Cale nunca se impõe, preferindo seduzir como uma amante de noites estreladas de areia. A preferência pelo acústico e pela captação espontânea em detrimento de arranjos supersofisticados não obsta a que, em várias canções, J. J. Cale se safe da melhor maneira apenas com a sua guitarra e uns poucos aparelhos electrónicos: um Digitech (antigamente, era o Vocoder) a diluir a voz em “Closer to you”, um velhinho sintetizador Kurtzweil como instrumento de composição em “Hard love”, uma caixa de ritmos entorpecida pelo calor em “Brown dirt”. É verdade que, a partir de certa altura, se perde um pouco o balanço e as canções se deixam confortavelmente cair num tom “sultans of swing” de audição agradável mas menos convicta a arrastar a atenção. Mas nunca desaparece aquela sensação de embalo, de flutuarmos à deriva num bote sob um céu de algodão. “Down by the river”, como cantava Brian Eno. Antes e depois da ciência. (7)