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Altan, Boys of the Lough, Bothy Band, Buttons & Bows, Chieftains, De Danann, Dervish, Triona Ní Dhomnaill, Dubliners, Dolores Keane, Mick Moloney, Christy Moore, Patrick Street, Planxty, Skylark, Trian – “Trevos de Quatro Folhas” (dossier, música tradicional irlandesa)

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994
DOSSIER

TREVOS DE QUATRO FOLHAS



O texto que se segue faz uma resenha dos grupos e intérpretes que, de algum modo, revolucionaram e divulgaram em maior escala a música tradicional irlandesa. Uns fizeram escola, outros são por natureza excêntricos e “desrespeitadores”. Alguns pretendem acrescentar-lhes elementos de modernidade, fundindo certas especificidades da folk com outras linguagens, explorando pontos em comum, proximidades ou distâncias que surpreendentemente se anulam.
Desta súmula que propomos ao conhecimento e audição dos leitores, ficaram de fora alguns nomes sem dúvida importantes – Michael Coleman, Leo Rowsome, Willie Clancy, Séamus Ennis, Paddy Tunney, etc. -, patriarcas das gerações posteriores e alicerces do “boom” que iria abalar a ilha na madrugada dos anos 70. Isto seguindo um critério que privilegia uma certa universalidade e acessibilidade da música, ficando deste modo igualmente excluídos à partida os artistas cuja obra se construiu sobre especificidades, sejam elas um determinado instrumento (Mary Bergin, no “tin whistle”, ou Derek Bell, na harpa, por ex.) ou música com carácter marcadamente regional ou sectário (por exemplo, a música religiosa de Noirín Ní Riain). Porém, todo este mundo imenso encontra-se à disposição de quantos já penetraram o suficiente nos meandros desta música para poderem apreciar em pleno as maravilhas que podem encerrar um “bodhran”, um “tin whistle” ou umas “uillean pipes”.

ALTAN




Fizeram a transição da geração de ouro dos anos 70 para o novo “boom” dos anos 90. Uma carreira solidamente construída sobre a humildade a correcta assimilação dos ensinamentos dos antepassados granjearam-lhes a reputação de melhor banda irlandesa da actualidade. A voz de Mairéad Ní Mhaonaigh, a experiência do “intruso” escocês, ex-Silly Wizard, John Cunningham e a capacidade de autorregeneração e inovação de que dão mostras fazem o resto.
Um disco recomendado: “Harvest Storm”

BOYS OF THE LOUGH
Celebraram recentemente 25 anos de carreira. Quinze álbuns gravados e uma postura discreta, um pouco na sombra dos Chieftains, não obstam a que sejam um dos grupos de maior importância – sem dúvida dos que sempre se mantiveram fiéis a um estilo, sem concessões. Com uma formação relativamente estável ao longo dos anos, destaque para Aly Bain, “virtuose” do violino ao estilo de Shetland, Christy O’Leary, nas “uillean pipes”, e Cath McConnell, um dos maiores tocadores de “tin whistle” vivos da Irlanda.
Um disco recomendado: “Farewell and Remember Me”

BOTHY BAND
Geniais. Revolucionaram por completo a música e o conceito da música tradicional irlandesa. Uma energia espantosa, patente logo no álbum homónimo com que se estrearam em 1975, aliada a uma extraordinária capacidade técnica dos seus elementos e a uma intuição rara nos arranjos, fazem deste colectivo uma das principais referências da música na Irlanda, “tout court”. Se os Chieftains representam o classicismo, os Planxty a força do colectivo e os De Danann a experimentação, os Bothy Band representaram a revolução e a irreverência. Na altura houve quem comparasse, pela importância, este grupo – primeiro a fazer ajoelhar as audiências de rock à “irish tradition” – aos Beatles e a Elvis Presley. A personalidade forte dos músicos motivou o fim prematuro desta banda, cujos membros viriam a criar outros projectos e grupos importantes. Pelos Bothy Band e pelo grupo que lhes deu origem, os Seachtar, passaram nomes como Paddy Glackin e Tommy Peoples, antes da formação clássica com Matt Molloy, Paddy Keenan, Kevin Burke, Triona Ní Dhomhnaill, Michéal Ó Domhnaill e Donnal Lunny.
Um disco recomendado: “Old Hag You Have Killed Me”

BUTTONS & BOWS
Pouco conhecidos, fazem a ponte da tradição irlandesa com a Escócia, as ilhas Shetland, a música da Luisiana e a herança francesa do Quebeque. “Reels”, valsas e “hornpipes” são a especialidade deste trio de magníficos: Jackie Daly, no acordeão e concertina, secundado pelos violinos de Séamus McGuire e Manus McGuire.
Um disco recomendado: “The First Month of Summer”

CHIEFTAINS
(ver caixa)

DE DANANN
Juntamente com os Chieftains, os Dubliners e os Boys of the Lugh, os De Danann são uma das bandas de maior longevidade da Irlanda. O primeiro álbum deste grupo, cuja designação se inspirou nos míticos heróis Tanatha De Danann, data de 1975, o mesmo ano de estreia dos Bothy Band e apresenta a fusão dos estilos de Galway e Kerry, nele despontando uma então jovem cantora chamada Dolores Keane. Desde essa data e até ao presente, os De Danann nunca mais pararam de experimentar novos rumos e parentescos da música irlandesa com outras estéticas musicais. Com uma formação flutuante, alternaram obras-primas com discos menos conseguidos, caso do mais recente “1/2 Set in Harlem”, demasiado rendido aos primos americanos. A partir de certa altura, os De Danann passaram a incluir em cada álbum um tema dos Beatles. A música americana-irlandesa de baile dos anos 20, diálogos com cantores tradicionais desdentados da velha geração ou os folclores judeu e da América Latina fazem parte do leque de experiências levadas a cabo pelos DE Danann, também conhecidos pelo naipe de cantoras que passou pelo grupo: Dolores Keane, Maura O’Connell, Caroline Lavelle, Mary Black, Eleanor Shanley…
Alec Finn e Frank Gavin são os sobreviventes da formação original desta banda, pela qual passaram – ao longo das duas décadas que já levam de existência – ilustres como Jack Daly, Mairtin O’Connor e Mary Bergin.
Um disco recomendado: “The Star Spangled Molly”

DERVISH
Apareceram o ano passado e logo mostraram possuir a segurança e o saber dos veteranos. O que, aliado à garra e ao necessário virtuosismo, lhes assegurou desde logo o reconhecimento. Representantes da nova vaga, da qual fazem parte também os Déanta ou os Cran, estão na linha das grandes bandas folk irlandesas da década de 70.
Um disco recomendado: “Harmony Hill”

TRIONA NÍ DHOMNAILL
Herdeira legítima de Sean O’Riada, enquanto cravista de nomeada, Triona é o que se pode chamar uma mulher de múltiplos talentos. A sua voz está ao nível das melhores cantoras da Irlanda. É exímia arranjador a e manuseia com o mesmo à vontade um piano, um clavinete ou um sintetizador. Na sua música convergem influências díspares como a música de câmara, a tradição vocal gaélica e a veia improvisadora jazzística. Terminada a aventura, primeiro com os Skara Brae (com Daithi Sproule, a irmã Maighread e o irmão Michéal), depois com os Bothy Band, Triona formou dois dos mais importantes grupos irlandeses dos anos 80: Touchstone (sediado nos “States”) e Relativity, este com o seu irmão Michéal (com quem colabora também no grupo “new age” Nightnoise) e os dois manos escoceses John e Phil Cunningham. Ou seja, uma espécie de síntese dos Bothy Band com os Silly Wizard.
Um disco recomendado: “Gathering Pace” (Relativity)

DUBLINERS
Reis do “pub folk”, sinonimo de Dublin, os Z. Z. Top (não há na Irlanda barbas mais longas que as dos Dubliners) da folk irlandesa, verdadeiros heróis do “Whiskey in the jar”, aos quais foram beber os Pogues, Oyster Band, Levellers e todas as bandas portuguesas que gostam de parecer irlandesas. Existem há mais de 30 anos, gravaram recentemente um compacto duplo de aniversário e prometeu continuar. “Here’s to the Company!” À deles!!
Um disco recomendado:: “Whiskey on a Sunday”

DOLORES KEANE
A voz das vozes femininas. Aprendeu a cantar com as tias Rita e Sarah, passou pelos De Danann e rapidamente tornou-se a maior cantora tradicional da Irlanda. O timbre aveludado, a altura grave, a naturalidade e um excepcional controlo de volume da sua voz estabelecem a diferença. Com os Reel Union, é possível escutá-la na faceta mais “hard”, “a capella” e sem arranjos sofisticados, mas é só nos discos com o marido e multi-instrumentista John Faulkner que a música de Dolores Keane (ou Catháín, em gaélico) se eleva mais alto.
Um disco recomendado: “Broken Hearted I’ll Wander”

MICK MOLONEY
Nasceu em Limerick, mas vive nos Estados Unidos. Mick Moloney é certamente um dos mais dignos representantes da colónia irlandesa na América. Reputado executante nos instrumentos de corda dedilhada (guitarra, “bouzouki”, bandolim, banjo), colabora há dez anos com o cantor Robert O’Connell e o acordeonista Jimmy Keane e obras brilhantes centradas na temática da emigração.
Um disco recomendado: “Kilkelly”

CHRISTY MOORE




Equivalente de Dolores Keane no masculino. Ganhou fama nos Planxty, mas a obra posterior a solo mostra-o como um músico prolixo e de grandes recursos, enquanto cantor e compositor, em álbuns que abrangem desde a interpretação fiel de temas tradicionais à canção satírica de intervenção. É hoje uma espécie de patriarca, aglutinador de novas tendências e talentos.
Um disco recomendado: “Ordinary Man”

PATRICK STREET




A superbanda dos anos … que recentemente ressuscitou para os 90. Perfeitos na execução e nos arranjos, o quarteto de luxo formado por Andy Irvine, Jackie Daly, Kevin Burke e Arty McGlynn incarna tudo o que de melhor tinham os Planxty, Bothy Band e De Danann juntos. Descarrilaram na aproximação à pop efectuada em “Irish Times”, pa5ra regressarem em força com “All in Good Time”
Um disco recomendado: Patrick Street”

PLANXTY
Na nossa opinião, a maior banda irlandesa de todos os tempos. Os Planxty conseguiram na sua música o equilíbrio perfeito entre a ancestralidade do reportório tradicional e uma estética completamente contemporânea. Foram, para além de instrumentistas de alto nível, contadores de histórias que misturavam o encanto das lendas com a sátira e a crítica. A aproximação a outras músicas e culturas, sobretudo dos Balcãs (resultante do interesse de Andy Irvine), ou, como no derradeiro “Words & Music”, uma composição de Dylan, integravam-se com toda a naturalidade no estilo do grupo. É difícil definir aquilo que fazia dos Planxty uma banda inimitável. A personalidade e vontade fortes de todos os seus elementos garantiram-lhes uma coesão interna que nunca existiu, por exemplo, nos Bothy Band, nem nos De Danann. Também ao contrário destas duas bandas, os Planxty não deixaram escola, fruto de uma alquimia e de uma conjugação de sensibilidades especiais. As capacidades técnicas dos seus elementos (de todos apenas Liam O’Flynn e Matt Molloy se podem considerar verdadeiros “virtuoses”, havendo sem dúvida outros executantes com maior valia técnica que Andy Irvine, Christy Moore, Johnny Moynihan e Donal Lunny) não se impunham pelo exibicionismo, antes eram postas ao serviço da música. Quem quiser saber por que razão a música tradicional da Irlanda é a mais bela do mundo deve começar por ouvir os Planxty.
Um disco recomendado: “Cold Blow and the Rainy Night”

SKYLARK
Quatro grandes músicos: Len Graham, percussões e uma voz extraordinária, Garry Ó Briain, guitarra e teclados, e Mairtin O’Connor, o mágico do acordeão. Deles se podem dizer que gravaram dois álbuns de música tradicional irlandesa de primeira água. “Vintage Traditional music”. Isto é – da melhor.
Um disco recomendado: “Light and Shade”

TRIAN
Gravaram até à data apenas um álbum, mas tal bastou para os colocar na primeira fila dos grupos irlandeses instalados na América. Liz Carroll é simplesmente uma das maiores violinistas da actualidade. Acompanham-na o omnipresente Daithi Sproule (na guitarra e voz) e Billy McComiskey (ao lado de Aidan Coffey, dos De Danann, um dos jovens lobos do acordeão). Os Trian provam que a distância, mais que cindir, une a alma dos irlandeses. Haverá um nome cor de esmeralda para “saudade”?
Um disco recomendado: “Trian”

(caixa)
O MELHOR DE QUÊ?


THE CHIEFTAINS
The Best of the Chieftains
Columbia Legacy, distri. Sony Music





Chamar “best of” a um disco que abarca apenas um período de três anos – correspondente aos álbuns “The Chieftains 7”, de 1977, “The Chieftains 8”, de 1978, e “The Chieftains 9: Boil the Breakfast Early”, de 1979, por coincidência aqueles que tiveram edição americana na Columbia – de uma banda que já leva 24 álbuns gravados e 31 anos de existência é abusivo. Chamassem-lhe outra coisa qualquer, até porque de fora ficaram obviamente os melhores trabalhos do grupo: “The Chieftains 5”, “The Chieftains 6: Bonaparte’s Retreat” (o tal com Dolores Keane), “The Chieftains 10”, “Celebration” (com Van Morrison e os Milladoiro) e “Celtic Wedding” (dedicado na totalidade à música da Bretanha e ao qual se refere a foto da capa).
Formados em 1963 a partir dos Ceoltoiri Cualann, um projecto saído da imaginação do compositor e cravista Sean O’Riada, os Chieftains foram os primeiros a romper os tabus que algemavam as velhas Ceili Bands. Os tempos soltaram-se e passaram a alternar-se no interior de cada composição (dando origem às célebres transições de ritmo de um “reel” para um “jig” e deste para uma polka ou um “Planxty” que fazem as delícias dos apreciadores deste estilo de música), a instrumentação diversificou-se.
Rapidamente a banda alcançou um estatuto internacional, recebendo convites para fazer bandas sonoras de filmes (“Barry Lyndon” popularizou o nome dos Chieftains em toda a parte), documentários como “Ballad of the Irish Horse” e séries de televisão, como “The Year of the French”, e atraindo a atenção de músicos rock e pop que achavam prestigiante gravar ao lado dos Chieftains. Marianne Faithfull, Rickie Lee Jones, Elvis Costello, Eric Clapton, Kate & Anna McGarrigle, Jackson Browne, Art Garfunkel e Mike Oldfield são alguns dos artistas que gravaram ou tocaram ao vivo com esta banda hoje tornado instituição.
Os Chieftains experimentaram com orquestras e foram à China tocar música chinesa com músicos chineses. Gravaram música da Galiza e da Bretanha. Fizeram “country music” à irlandesa, em conjunto com os “monstros” Willie Nelson, Emmylou Harris, Chet Atkins, Nitty Gritty Dirt Band, Ricky Scaggs, Colin James e Don Williams. Recuperaram o legado de Turlough O’Carolan, dedicaram um disco à harpa céltica e outro à cidade de Dublin. Conseguiram, em suma, transformar a música tradicional da Irlanda numa das músicas mais populares e apreciadas do planeta.
Por tudo isto torna-se quase irrelevante a presente selecção. Claro que a música é óptima e que Paddy Moloney, Matt Molloy, Sean Keane, Martin Fay, Michael Tubridy, Derek Bell e Kevin Coneff garantem prestações de alto nível. Mas poderiam ser estas 12 faixas como poderiam ser outras quaisquer, que a música continuaria a ser óptima na mesma. E, para os neófitos, qual o interesse em começarem por aqui e não, o que seria mais lógico, pelo volume um da discografia do grupo, que, por sinal, se encontra disponível na sua totalidade em Portugal? É que assim até parece que o título é um engano… (7)

Planxty – “Planxty” + “The Well Below The Valley” + “Cold Blow And The Rainy Night” + “After The Break” + “The Woman I Loved So Well” + Words And Music” (Reedições)

Pop Rock

21 OUTUBRO 1992
REEDIÇÕES

PLANXTY: UM RASTO DE LUZ

Planxty (9)
The Well below the Valley (10)
Cold Blow and the Rainy Night (10)

CD, Shanachie, distri. MC – Mundo da Canção
After the Break (9)
The Woman I Loved so Well (9)
Words and Music (8)

CD Tara, distri. MC – Mundo da Canção

Com a reedição recente em compacto de “Cold Blow and the Rainy Night”, fica a partir de agora disponível, neste formato, a obra completa de uma das bandas que de modo exemplar contribuíram para implantar e desenvolver o movimento de renovação da música tradicional irlandesa ocorrido em inícios dos anos 60.

planxty

Aos Planxty de deve grande parte do impacte que este género musical teve sobre as gerações mais novas do Reino Unido, Estados Unidos e Europa. Antes deles havia a tradição, no sentido mais ortodoxo do termo, celebrada por praticantes como os Clancy Brothers, Dubliners e Chieftains – estes os únicos, e tardiamente, a ousarem a reconversão para modalidades menos arreigadas às regras que limitavam a projecção desta música numa escala mais alargada. Rompendo com a estagnação e inovando sem trair o passado, os Planxty fizeram história. Os três primeiros álbuns, gravados respectivamente em 1972, 73 e 74, para a Polydor, formam uma trilogia seminal que, nessa altura, abalou a estagnação em que se encontrava o “Folk Revival” irlandês, atrasado em relação ao dos vizinhos ingleses, que já então se orgulhavam de ter apresentado o trabalho pioneiro de bandas como os Fairport Convention, Steeleye Span, Pentangle e Strawbs, entre outras de segunda linha. Graças aos Planxty e ao consequente “boom” de novos grupos por ele motivado, a Irlanda não só passou para a frente como é hoje o maior viveiro e cadinho de todas as experiências realizadas com e sobre a tradição de raiz celta.
“Planxty”, a estreia discográfica, pecará apenas por uma produção que se revelou não se a mais adequada para o tipo de sonoridade que viria a caracterizar a banda – uma espantosa combinação dos instrumentos de corda dedilhada (“bouzouki”, bandolim, guitarra) com as “uillean pipes” e a originalidade de vocalizações partilhadas por vários membros dos Planxty. A partir deste disco, os quatro Planxty da formação original entraram directamente para a lenda, vindo a revelar-se, todos eles, obreiros de eleite na construção do Templo.
Andy Irvine, admirador de longa data de Woody Guthrie, aplicou com sucesso à música irlandesa certas técnicas do bandolim empregues por este músico americano. Foi também um dos pioneiros na utilização da sanfona na música tradicional britânica (instrumento solista no tema “Planxty Irwin”, incluído no primeiro álbum), além de um vocalista notável que, desde os tempos dos Sweeney’s Men (onde alinhava ao lado de Joe Dolan e Johnny Moynihan), viria a criar escola e continuadores como Andy M. Stewart, dos escoceses SillyWizard.
Lyam O’Flynn, que cedo mostrou as suas credenciais de grande tocador de “uillean pipes”, digno dos mestres de antanho, dotou os “reels”, marchas e “hornpipes” de uma profundidade harmónica que lhes faltava, advinda do uso sistemático dos bordões da gaita, uso que contrariava a tendência manifestada pela generalidade de outros gaiteiros irlandeses, que privilegiavam a melodia e as ornamentações desenhadas no ponteiro. E não é por acaso que o compositor Shaun Davey lhe entrega invariavelmente o papel de solista, nas suas obras orquestrais centradas sobre a mitologia irlandesa (“The Pilgrim”, “The Brendan Voyage”, The Relief of Derry Symphony”).
Christy Moore, também credenciado vocalista, enriquecia então o som dos Planxty com a religiosidade de um órgão antigo de pedais e um estilo peculiar de percutir o “bodhran”. Moore, hoje considerado uma lenda viva na Irlanda, conseguiu passar, sem convulsões, de expoente da música tradicional assinalado em obras capitais como “The Iron behind the Velvet” a cantor popular que não descurou a origens, assim exposto em álbuns como “Ordinary Man” ou o novo “Smoke & strong Whiskey”.
De Donnal Lunny, intérprete de excepção de bandolim e ”bouzouki”, basta referir que foi um dos fundadores dos Bothy Band, gravou um óptimo disco de parceria com Paul Brady (passou pelos Planxty, hoje vegeta sem glória na Pop sentimentalona mais inócua) e é na actualidade um dos produtores e músicos de estúdio mais activos e criativos do circuito “Folk” europeu.
Com esta formação, os Planxty assinaram as duas obras-primas “The Well below the Valley” e “Cold Blow and the Rainy Night”, a última das quais pode ser considerada um dos melhores álbuns de sempre e um marco decisivo na evolução da música tradicional irlandesa. Se “The Well below the Valley” atinge a perfeição – demonstrando um equilíbrio sem falhas entre a escolha imaginativa de reportório, o virtuosismo dos intérpretes e arranjos que vão da complexidade quase “sinfónica” dos instrumentais ao intimismo apaixonado das baladas –, o álbum seguinte atinge o estado de graça.
“Cold Blow and the Rainy Night” demonstra toda a riqueza que habita o coração da música irlandesa. É um vulcão, uma floresta, um mar sem limites. Canções fabulosas: “Johnny Cope”, “P Stands for paddy, I suppose”, “Cold blow and the rainy night”, The little drummer”. Os instrumentais estão divididos por secções de “medleys”: polkas, “reels” e “jigs”. “Bañeasa’s green glade”, balada comovente, composta por Irvine, em que se narram tempos vividos na Roménia, passados entre tocar na rua a juntar moedas, passeios pela estranheza e o gastar dos tostões na taberna, entre música, a recordar os amigos e a Irlanda distante, e “Mominsko Horo” (instrumental búlgaro) são os primeiros testemunhos gravados da paixão nutrida por Andy Irvine (viveu durante algum tempo na antiga Jugoslávia) pela música dos Balcãs. Seguir-se-iam “Smeceno horo” (em “After the Break”), “Paidushko horo” (do álbum a solo “Rainy Sundays… Windy Dreams”) e a entrega total de “East Wind”, numa colaboração com Davey Spillane. Mas é preciso ouvir a totalidade para se apreender a magia e dar conta do momento irrepetível em que quatro músicos unidos por um amor comum – a uma causa, a um país, a um passado – depõem esse amor sobre a espuma do presente.
Atingida a plenitude, os Planxty separaram-se. Regressam cinco anos mais tarde em regime de “part-time”, com “After the Break”, gravado em 1979. Trazem um músico brilhante: Matt Molloy, na flauta, recrutado por Lunny, quando ambos integravam os Bothy Band, formação que deixou para a posteridade os álbuns “The Bothy Band”, “Old hag you Have Killed me” e “Out of the Wind into the Sun” (mais outro ao vivo, “Afterhours”). A mudança de editora, da Polydor para a Tara, e o passar dos anos limaram até certo ponto a sonoridade dos Planxty. Se, por um lado, o som se tornou mais sofisticado, mais claro, por outro, ficou pelo caminho alguma da energia e da vivacidade que inflamavam os discos da primeira fase. As baladas perderam em fogosidade, os instrumentais tornaram-se polidos e esquemáticos, mais formais. É que os Planxty tinham-se tornado entretanto numa instituição e a música reflectia esse novo estatuto – continuava a ser música tradicional irlandesa de excepção, mas, agora, acrescentada das obrigações e dos limites que a condição de “clássicos” lhes impunha.
Como que a reforçar esta imagem de “monstros sagrados”, de mestres consagrados a quem se pede que sejam embaixadores da Irlanda no mundo, o álbum seguinte, “The Woman I Loved so Well”, apresenta pela primeira vez uma lista de convidados: Noel Hill (concertina), Tony Linnane (violino, estreante nos Planxty, o que é sintomático da “diferença” que o grupo sempre fizeram gala em evidenciar, neste caso através da recusa de um instrumento-ícone da música irlandesa) e Bill Whelan (teclados, mais tarde produtor de “East Wind”). Derradeira obra superior, “The Woman I Loved so Well” recupera o formato esquemático de “Cold Blow”, intercalando as baladas com secções instrumentais, aqui de “double jigs”, “hornpipes” e “reels”. Lyam O’Flynn assume uma posição de destaque no seio do grupo, infiltrando por todo o lado o som das suas “uillean pipes” e culminando esta operação na homenagem prestada ao seu professor de gaita-de-foles – o lendário Leo Rowsome – no tema final “Words and Music”, desta feita com os convidados Bill Whelan, James Kelly (violino), Nollaig Casey (violino) e Eoghan O’Neill (baixo), soa como uma despedida triste, acenada em longas e lentas baladas (um pouco longas de mais, fazendo crescer a tristeza até à agonia) e num tema de Bob Dylan sobre a emigração, “I pitty the poor immigrant”. O som electrifica-se e banaliza-se, sem contudo cair na vulgaridade. Os rasgos de génio, que antes eram regra, passam a ser excepção. O adeus definitivo pronunciado pelo colectivo não poderia encontrar melhor epitáfio que “The Irish March”, título derradeiro de uma trajectória que deixou no céu um rasto de luz. A luz de uma estrela. A luz de um farol.

discografia