Kepa Junkera, Navegador Da Trikitixa, Parte De Bilbau Para O Resto Do Mundo – Entrevista –

25.09.1998
Kepa Junkera, Navegador Da Trikitixa, Parte De Bilbau Para O Resto Do Mundo
Basco Da Gama
“Bilbao 00:00h” é uma metáfora. De uma cidade, Bilbau, e de uma maneira pluralista de entender a música do mundo. Uma “hora mágica”, um “começo” e um “ponto de encontro” do Norte celta, do Sul árabe e do mar, nas margens do País Basco. No meio da imensidade de estrelas convidadas por Kepa Junkera, está Dulce Pontes.

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Kepa Junkera é um navegador. Das possibilidades ocultas da trikitixa (acordeão diatónico) e das música que nascem do encontro entre diversas tradições. O “virtuose” basco descreveu para o PÚBLICO algumas das etapas desta viagem.
FM – “Bilbao 00:00h” é um disco sobre uma cidade ou um disco sobre o mundo?

KEPA JUNKERA – É um trabalho em que procurei reflectir a forma como encaro a música, uma espécie de resumo da minha carreira, iniciada há 15 anos, de todas as experiências que fui acumulando durante este tempo. É também um disco sobre o mundo, o mundo musical, mas é sobretudo uma homenagem à minha cidade, a terra onde nasci e cresci, um meio urbano que influenciou a minha maneira de ver a música. É ainda outra homenagem, a Astor Piazzola, um dos músicos que mais me marcou, pela sua música e pelo seu carácter.

FM – Por que razão escolheu para título uma hora como a meia-noite?

KEPA JUNKERA – Pretende ser uma metáfora. É uma hora mágica, um começo, um ponto de encontro. Atravessamos um momento no qual muitos jovens músicos começam a destacar-se, reclamando a atenção de público.

FM – Quem é Román Urraza, a quem o disco é dedicado?

KEPA JUNKERA – Era o meu avô materno. Tocava pandeireta. Ele e a minha mãe foram as pessoas que me deram a conhecer as raízes musicais do meu país.

FM – Gostaria que pormenorizasse um pouco, algumas colaborações do disco: La Bottine Souriante, Dulce Pontes, Hedningarna, Phil Cunningham, Alasdair Fraser, Mairtin =’Connor e Liam O’Flynn.

KEPA JUNKERA – Os La Bottine Souriante, considero-os uma das melhores bandas de todos os tempos. Conheci-os há cinco anos, num festival no Quebeque. Dulce Pontes tem uma voz que não consegue passar despercebida. Convidámo-la para um concerto em Madrid, em Dezembro do ano passado. Propusemos-lhe gravar em basco um tema tradicional, “Maita nun zira?”, que ela cantou logo à primeira. Faz algum tempo que a música portuguesa tem uma palavra a dizer no panorama internacional, é um país de grandes músicos. Sempre me interessei, por exemplo, pela concertina, tão presente na música do Norte de Portugal. Quanto aos Hedningarna, a sua forma de tratar as melodias tradicionais, combinando-as com instrumentos vanguardistas, facilitou a ruptura com velhos esquemas, transportando a música para terrenos inexplorados.
Phil Cunningham, Alasdair Fraser, Mairtin O’Connor e Lyam O’Flynn representam a perspectiva celta, a partir do Norte.

FM – “Fali-faly” foi feito de propósito para mostrar o “virtuosismo” dos vários solistas envolvidos?

KEPA JUNKERA – É um hino à alegria onde cada músico contribui com os respectivos instrumentos, timbres e formas de interpretação específicos. Definitivamente, é o tema que melhor reflecte o que este disco pretende contar.

FM – Como aparece a referência a Portugal, em “Del Hierro a Madagascar”?

KEPA JUNKERA – A letra foi escrita por Pedro Guerra que, melhor do que ninguém, captou a componente da viagem que este disco necessariamente tem. E quando se fala em viajar não se pode evitar fazer referência ao mar e a Portugal, um dos países que melhor soube integrar outras culturas na sua cultura. Para os portugueses, como para os bascos, o mar constitui uma parte importante da sua tradição.

FM – Além de um forte contingente galego (Nunez, Budino, Beceiro), participam neste disco músicos ligados às tradições do Sul de Espanha, como o Luis Delgado ou o Fain Duenas…

KEPA JUNKERA – Sim, e o Sebastian Rubio ou o Pedro Estevan. Nos últimos tempos temos sido bombardeados por música celta, eles trazem consigo outras formas de expressão que se fundem com naturalidade.

FM – O que mudou, de “Leonen Orroak”, com Ibon Koteron, para este novo álbum?

KEPA JUNKERA – “Leonen Orroak” era um trabalho mais experimental, uma tentaiva de descoberta de todas as possibilidades de um instrumento ancestral, a alboka, de exploração dos seus segredos e mistérios. “Bilbao 00:00h” é diferente, uma reunião, algo aberto, motivo de alegria e de festa, onde podemos encontrar a alboka e a txalaparta compartilhando o mesmo espaço com a valiha, o acordeão e os teclados.

FM – “Bilbao 00:00h” é uma aposta evidente no mercado internacional. Este facto influenciou, de alguma forma, aspectos musicais como a produção ou os arranjos?

KEPA JUNKERA – Não. Através dos meus discos procurei sempre colaborar com outros artistas, explorar diferentes timbres, sonoridades e instrumentos. Não é um disco muito diferente dos outros. A quantidade de convidados é, sem dúvida maior, mas a ideia central permanece a mesma. Não se trata de uma moda, mas de uma necessidade.

Amélia Muge Responde “Taco A Taco” A Recusa De Três Anos – Entrevista –

11.09.1998
Amélia Muge Responde “Taco A Taco” A Recusa De Três Anos
Quatro Pistas Para Uma Identidade
“Taco a Taco2 é o terceiro álbum de originais de Amélia Muge. Editado com três anos de atraso, porque antes não foi considerado “suficientemente interessante para o mercado”, é nele que a cantora se descobre e desdobra vocalmente através dos sintetizadores para chegar a uma nova forma de irreverência.

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“Taco a Taco” permitiu a Amélia Muge avançar mais uma etapa no seu percurso de autodescoberta e de pesquisa de novas formas de intervenção estética. Mais do que politicamente correcto, o álbum deixa o ouvinte completa liberdade de interpretação. Um jogo de escondidas com a modernidade que passa pela interacção com a tecnologia para chegar à descoberta d euma nova identidade musical.

FM – Que diferenças existem, ao nível da lógica e dos processos de criação, entre “Taco a Taco” e os seus dois álbuns anteriores, “Múgica” e “Todos os Dias”?

AMÉLIA MUGE – À medida que fui avançando para este trabalho – e talvez muito marcada pela morte de uma pessoa a quem eu admirava especialmente, o Mário Viegas, em particular por um dos seus últimos trabalhos, “Europa Não, Portugal Nunca” – questionei-me sobre o que se poderá entender como politicamente correcto no sentido de uma maior liberdade musical. Todos os modelos, por muito bons que sejam, com o tempo acabam por caducar. Não na sua natureza, mas na sua eficácia.

FM – Refere-se à transição de um modelo essencialmente ético para um modelo estético?

AMÉLIA MUGE – Se calhar a passagem de uma ética para uma outra ética diferente… Ainda tomando como referência, ao nível da intervenção, o Mário Viegas, ele tinha uma lucidez e uma capacidade de crítica social que, inclusive, passava pela música. Era capaz de pegar em coisas do Zeca e dizê-las. Havia nele uma tentativa, quase tágica, desesperada, de voltar um pouco ao contrário esses valores, no sentido de ir ao encontro da necessidade das pessoas de se sentirem mais leves em relação ao seu passado e ao seu futuro. Era aí que entrava a lucidez, a inteligência e o humor, uma arma perigosa.

FM – Como definiria a linha estética de “Taco a Taco”?

AMÉLIA MUGE – O principal foram cada momento, cada tema e o que se passa dentro de cada tema. Como se, de repente, aquilo que nos preocupa no nosso dia-a-dia, coisas mosntruosas, como a poluição, deixassem de ser determinantes para eu trabalhar melhor. No fundo, tentei encontrar respostas novas no spróprios materiais de criação. Como se tivesse havido um corte com as coisas a que eu estava mais apegada para me voltar sobre aquilo que, de facto, estava a fazer. Senti-me completamente liberta. Esse mundo antigo de referências, sociais e políticas, era como se não estivesse presente.

Pós- Moderna?

FM – Comparando com os discos anteriores, cresceu a importância dos arranjos e da produção?

AMÉLIA MUGE – Digamos que houve mais espaço e mais tempo. Normalmente, a pressão para se fazer as coisas é enorme. Enquanto se decide como se faz ou não se faz, anda-se ali muito tempo sem perceber., até os próprios recursos que se tem à disposição. Neste caso, como todo o álbum foi gravado antes de haver uma editora, sobrou um espaço menos condicionante.

FM – Nota-se que o estúdio esteve mais presente do que é habitual, nos tratamentos electrónicos da voz, por exemplo…

AMÉLIA MUGE – Passei daquela fase, quase elementar, de gravar em casa, directamente, a voz, um piano ou um adufe, para um estádio onde, de repente, passei do gravador normal para um gravador de quatro pistas. [N.R.: Na verdade, de oito pistas, como explicou António José Martins, produtor de “Taco a Taco”, que acompanhou de perto as gravações do disco, ainda nesta fase doméstica.] Comecei a ter vontade de perceber o que era esse mundo. A grande questão não é a do som sintetizado em si – e este disco começou por ser gravado só com sons sintetizados -, mas a forma como esse som actua sobre nós. Que novas estéticas é que essa tecnologia e esse novo som determinam. Cheguei a uma forma final em que essa tecnologia age como uma espécie de interferência no som acústico.

FM – Ess questão, da tecnologia electrónica e das suas aplicações, introduz um outro tipo de discussão mais vasta. Até que ponto é que essa interiorização, digamos assim, da tecnologia, determinou uma inflexão profunda na sua música?

AMÉLIA MUGE – Já em “Múgica” essa questão me espantava. Será que havia dois caminhos paralelos, eu a puxar para um lado e o José Martins e o mundo dele, dos instrumentos electrónicos, a fugir para o outro? Quanto mais ouvia músicos como o Hector Zazou ou a Laurie Anderson fui percebendo que mesmo algumas das tecnologias que eles usam serão no futuro artefactos tradicionais velhíssimos. Descobri neste novo disco o papel que as novas tecnologias poderão ter nas músicas tradicionais ou simplesmente acústicas. Para mim representou a descoberta de mim própria como intérprete. Enquanto antes compunha umas linhas melódicas mais ou menos adaptadas ao sentido do texto, um trabalho, digamos, de registo do real, agora como que descobri em mim outras vozes, a partir da análise das vozes sintetizadas. Um efeito de microscópio, de penetrar mais fundo. Claro que se o Bobby McFerrin ou a Laurie Anderson me estivessem a ouvir fartavam-se de rir, porque eles já descobriram isto há muito tempo. Eu não. E não cheguei aqui por um desejo de ser mais “moderna”, mas pela entrada progressiva, no meu universo sonoro, que sempre foi muito acústico, do trabalho do José Martins.

FM – Uma Amélia Muge pós-moderna?

AMÉLIA MUGE – Sempre fui muito reticente em relação a esses conceitos. Nunca houve, como agora, uma modernidade tão igual. A tendência é sermos modernos todos da mesma maneira. A ideia de modernidade manifestou-se sempre através dos símbolos e da forma como estes estabilizam. Dou-lhe um exemplo. O tema de abertura, “Ai, flores”. Fiz este tema durante uma campanha política. Aquela coisa de levantar o braço porque estamos nesta estação mas se calhar na estação seguinte vão ser outros a levantá-lo. O tema tinha um bocado essa carga política. E de repente, quando estava a ordenar o alinhamento de disco, reparei que alguns dos primeiros versos dos nossos cancioneiros são “as flores do verde pinho dizei-me novas do meu amigo”? Surgiu uma segunda leitura do tema a partir de uma interacção, um “taco-ataco”, entre o que tinha escrito e essa presença longínqua, que anunciava as novidades, das cantigas de amigo. As flores adquiriram um valor simbólico. É toda uma simbologia que também está presente na simagens da capa, que juntam desde sinais da informática a hieroglifos egípcios. Descobri neste disco a força que têm os próprios significados, independentemente das intenções prévias da escrita.

FM – Se José Afonso tivesse sido mulher, poderia perfeitamente ter assinado interpretações como as de “Inda bem que há esquimós”. É outra das facetas interessantes de “Taco a Taco”, uma corresponde^ncia com o lado mais experimentalmente daquele compositor…

AMÉLIA MUGE – Concretamente, nesse tema, trata-se de um poema do António Grabato Dias, que sempre teve pena que o Zeca não musicasse: “Isto era mesmo para o Zeca!” “Inda bem que há esquimós” está de facto muito afonsino, talvez porque o sentisse quase como uma encomenda… Cantei-o imaginando o Zeca a cantá-lo. Depois, lá está, este é um disco onde o lado mais irreverente dos artistas de quem gosto veio mais ao de cima. Existe uma falsa irreverência nos dias de hoje. Parece que basta haver meia dúzia de palavras de ordem e meia dúzia de gritos no “proscenium” e já somos todos revolucionários. Mas no que continuamos a fazer todos os dias continuamos a estar prisioneiros das convenções. Na própria liberdade de criação há limitações, para não falar de proibições… “Taco a Taco” só não saiu há três anos porque não o acharam suficientemente interessante para o mercado…

FM – Para além dos espectáculos com Jorge Palma e o grupo búlgaro Pirin Folk Ensemble, colaboração da qual sairá em breve um registo em disco, em que ponto se encontra outro dos seus projectos, um álbum baseado em romances tradicionais portugueses?

AMÉLIA MUGE – O projecto “Romances” é uma encomenda da Comissão dos Descobrimentos, onde, além de mim, colaboram Sérgio Godinho, João Afonso, os Vai de Roda, Brigada Vítor Jara e Gaiteiros de Lisboa. Eu participo com dois temas, acompanhada por músicos dos Gaiteiros, aquele romance da donzela guerreira e um romance da D. Olívia, recolhido na Madeira, para o qual não se conhece, sequer, qualquer versão musicada, com arranjo do José Manuel David, dos Gaiteiros.

Kodo, Depois Do Concerto, Apresentam O Álbum “Ibuki” – Entrevista –

24.07.1998
Kodo, Depois Do Concerto, Apresentam O Álbum “Ibuki”
Zen, Tambores E Monty Python
A espiritualidade é um termo inventado pelos ocidentais para explicar as coisas simples. Tão simples que a razão as desconhece. É esta a filosofia dos Kodo, que actuaram no passado fim-de-semana na Expo. Quem faltou, ainda tem à sua disposição o novo álbum do grupo, “Ibuki”, produzido por Bill Laswell.

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Como já acontecera há cinco anos, no Mosteiro dos Jerónimo, a combinação do poder das percussões com os efeitos cénicos dos Kodo voltou a causar a admiração geral. O álbum é menos espectacular. Falta-lhe o teatro, o lado visual que é parte essencial de qualquer apresentação ao vivo dos Kodo. Takashi Akamine, um dos elementos do grupo, explicou ao PÚBLICO como bate o coração de um tambor taiko.

FM – A que é mais importante na música dos Kodo, a disciplina, a precisão, o som, o teatro, a atenção?…

TAKASHI AKAMINE – É iso tudo junto. A nossa “perfomance” é muito visual, um aspecto tão importante como a música.

FM – A disciplina é dos factores mais impressionates nas vossas aprsentações. Como é que a treinam?

TAKASHI AKAMINE – Uma das vantagens de viver em comunidade é poder estabelecer uma intimidade. Como ser casado, conhecer em profundidade a mulher e os filhos com quem se vive.

FM – É difícil não especular sobre o que se passará nas vossas cabeças, sempre com o som dos tambores a ressoar lá dentro.

TAKASHI AKAMINE – Alguém fez uma vez a mesma pergunta a um dos músicos e ele respondeu que queria transformar-se no som do tambor. Quando se toca um instrumento como este tem que se lhe dar tudo, 100 ou 200 por cento de nós próprios. É uma luta connosco próprios. Não é possível representar, no sentido de fingir. De certa forma é essa a beleza da nossa música. Não representamos, oferecemo-nos à música.

FM – O modo como interpretam certas peças sugere uma relação com as artes marciais. Existe, de facto, essa ligação?

TAKASHI AKAMINE – É semelhante, mas nenhum de nós pratica artes marciais. Há uma quantidade de informação relativa ao que sepassa em palco nos nossos espectáculos mas nenhuma das interpretações esgota aquilo que na realidade somos. Há, é verdade, algo de espiritual na nossa música. Mas isso acontece com qualquer músico que acredite verdadeiramente naquilo que faz. Mas as pessoas colam-nos essa espiritualidade porque vimos do Oriente longínquo, com trajes e luzes diferentes. As pessoas acham tudo isto misterioso…

FM – E o zen?

TAKASHI AKAMINE – Isso é mais difícil de responder. Nenhum de nós pratica zen mas à medida que crescemos há determinadas influências que nos atravessam quase sem nos darmos conta. É como o Cristianismo que, consciente ou inconscientemente, está presente nos ocidentais. Mas é verdade que alguns dos músicos fazem meditação antes de entrar em palco, mas talvez de uma maneira diferente do zen. É mais uma abordagem mental.

FM – Como se processa a ligação entre a vossa música e a música tradicional japonesa?

TAKASHI AKAMINE – Há uma combinação de ambas. Os instrumentos são antigos, feitos por construtores tradicionais mas a maneira como nos expresamos é contemporânea. Em “Ibuki” existem temas tradicionais e composições originais. Mesmo alguns dos trajes tradicionais que usamos em cena foram uma ideia do estilista francês Pierre Cardin…

FM – Que significado tem o tambor taiko na cultura japonesa?

TAKASHI AKAMINE – O tambor taiko sempre esteve associado a aspectos rituais e religiosos ou ao teatro nô. Os mais pequenos costuma ser tocados em festas nas aldeias. Para nós é apenas um instrumento musical que adaptamos ao nosso próprio estilo.

FM – Um dos momentos mais espectaculares do vosso concerto é o longo “combate” solitário travado por um dos músicos que percute até exaustão o tambor maior. Há nesta peça algum significado especial?

TAKASHI AKAMINE – Significado… Não é importante perceber o significado. Porque não apenas sentir? E divertirmo-nos? Que sentido faz analisar?

FM – Eis uma perfeita asserção zen…

TAKASHI AKAMINE – Provavelmente, sim. Não renego que faça parte do meu passado. As pessoas querem sempre consultar o programa antes dos concertos, para saber o que se irá passar. No Japão não se distribuem programas. Se alguém quiser saber alguma coisa, só depois dos concertos. Preferimos que as pessoas façam a sua própria interpretação. Que achem a nossa música triste ou alegre. Que criem a sua própria história, a sua própria imagem no cérebro. Alguém definiu um dos nossos temas como gotas de chuva. Maravilhoso!

FM – Há alguma abordagem colectiva na forma como os Kodo encaram o ritmo?

TAKASHI AKAMINE – Há músicos com antecedentes diferentes dentro do grupo. Vê do jazz, do rock, da música clássica. Cada um traz o seu próprio “aroma” para a música. Alguns introduzem um lado jazzístico nas percussões japonesas. Digamos que o compositor específico de cada peça assume um papel determinante. Mas todos os outros ajudam contribuind com as suas ideias.

FM – Quem teve a ideia de entregar a produção de “Ibuki” a Bill Laswell?

TAKASHI AKAMINE – Fomos nós. Pedimos à editora se podíamos trazer um produtor de fora. ele ouviu a nossa música e achou que o disco devia reforçar o lado mais grave e profundo dos tambores…

FM – É o disco mais variado dos Kodo…

TAKASHI AKAMINE – Sim, tem música africana, peças que soam a jazz… É o lado excitante de gravar CDs, poder fazer coisas que são impossíveis de pôr em prática nos espectáculos ao vivo.

FM – Existe uma essência na música dos Kodo?

TAKASHI AKAMINE – Há alguns anos Michael Palin, um dos actores dos Monty Phyton, de quem sou grande admirador [N.R.: Nesta altura da entrevista ficámos definitivamente rendidos à imensa sabedoria dos Kodo] assistiu a um dos nosos espectáculos e insistiu que o deixássemos tocar um dos tambores. Acedemos, mas para nossa surpresa, bateu muito suavemente, quase sem fazer som. Perguntámos-lhe por que razão não batia com mais força. Respondeu-nos que qualquer inglês que se preze, em qualquer circunstância, não deve, não pode fazer barulho. Nós somos o contrário. Temos orgulho em fazer o maior barulho possível. Transgredir as regras socialmente aceites, aquilo que se deve ou não fazer. Fazemos todo o barulho que queremos. Penso que esta é uma das razões por que as pessoas se sentem mais livres ao ouvir a nossa música.