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Alan Stivell – “Again”

pop rock >> quarta-feira >> 26.01.1994


Alan Stivell
Again
Dreyfus, distri. Polygram



Alan Stivell já cumpriu, e bem, nos anos 70, o seu papel de principal divulgador da música tradicional da Bretanha no Mundo e de responsável pelo “renascimento” da harpa céltica em França. “Renaissance de l’Harpe Celtique”, “Alan Stivell à l’ Olympia” e, sobretudo, “Chemins de Terre” são álbuns importantes nos quais Stivell, ou Alan Cochevelou, recuperou a tradição musical bretã, que reviu em novos moldes, de modo a criar aquilo a que o próprio chamou, por oposição ao “folclore”, uma “música de raízes celtas, aberta aos ventos do mundo, com uma identidade cultural específica e elementos de fusão – uma síntese das raízes com as tecnologias do futuro”, “Música étnica moderna”, em suma. Enunciado de propósitos, que conheceu a sua forma definitiva na obra “Tir Na Nog – Symphonie Celtique” e que o autor jamais conseguiu superar. Seguiu-se a lenta decadência, com maior ou menor aceleração, intercalada por ocasionais momentos de fulgor, como é o caso de “Harpes du Nouvel Âge”, antes de Stivell se atolar no mais infecto dos lamaçais, nesse exemplo acabado de “new age” de pacotilha, que é “The Mist of Avalon”. Era difícil fazer pior depois disso. Em “Again”, Alan Stivell volta à tona de água. À custa do passado, é verdade, através da reciclagem, com novos arranjos e músicos, de temas antigos, do seu melhor período, entre 1970 e 1975. Se numa ou noutra faixa aflora algum mau gosto, tanto nas cedências à “new age” de plástico como no mais que ultrapassado conceito de “rock céltico”, a maior parte delas é, contudo, suficientemente interessante e, nalguns casos, até enriquecedor das versões originais. Rodeado de algumas estrelas, como Kate Bush, Davey Spillane, Shane McGowan, Dan Ar Bras, Doudou N’Diaye Rose, além de três vozes referenciais do canto bretão, pertencentes a gerações diferentes, Gilles Servat, Gweltaz-Thierry Adeux e Yann-Fanch Kemener, acabam por ser os temas de maior simplicidade e contenção de processos (“Ar na garraigh/telenn wad”, “The foggy dew”, “Balha-dans-plinn”, “Tri martolod”) a sugerir que Stivell ainda é alguém com que se deve contar. E é sempre um alívio verificar que, pelo menos em estúdio, o bardo afinal não desaprendeu de todo de tocar harpa. De “Again” apetece dizer, em suma, que é um álbum honesto, capaz de levar os mais novos a interessarem-se pelos discos antigos, e um petisco para os “celtas” recém-chegados. (6)

Alan Stivell – “Symphonie Celtique”

Pop-Rock Quarta-Feira, 16.10.1991 – Reedições


O PARAÍSO REENCONTRADO

ALAN STIVELL
Symphonie Celtique
CD, Rounder, distri. Dargil



Reedição no formato digital da obra-prima (originalmente editada em álbum duplo) do bretão que fez incidir sobre a harpa céltica a atenção do mundo. Corria o ano de 1980 e Alan Stivell ardia no fogo da síntese definitiva. Partindo da reactualização da harpa céltica, num contexto geral de recuperação e divulgação da língua e da cultura bretãs, Alain Cochevelou, de seu verdadeiro nome, “cidadão do mundo” como ele próprio se define, procurou sucessivamente sínteses cada vez mais perfeitas entre a tradição, o jazz e o rock, em álbuns lendários como “Renaissance de l’harpe celtique” e “Chemins de terre”. Mas é com esta “sinfonia céltica” (“o adjectivo ‘céltica’ determina uma influência central que me desobriga de toda e qualquer obediência estrita às regras da sinfonia clássica, ditadas na Europa Central, muito longe das nossas ilhas e penínsulas azul-verdes”, explica no folheto interior), subintitulada “Tir Na Nog”, “Inis Gwenva”, em bretão – o paraíso celta, tema que retoma no novo álbum, a sair brevemente, inspirado nas “Brumas de Avalon” de Marion Zimmer Bradley -, que Stivell vai mais longe na tentativa de unir todas as músicas do planeta ao centro espiritual de “Shamballah”, através do cordão de prata de um círculo celta da Bretanha. Para tal, convocou para a gravação desta obra monumental uma orquestra de 65 músicos, oriundos de várias regiões do globo, que inclui, para além da imensa legião celta, o grupo feminino algeriano Djurdjura, a chilena Una Ramos e um par de intérpretes indianos. Parte dos textos é cantada em línguas tão diversas como o algonquino e o quetchua (dialectos índios respectivamente da América do Norte e do Sul), berbere, sânscrito, tibetano e irlandês gaélico.
Dividido em três partes, correspondentes a outros tantos “círculos” (simbolizando os três círculos da espiral Na Triskell), “Tir Na Nog” junta num todo grandioso passagens declamadas, longas sequências orquestrais e canções de sabor popular, num “mantra” diversificado que atinge o auge na “suite” final, “Gouel Hollvedel” (“Festa Universal”), um “medley” de danças compostas por Stivell à maneira tradicional (por vezes divergindo para fraseados jazzísticos ou em transmutações dificilmente definíveis). Elegia sagrada à alegria dos sentidos e à unidade diversificada do Ser, “Gouel Hollvedel” enuncia um dos princípios da Idade Nova, a cumprir no ciclo cósmico que se avizinha: “Cada um tem em si uma parte de verdade e uma parte de erro. Só uma coisa é falsa – considerarmo-nos superiores aos outros. Respeitemos os seus modos, as suas cores, as suas línguas, os seus costumes. Amemo-los a todos, durante os próximos trezentos mil anos.” (10)

Alan Stivell – “II Festival Intercéltico E Semana Da Bretanha, No Porto – Stivell Desafinou”

Secção Cultura Sexta-Feira, 19.04.1991


II Festival Intercéltico E Semana Da Bretanha, No Porto
Stivell Desafinou


A Bretanha invadiu a capital nortenha, ao som da harpa electrificada de Alan Stivell. Não houve feridos – em nítida baixa de forma, o bardo não conseguiu fazer a festa e desiludiu os entendidos. Diferente opinião tiveram os milhares de pessoas que encheram o Teatro Rivoli, no Porto, e que no final aplaudiram de pé.



Quem desde a época brilhante de “La Renaissance de l’harpe celtique” e “Chemins de terre” tem vindo a acompanhar a obra de Alan Stivell, não pode deixar de se sentir desiludido com a fraca amostra a que teve direito na noite de anteontem. Acompanhado somente por Yves Riblis, nas guitarras acústicas e sintetizador, Alan Stivell trocou notas, falhou tempos e desafinou, chegando ao ponto de, num dado momento, a voz lhe faltar completamente, obrigando à interrupção e ao recomeço do tema.
Unanimemente reconhecido como um dos grandes intérpretes da harpa céltica e arauto da cultura bretã, Alan Cochevelou, de seu verdadeiro nome, mais parecia um novato, à procura da afinação certa e do registo vocal adequado. Saiu-se melhor nos poucos temas em que utilizou o “tin whistle”, típico pífaro metálico irlandês, ou a bombarda, com a qual tentou “agarrar” o público, através de uma das suas habituais cedências ao rock ‘n’ rol. Quanto à gaita-de-foles, sempre presente nos discos, nem vê-la – “em cena, só no meu grupo de rock” – explicou. O alegado cansaço (três horas de sono, na véspera, entre várias viagens de avião) não desculpa porém a falta de brio profissional de que deu mostras, mais parecendo, a certa altura, tratar-se de um ensaio e não de um espectáculo pago.
Por seu lado, Yves Riblis, coitado, lá ia acompanhando como podia a falta de swing evidenciado pelo mestre )certas incursões na atonalidade contemporânea não servem de justificação para o dedo que falha na corda…). Por fim preferiu perguntar pelo resultado do Porto – Benfica.

Novo Disco Inspirado Em Avalon

Resta a consolação de um novo disco, a sair em breve, “The Misto f Avalon” [As Bruxas De Avalon], gravado na Irlanda e inspirado na obra de Marion Zimmler Bradley. Álbum “conceptual, de canções girando à volta do conceito arturiano” – nas palavras do autor. Alan Stivell assegura que “os franceses ficaram deslumbrados com o romance” e com a sua “maneira diferente de rever a lenda do rei Artur, a partir de um ponto de vista feminino e de uma visão pré-céltica das origens, anteriores ao Cristianismo”.
A Tradição, como ponte para o Futuro, tem sido desde há muito a cruzada pessoal do músico bretão, empenhado em participar na construção dos alicerces musicais da “nova idade” – “correspondente aos próximos 2000 anos”, período que acredita ser o da “reunificação da Humanidade” e da “comunicação total”. Recordam-se, a propósito, o seu último disco até à data, “Harpes du novel âge” ou o duplo “Symphonie celtique”, de 1980, manifesto de confluência das músicas e culturas do universo, no mundo celta. Curiosamente, Alan Stivell afirma que no início, não pretendia senão “fazer rock bretão, ou céltico, sem recorrer forçosamente aos instrumentos tradicionais”. Chega a irritar-se quando chamam “cósmica” ou mesmo “céltica” à sua música – “procurar etiquetas, não faz parte de uma verdadeira atitude céltica. A noção de que tudo, o mundo, o universo, tem de ser analisado e dividido em pedaços, é tipicamente latina. No fim de contas é a maneira de funcionar do cérebro, tal como um computador. É uma noção latina que o povo celta não compreende”. A acreditar na teoria, chega-se facilmente à conclusão de que os portugueses nunca foram afinal, nem são, um povo latino.
As propostas de instauração planetária da “nova idade”, em que os celtas desempenhariam o principal papel, são à partida, louváveis: “Trata-se de reunir tudo, mas em que, ao mesmo tempo, nada ficará completamente unido. Cada indivíduo do planeta concretizará, à sua justa escala, a sua própria reunificação e terá acesso à grande biblioteca mundial”. E que “o macrocosmos e o microcosmos existem em todos e em cada um”, logo também “em cada música será possível escutar todas as músicas do planeta”. Decerto que sim, mas se nos cingirmos ao concerto de anteontem, fica-se mais com a ideia de que o mundo passará a ser como um quintal, em vez da grande e tão apregoada fraternidade universal.