01.04.2005
Quinteto Lusitânia
Voando Sobre Colinas
Companhia Nacional de Música
6/10
A ideia não é nova: um grupo de cordas a tocar temas populares extraídos de bandas sonoras de filmes antigos. Foi essa a tarefa a que o Quinteto Lusitânia se lançou, com resultados curiosos. Alguns temas são tão conhecidos como “Cantiga da Rua”, “A Agulha e o Dedal”, “verdes Anos”, “Barco Negro” ou “Aldeia da Roupa Branca”, mas o tratamento que o quinteto lhes dá cobre-os com uma “patine” adicional. Como se se quisesse preservar alguma verdade essencial. Tomemos como exemplo “A Agulha e o Dedal” onde a voz da convidada Luísa Maio soa genuinamente popular e próxima do registo de Beatriz Costa. O Quinteto acrescenta-lhe um arranjo ligeiramente erudito e está encontrada a fórmula. Lado erudito que é melhor esplanado em faixas como o original “Em Viagem” ou nos “Verdes Anos” de Carlos Paredes, com o destaque a ir para os jogos contrapontísticos dos instrumentos de corda. Tudo não passa afinal de uma recolha de memórias “mais ou menos longínquas”, “cenas presas ao nostálgico pano de fundo sonoro de filmes, imagens que se diluem em quarenta anos de cinema português”. Como uma banda sonora de Michael Nyman para um filme de Arthur Duarte ou Francisco Ribeiro.
21.12.2001
Cinema
O Senhor dos Anéis não é obra que se leia de ânimo leve. Como um passe de magia, ela transforma a vida de quem a lê. Terminada a leitura, fica a saudade, um novo olhar sobre o mundo e o desejo de converter os renitentes. Agora com o filme de Peter Jackson, a Irmandade ganha novos adeptos.
Um Anel Para Todos Dominar
“Os hobbits, aquele povo baixinho, feiinho, barrigudo e peludo, que gosta de comer e de ficar calmamente à mesa, em grandes almoçaradas e jantares, mas que, quando as circunstâncias o exigem, em momentos de crise, se transfigura por completo, faz-me lembrar os portugueses…”
Um adepto da Irmandade
A Humanidade divide-se em dois grupos: o dos que leram “O Senhor dos Anéis”, com os “Monthy Python” e Giselle Bündchen uma das manifestações mais sublimes do génio humano; e o grupo dos que não (estão à espera de quê?).
Os que leram, podem comprovar que não estamos a mentir ao afirmar que a leitura da trilogia escrita por John Ronald Reuel Tolkien, entre 1936 e 1949, e cujo primeiro volume, “A Irmandade dos Anéis”, deu à estampa pela primeira vez em 1954, fez deles pessoas melhores. E os fez descobrir que o mundo pode ser um mundo melhor. E que o mundo da fantasia é tão ou mais real que o mundo físico.
Os que não leram – por teimosia, ou para contrariar a atitude missionária dos que, tendo lido, anseiam partilhar a epifania com os leigos – justificam o lapso tremendo, cofiando o bigode com ar sério ou ajustando a bainha da saia da maioridade, acusando a obra de Tolkien de se destinar às crianças.
Também se encontra a facção dos que, não conseguindo ultrapassar a barreira do volume I, introdução didáctica aos “hobbits” e aos seus usos e costumes que é uma espécie de ritual para distinguir os eleitos dos preguiçosos, desiste ao primeiro embate com a complexa iconografia e onomástica que Tolkien propõe no preâmbulo.
A estes grupos de resistentes, ou detractores, respondem os tolkienómanos fundamentalistas com um encolher de ombros e um olhar de desprezo. A ala mais conservadora, porém, tenta convencê-los, dispondo-se mesmo a ler-lhes em voz alta, se isso for necessário para fazê-los ver a luz,
“O Senhor dos Anéis”, ao contrário da história anterior de Tolkien, “O Hobbit”, não é uma obra para crianças. Ainda que a sua magia apenas possa ser apreendida por aqueles adultos que conservaram dentro de si a pureza (e a Fé) da criança. Encare-se, antes, esta imensa geografia de seres, lugares, linguagens e situações, nos antípodas desse outro tipo, mais negro, delineado duas décadas antes por H.P. Lovecraft, como a emersão na quintessência do Humano, aí onde apenas a imaginação, o humor e a intuição servem de bússola. É a demanda, a aventura perpétua (é facto assente: todos os que a leram sentiram no final uma nostalgia, a sensação de perda, fruto do desejo de que a aventura perdurasse para sempre…) cujo sentido vai da pequenez para uma dimensão cósmica. Com regresso a casa.
Eterno Retorno
Frodo, Merry e Pippin, mesmo Sam Gamgee, os quatro “hobbits” da “Irmandade do Anel”, cuja missão é a destruição do Um Anel no Monte da Condenação (e a vitória sobre o Mal, personificado por Sauron), vão crescendo, física e espiritualmente, aproximando-se gradualmente de uma natureza délfica, a mais nobre de “O Senhor dos Anéis” (aqui Tolkien retoma o ideário do Amor e da Gnose medievais…), à medida que a saga vai avançando. Ciclo de Cavalaria ou Demanda inversa do Graal, o Eterno Retorno de “O Senhor dos Anéis” é apenas aparente. Frodo e os restantes hobbits regressam a casa diferentes do que eram ao partirem. A adaptação à mesquinhez e à normalidade do dia-a-dia no Shire tornara-se impossível. Aos portadores do Anel nada mais restava senão embarcar na derradeira viagem que os levará, na companhia dos derradeiros elfos, a um mundo ainda mais distante, do outro lado do mar. O “Avalon” dos celtas. A “Ilha dos Amores” camoniana. O céu, enfim,
Existe nesta obra que muitos consideram “A Obra” literária do século XX, um itinerário (outra das delícias da leitura: seguir passo a passo, no mapa impresso nas primeiras páginas dos três volumes, as diversas etapas da viagem), exterior e interior. “Um mapa da fantasia que, por detrás, esconde o mapa verdadeiro da Inglaterra”, diz Tom Shippley, professor de filologia inglesa antiga, na Universidade de Leeds. Lê-la, com “L” maiúsculo, é seguir lado a lado com a Irmandade, resistir à fúria dos elementos nas altas encostas de Caradhras, lutar contra aranhas gigantescas na floresta Tenebrosa, enfrentar o terror inominável nos subterrâneos de Moria, naquele que será o episódio mais próximo das trevas Lovecraftianas, como este as efabuloou em “Nas Montanhas da Loucura”.
“O Senhor dos Anéis” obriga-nos a entrar e a viver no interior deste mundo. A partilhar os medos e as alegrias, os anseios e as dúvidas, os momentos de desânimo e os deslumbramentos, as pequenas cobardias e os actos de bravura de cada um dos elementos da Irmandade do Anel. Combatemos ao lado de Frodo e dos seus companheiros, os ferozes orcs e os horrendos trolls; ajudamos a derrubar, com o auxílio dos inenarráveis Ents, a torre de Saruman, o feiticeiro traidor, símbolo da racionalidade demoníaca.
Reaprendemos a olhar o mundo que nos rodeia com um olhar mais límpido e luminoso, a descobrir o véu ténue que separa o sonho da realidade e a vislumbrar o que se move do lado de lá e influencia o lado de cá.
Para Judi Dench, narradora do programa televisivo britânico “J. R. T. T. – A Portrait of John Ronald Reuel Tolkien”, realizado em 1992, no centenário do nascimento do escritor, “o livro ergue-se sobre velhos padrões de um desejo universal, de se querer um mundo mais rico, profundo e vivo do que o que Descartes nos deu. De desejar encontrar algo que não é magia, mas encantamento, no mundo que nos rodeia e que o mundo de Tolkien nos dá, numa base permanente, de modo que, ao fecharmos o livro, podemos olhar à nossa volta, e os nossos olhos mantêm essa imagem. Continuamos a ver esse mundo no mundo em que vivemos”.
Na introdução a “O Senhor dos Anéis”, Tolkien refere o facto de durante a escrita de “O Hobbit”, a obra que daria origem a “O Senhor dos Anéis”, ter tido “vislumbres de coisas mais elevadas, tanto para o bem como para o mal”. Quanto a isso, não tenhamos dúvidas. Sauron continua activo, os seus feitiços a tornar espessas todas as coisas. O “um anel para todos dominar, um anel para os encontrar/um anel para todos prender, e nas trevas os reter/na terra de Mordor, o reino das sombras” continua a exercer o seu poder e fascínio sobre os homens. “O Senhor dos Anéis” extravasa das folhas de papel para o coração do leitor, e de lá escorre para a confusão das cidades, redimindo os vícios de uma Humanidade apartada de si mesma, esquecida dos tempos em que foi grande, incapaz de se reconhecer nos feitos dos heróis.
A Outra Irmandade
A par da Irmandade dos Anéis, existe, espalhada pelos quatro cantos do mundo, uma outra Irmandade, a dos admiradores de Tolkien. Portugal não é excepção. O Y falou com dois membros dessa Irmandade, António Martins, 37 anos, professor do Ensino Básico, em Loulé, que ainda não viu o filme, e Pedro Laginha, 15 anos, estudante, que já viu, e “adorou”, a adaptação cinematográfica de Peter Jackson. António Martins já leu “O Senhor dos Anéis” duas vezes. Da primeira ficou o deslumbramento da descoberta de uma “paisagem fantástica” e, como acontece aos verdadeiros “crentes”, uma “imensa tristeza por acabar a leitura do livro e a vontade de continuar”.
A paixão pela Idade Média e o amor pela natureza, sentidos desde sempre por António Martins, ajudam a explicar a sua predilecção, entre todas as personagens da trilogia, pelos Ents, cuja acção é determinante na vitória final das forças do Bem contra os exércitos de Saruman.
“O ataque final ao Senhor das Trevas, por aqueles seres, meio animais, meio árvores… São eles que acabam por rebentar com a fortaleza e estoirar com as pedras. Na Natureza também é assim que as coisas acontecem, as armas humanas acabam por ser destruídas por forças naturais”.
Os hobbits são outros dos povos da Terra Média pelos quais este professor do Primário não esconde a sua admiração, descobrindo inclusive na sua compleição física e no seu perfil psicológico insuspeitas conotações… “Aquele povo baixinho, feiinho, barrigudo e peludo, que gosta de comer e de ficar calmamente à mesa, em grandes almoçaradas e jantares, mas que, quando as circunstâncias o exigem, em momentos de crise, se transfigura por completo, faz-me lembrar os portugueses…”.
Destaca ainda a dicotomia Tom Bombadil/Gandalf, outra das suas personagens favoritas: “Tom Bombadil tem poderes fantásticos, nada o afecta, é a eterna testemunha, o mais antigo de todos, tão velho, tão velho, mas apesar de tudo criança, que apesar de todos esses poderes não age, prefere brincar, achando que tudo são trivialidades. Gandalf, pelo contrário, usa a sua sabedoria e os seus poderes. Ainda não perdeu essa capacidade de achar que pode modificar o rumo dos acontecimentos”.
O regresso, muitos anos mais tarde, a “O Senhor dos Anéis”, para uma segunda leitura, “de enfiada, sem conseguir parar, no Metro, na casa de banho, à noite, antes de adormecer”, coincidiu com uma perspectiva já mais serena da obra. Além disso, depois do “choque” causado pela primeira, que terá durado cerca de “dois, três meses”, António tornou-se, como mandam as regras, um “fanático” do universo tolkeniano. “Fiquei escandalizadíssimo quando três ou quatro pessoas me disseram que começaram a ler aquilo e acharam chato (risos). Disse-lhes para insistirem…”. Já conseguiu converter a mulher, que após as resistências habituais, já vai no final do volume I, e “está a adorar”. Para este professor que gosta de passear pela serra algarvia, para contemplar de perto a Natureza, o “mundo imaginário” de “O Senhor dos Anéis” é “uma imagem de todos nós”: “Tolkien conseguiu agarrar nas pulsões mais íntimas da Humanidade”.
Foi através da mãe, que o aconselhou a ler o livro, que Pedro Laginha entrou neste mundo imaginário. Não se fez rogado e logo reparou que o “envolvia”. Leu “A Irmandade do Anel” em um ou dois meses. Seguiu rapidamente para o resto da trilogia. Teve pena de parar. O seu preferido é o volume II, “As Duas Torres”. Destaca a “variedade de raças e místicas” e a “criatividade” das “descrições, dos calendários, dos cenários”. As suas personagens favoritas são Gandalf, Aragorn e Sam Gamgee. Identifica-se com Frodo. “Senti o mesmo que ele estava a sentir, a sua ansiedade”. Pedro é um dos felizardos que já viu o filme. Gostou. “Talvez falte uma coisa ou outra, como a cena do Tom Bombadil…”. A falha não será suficiente para desencorajar Pedro de ler os três livros outra vez.
“Então quando vi o filme, fiquei tão entusiasmado que ando a tentar convencer os meus amigos a lerem também”. São assim, os membros da Irmandade dos Admiradores de “O Senhor dos Anéis”
Kepa Junkera
Maren (7/10)
EMI, distri. EMI-VC
7/10
Brass Monkey
Going & Staying
Topic, distri. Megamúsica
8/10
Manuel Luna
Romper El Baile
Resistencia, distri. Sabotage
7/10
Kornog
Kornog
Keltia, distri. Megamúsica/import. Fnac
7/10
Decameron
Mammoth Special
Edsel, distri. Megamúsica/import. Fnac
6/10
Em dia de estreia de “O Senhor dos Anéis”, em plena época natalícia, nada melhor que ouvir uma boa pacotada de folk europeia, para prolongar o deslumbramento e animar ainda mais os espíritos. Ainda que nem tudo sejam rosas. Os Garmarna, por exemplo, gravaram um disco inteiro inspirado na música da nossa querida Hildegard Von Bingen, a abadessa medieval que fez um pouco de tudo menos aquilo em que vocês estão a pensar. Já tiveram um lugar de destaque no quadro de honra das grandes bandas suecas com o nome terminado em “arna”, como os Hedningarna, Hoven Drovenarna e Den Fularna, mas neste novo trabalho espalharam-se ao comprido. “Hildegard Von Bingen” é tecnofolk e new age a pensar nos tops de “world music”, com uma piscadela de olho ao público de Enya e outra aos “dance addicts” de costela étnica. Não é a opção em si, mas o oportunismo de uma fórmula estafada, que torna “Hildegard Von Bingen” redundante. Assim, as batidas moem mais do que encantam e, tecno por tecno, porque não experimentar a linha dura da tecnomedievalfolk personificada pelos QNTAL?
Também mais modernaço do que o costume, quçá impelido pelo êxito alcançado pelo anterior “Bilbao 00:00H”, Kepa Junkera aligeira a respiração da sua “trikitixa” em “Maren”. A lista de convidados inclui um grupo de vozes búlgaras, o gaiteiro MIDI, Hevia, o sanfonineiro Gilles Chabenat, o flamenquista Canizares, o percussionista fusionista Glen Velez, a diva da folk mediterrânica Maria del Mar Bonnet, o madagasquenho Justin Vali e o ex-Malicorne Hughes de Courson, entre outros. Tudo boa gente, se bem que o virtuosismo do basco sobressaia uma vez mais. Maculado pela comercialite de temas como “No hirahira”, redime-se nas mestiçagens balcânicas (de sabor medieval num maravilhoso “Oliene”) e no folclore basco ferrenho de “Peliqueiroak terranovan”, num álbum marcado ainda por uma forte componente africana e, no título-tema, pelas aragens occoitanas dos Verd e Blu.
Boa muito boa, é, como sempre, a superbanda inglesa Brass Monkey (na foto), onde despontam a figura mítica de Martin Carthy, na voz e na guitarra, e do não menos importante John Kirkpatrick, na concertina. Em “Going & Staying”, o legado ancestral das danças “morris” volta a servir de base a incursões épicas alargadas pela tradicional secção de metais, em contraponto com as vocalizações de Carthy, que uma vez mais roçam o sublime. Um álbum que prolonga a tradição de ouro dos melhores de Shirley Collins e dos Albion Country Band, pelos verdadeiros senhores da folk.
Manuel Luna também está de regresso, com o seu grupo La Cuadrilla Maquisera e o álbum “Romper el Baile”. Uma voz única, um estilo de interpretação especial, ao serviço de um reportório onde a música valenciana, sob influência do flamenco e da música árabe, adquire uma estranha sensualidade, própria do Sul, mas tornada quase hipnótica pelo canto de Luna e o violino de Enrique Valino.
Outro regresso é o dos Kornog, banda bretã que fez algum furor nos anos 80, com “On Seven Winds” (1985). Regresso de saudar, diga-se de passagem. “Kornog”, o novo álbum, não traz nada de novo, é um facto. Mas é preciso? Ouvir os extraordinários desempenhos vocais do escocês Jamie McMenemy, um dos fundadores do grupo, em 1981, é suficiente para nos comover e fazer recordar como a folk podia ser exaltante na década dos Planxty. Maturidade (fazem parte do grupo as raposas velhas da folk bretã, Jean-Michel Veillon, na flauta, e Nicolas Quemener, na guitarra), uma dedicatória ao rei deposto, Alan Stivell, e alguma água deitada na fervura nos instrumentais, justificam uma audição atenta.
Para quem aborda a folk pelo lado do rock progressivo, há uma proposta razoável: a reedição, aumentada com um tema extra, de “Mammoth Special”, álbum de 1974 dos Decameron. Como outras bandas da mesma época, imaginavam o folkrock como uma salganhada de imaginação, arranjos impensáveis e contrastes de várias cores e feitios. Se é verdade que um título como “Rock and roll woman” é de molde a afugentar qualquer purista, não deixa de fazer sentido arrumar “Mammoth Special” numa colecção exaustiva dos anos 70, ao lado dos Stawbs, Spirogyra, Lindisfarne, Gryphon (“Jan”, o tema a reter, cheira à Primavera des “Treason”) ou Horslips, todas elas da mesma família dos Decameron.