Vários – “Folk Tejo, Sexta E Sábado, No Teatro São Luiz, Em Lisboa – O Último Metro” (festivais)

Cultura >> Segunda-Feira, 08.06.1992


Folk Tejo, Sexta E Sábado, No Teatro São Luiz, Em Lisboa
O Último Metro



DUAS NOITES de Folk integradas nas Festas da Cidade de Lisboa não foram suficientes para levantar o ânimo de quantos não puderam ou não quiseram ir às Antas ver o Sinatra. Em Lisboa, ao contrário do Porto, vai-se “à Folk” trajado a rigor, sem entusiasmos excessivos nem paixões exarcebadas. Como à ópera, ao Aquário Vasco da Gama ou à exposição de mobiliário de casa de banho da F.I.L.
Este ano não houve as falhas de organização do ano passado. O São Luiz foi opção acertada, o som esteve bom. A música, sem ter sido brilhante, entreteve. Abriu o primeiro dia do Folk Tejo um grupo de cantores alentejanos do Barreiro. Parece que não é no Alentejo mas sim na cintura industrial da margem Sul do Tejo que se encontram os melhores representantes desta modalidade vocal. Homens que vieram do Sul trabalhar para as fábricas e que, deste modo, até cantam melhor, empurrados pela saudade e pela mágoa. Assim foi no S. Luiz e ninguém adormeceu.
Abed Azrié, um sírio com aspecto de Leo Ferré, veio a seguir cantar os poetas místicos do mundo árabe, com arranjos musicais modernizados mas que não eliminaram de todo a vertente ascética original. Abed cantou o amor divino do “homem que se deve tornar um deus e de Deus que se deve tornar humano”, segundo a óptica dos soufis da Idade Média, que corresponde, no Ocidente, às concepções gnósticas dos trovadores provençais. Vestido de negro, Abed mostrou, pelo canto serpentiforme, a matriz feminina do Oriente. Houve mesmo uma canção dedicada à Mulher. Quando Abed Azrié perguntou à assistência como se diz “femme” em português, alguém na sala respondeu: “Chata!” Excelentes os músicos acompanhantes, com destaque para Abdulkader Ghourani, tocador de “kanoun”, uma variante do saltério.
Barbudo e extrovertido, Bem Zimet abriu as portas do cabaré e misturou tudo: o canto “yiddish” dos judeus do Leste com Piaf, os ritmos ciganos com o jazz. Freud com Schoenberg, Treblinka com a Bielorússia, as histórias divertidas com a dor. Ficou a recordação obsessiva dos anos do martírio, do “ghetto” de Varsóvia e daquela criança que “vendia fósforos a dois cêntimos numa época em que a vida humana valia menos que isso”. A embriaguez de querer, sem que se consiga esquecer o horror e a nostalgia de uma Polónia de hoje, “com as mesmas árvores, mas sem judeus”.
Cabaré de danças macabras mas também da ternura e do humor, e do encontro com a América do jazz e de Gershwin. Endiabrado esteve Teddy Lasry, no clarinete, curiosamente um músico que em início de carreira alinhou ao lado das tendências wagnerianas de Christian Vander, nos Magma… Zimet e os seus pares tocaram e tocaram, espevitados pela presença, nas primeiras filas da plateia, de elementos da comunidade judaica radicada no nosso país. Zimet só parou de tocar, como o próprio disse, para não perder o último Metro. Faltavam dez minutos para a uma da manhã.
Na noite de sábado os Romanças quiseram mostrar mais do que na realidade são. Em vez de se ficarem pela melhor música do álbum “Monte da Lua” optaram pelo exibicionismo de solos, apenas competentes e por canções novas com falta de rodagem. O melhor esteve nas vozes de Pedro d’Orey e Fernando Pereira, na balada interpretada pela vocalista convidada Filomena Pereira, acompanhada por Pedro d’Orey na harpa céltica (a primeira vez que este instrumento foi tocado ao vivo em Portugal) e José Pedro Gil nos teclados.
Chris Wood (violino) e Andy Cutting (concertina) foram o oposto dos Romanças. Autênticos tecnicistas, não se preocuparam com exibicionismos gratuitos, antes teceram um manto musical envolvente, de forma discreta, que pouco a pouco, sem alardes, conquistou de forma subtil a assistência, através de instrumentais de ressonâncias renascentistas, valsas do Quebec e outras cadências da tradição rural da Inglaterra. Para quem não os conhecia, a revelação do festival.
Happy e Artie Traum fecharam o Folk Tejo com uma nota de boa disposição e “good time music”. Com canções de The Band, Woody Guthrie, Dylan (tentaram, sem sucesso, que o público cantasse-em-coro “I shall be released”) e referências constantes à “Woodstock nation” que parece encher-lhes o coração. Convidaram Chris Wood para tocar em dois temas, brincaram com Sinatra, disseram “obrigado” em português (fruto de seis meses de aprendizagem intensiva, como disse Robbie Dupree) e mostraram dois grandes músicos em palco: Dupree, na harmónica, e Cindy Cashdollar, na “lap slow guitar” e no “dobro”, por vezes triplo. Também pararam para apanhar o metro.

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