21.12.2001
Música Dos Anéis
Lord of the Rings, do sueco Bo Hansson, é apenas um dos muitos discos inspirados na Terra Média criada por Tolkien, cujas fantasias literárias casaram bem com as drogas e as visões dos músicos dos anos 60 e 70.
A música está no cerne de cada linha de “O Senhor dos Anéis”. Descontando a dimensão wagneriana possível de descortinar na construção arquitectónica desta obra monumental, toda a escrita de Tolkien flui de forma musical. Tolkien, convém não esquecê-lo, foi professor de línguas antigas em Oxford, em particular de inglês medieval e d o galês. Cada sílaba, a mais subtil entoação das palavras pronunciadas na antiga língua da Terra Média, nomeadamente o élfico, nas suas duas modalidades, o “quenya” e o “sindarin”, derivam de um estudo apurado, tendo o seu autor levado em conta não só a grafia como a musicalidade de cada termo.
Tolkien inventou toda uma geografia e uma História, da mesma forma que criou para elas uma linguagem original coerente, possuidora de uma gramática e etimologias próprias. Neste aspecto, é elucidativa a explicação sobre este processo dada pelo escritor, no programa televisivo “J.R.R.T. – A Portrait of John Ronald Reuel Tolkien” (realizado em 1992). “quando escrevo, começo sempre pelos nomes2. Tolkien não só radicou o seu novo vocabulário em raízes etimológicas genuínas, como se deu ao cuidado de lhes conferir um grafismo e uma fonética mágicos que, de igual modo, entroncavam nas antigas civilizações célticas. De imediato reconhecemos em nomes da “língua antiga”, como Arwen, Beregond, Déagol, Dúnedain, Elberethgilthoniel, Éowyn, Gil-Galad ou Gwaihir, ora ressonâncias gaélicas ora do ciclo medieval arturiano. “A Elbereth Gilthoniel silivren penna míriel, o menel agalr elenath! Na-chared palan-díriel. O galadhremmin ennorath, fanuilos, le linnathon nef aear, sí nef aeron!”… Quem dominar a língua élfica, decerto entenderá…
Pop e Rock
Não se esgota, porém, na estrutura formal (nomes das personagens, lugares, etc.) a música que em “O Senhor dos Anéis” se faz ouvir em todo o seu esplendor. Desde os constantes cânticos élficos (e os reinos dos elfos, como Rivendell ou Lothlorien são em si mesmos filigranas musicais…) aos encantamentos de Gandalf que atravessam a trilogia, passando pelo poema de Bilbo Baggins, a música confunde-se com a própria acção, numa imensa sinfonia em três andamentos cujo “finale” não poderia ser mais surpreendente…
Por tudo isto se compreende que “O Senhor dos Anéis2 tenha deixado marcas na música pop e no rock, em particular nas décadas de 60 e 70, quando o seu impacto foi maior. O onirismo ou realismo fantástico (ou fantástico real?) de Tolkien encontrou terreno fértil na imaginação e nos discos de não poucos músicos para os quais as drogas alucinogéneas, o Psicadelismo e, posteriormente, o Rock Progressivo, funcionavam como catalisadores de uma visão do homem e do mundo que os anos 80 pulverizaram nas engrenagens de uma máquina devoradora de sonhos.
Então, porém, a loucura e a desmesura ditavam as suas leis. Exemplo extremo de visionarismo (para muitos de totalitarismo…) e da emancipação linguística equivalentes aos de Tolkien, e o que mais longe foi ao pôr em prática um código musical e linguístico autónomo, deu-o o baterista e compositor Christian Vander, em França, na alvorada dos “sixties”, com o grupo Magma.
Vander, amante de Wagner, Coltrane e dos Van Der Graaf Generator (desse outro grande poeta e visionário chamado Peter Hammill), delineou o seu cosmos pessoal com sede no planeta Kobaia, conferindo-lhe, como língua própria na qual todos os discos do grupo haveriam de ser cantados, o kobaiano. Na história delirante saída da mente do músico francês, os maus da fita, que haveriam de invadir o planeta Terra, respondiam, no álbum de 1974, “Khöntarkösz”, pelo nome de Orks, clara alusão aos orcs de “O Senhor dos Anéis”. Curiosamente, Vander é hoje um dedicado estudioso de magia negra…
Quatro anos antes de os Magma prenderem o rock no seu anel-garra, o sueco Bo Hansson fora mais literal, ao gravar “Lord of the Rings”, súmula prog/jazzística que retratava algumas das situações da narrativa épica de Tolkien.
Os exemplos da incidência da obra de Tolkien na música popular sucedem-se: Jack Bruce chamou “To Isengard” (região onde se localizava a torre de Orthanc, a fortaleza de Saruman) a uma das faixas do seu álbum de 1969, “Songs for a Taylor”. Em 1970, os Camel incluíram “Nimrodel” no seu longa-duração, “Mirage”. “Lothlorien” é o título de uma das canções de “Ring of Hands”, álbum de 1971 dos Argent.
Já na época de confronto com o punk, Fish cortou a primeira sílaba a “Simarillion” (o genesis mitológico da Terra Média) e chamou ao seu grupo Marillion”.
Ainda no período de decadência do Progressivo para o Neo-Prog, apareceram os espanhóis Galadriel, a rainha dos elfos. Também espanhóis, os Amarok dedicaram uma suite do álbum “Canciones de los Mundos Perdidos” a “O Senhor dos Anéis”. A banda de hardrock Glass Hammer cultiva uma obsessão pela obra de Tolkien. Também “heavy bangers”, os Rivendell não escondem onde foram buscar inspiração para o seu nome. Na Alemanha, a electrónica de contornos místicos caiu nas mãos do grupo Gandalf.
Mesmo o jazz foi sensível ao fascínio exercido por Tolkien. Músicos como o trompetista Don Cherry ou o vibrafonista Dave Pike compuseram dedicatórias a “O Senhor dos Anéis”.
Em Portugal, ainda na década de 70, Manuel Cardoso, guitarrista dos Tantra, assumiu, como alterego, Frodo, ainda que, neste caso, o formato da cabeça (monstruosa, em bico) da personagem não coincidisse em absoluto com a que Tolkien idealizara para o hobbit…
Refira-se, para terminar, o próximo projecto já anunciado por Rick Wakeman: um álbum intitulado “Master of the Rings”, inteiramente dedicado À temática em causa. É bastante provável que a este, Tolkien, se fosse vivo, não desse a sua aprovação…