Arquivo da Categoria: Rock

Hunters & Collectors – “Cut”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


Hunters & Collectors
Cut
Mushroom, distri. BMG





Da Austrália é sempre de esperar o inesperado. Não é só cangurus, “boomerangs”, deserto e aborígenes. O rock ‘n’ roll vive – e de que maneira – no continente perdido. Até porque não deve haver lá muito mais cosias para fazer. Os Midnight Oil são uma das boas bandas australianas de rock. Os Hunters & Collectors, pese embora toda a boa vontade da promoção em provar o contrário, são uma das menos boas. Como os Midnight Oil, os Hunters têm preocupações políticas e fazem gala nisso. O problema é que não deve haver muita gente interessada em ouvir as suas opiniões. Para tal, seria preciso haver um veículo eficaz: boas canções e uma forte dose de originalidade. Cisas que, mesmo levando em conta a veterania do grupo, os Hunters & Collectors não têm. Limitam-se a tocar com competência e a fazerem umas demonstrações das possibilidades do estúdio, mas, por mais que se esforcem, não conseguem sair da mediania. Há certamente uma lição a tirar de “Cut”: “Se queres que respeitem os teus sonhos não tomes comprimidos para dormir.” Não faz sentido? A música dos Hunters & Collectors também não. (4)

BBM – “Around The Next Dream”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


BBM
Around The Next Dream
Virgin, distri. EMI – VC



“B” é Bruce, Jack, “B” é Baker, Ginger, “M” é Moore, Gary. Ou seja os Cream em segunda edição com um novo guitarrista a substituir Eric Clapton. Ainda e sempre o regresso ou a ressurreição dos dinossáurios. Segundo parece, havia uma questão de “cheques volumosos envolvidos” que ameaçava deixar “agarrado” Jack Bruce. Fizeram-se uns telefonemas, Gary Moore estava disponível (já ouvia os Cream desde os 13 anos) e a coisa até nem custou a chegar a vias de facto. E terá valido a pena? Bom, os nostálgicos e saudosistas devem esfregar as mãos. “Around the Next Dream” não ofende. Mas às vezes é preferível que um disco ofenda em vez de provocar a indiferença. E é isto que acontece com esta nova saída do túmulo dos velhotes. O fantasma dos Cream paira, como é evidente, do primeiro ao último minuto do disco. Os “blues”, bem servidos em “Can’t Fool the blues”, os slows, apontados à mira das FM americanas no caso de “Naked flame” e coberto de nicotina o muito “cool” em “Wrong side of town”, são pausas de descanso entre o emaranhado de teias de guitarra e a rítmica cavalgante decalcada – e envernizada – dos Cream. E então? Então, se já havia os ELP, com Powell em vez de Palmer, porque não os BBM, sem Clapton? É tudo uma questão de iniciais e de jogar forte nas recordações. (5)

Nick Drake – “Way To Blue – An Introduction To Nick Drake”

pop rock >> quarta-feira >> 29.06.1994
REEDIÇÕES


De Costas Para A Luz

Nick Drake
Way To Blue – An Introduction To Nick Drake (8)
Island, distri. BMG



Nick Drake pertence à categoria dos mártires que se foram discretamente. Não se pode alinhá-lo ao lado dos monstros que morreram, ou se deixaram morrer, com pompa e clamor, como Jim Morrison, Hendrix ou Janis Joplin. O seu caso tem a mais a ver com Nico e Ian Curtis, com os criadores supliciados pela sua própria inspiração, inacapazes de suportar o fardo da vida, da música, da vida “on the road”, da sua própria condição enquanto criadores, enfim. Nick Drake levou ainda mais longe a recusa aos padrões do “show business”. Uma timidez quase esquizofrénica fazia dele uma personagem fugidia, uma sombra de contornos indefinidos. Por ocasião do seu terceiro e último álbum, “Pink Moon”, nem sequer apareceu no estúdio, enviando as fitas pré-gravadas pelo correio.
Sabe-se pouco da vida de Nick Drake. Surgiu a cantar quase por acaso no meio da vaga de folk rock que rebentou em finais dos anos 60 nas ilhas britânicas, ao lado de figuras como Ashley Hutchings e Fairport Convention. Foi Joe Boyd, produtor e empresário dos Fairport e “descobridor” oficial de talentos para a editora Island quem o descobriu e lhe proporcionou o primeiro contrato de gravação. “Five Leaves Left”, de 1969, integra-se perfeitamente no som acústico da época, revelando um cantor/compositor de veia nostálgica com tendência para a depressão.
Na altura houve quem comparasse este disco a “Astral Weeks”, de Van Morrison, mas, se há que fazer comparações, sobretudo ao nível das vocalizações, invariavelmente no limite do equilíbrio emocional e da lucidez, estas deverão ser encontradas em John Martyn, por sinal também agenciado por Boyd na Island e por coincidência autor de um tema, “Solid air”, incluído no álbum do mesmo nome, dedicado a Nick Drake. A presente colectânea reúne cinco temas deste álbum maioritariamente composto por solilóquios de Drake sobre a guitarra acústica, com ocasionais contribuições de uma orquestra de cordas, do violoncelo de Clare Lowther (no maravilhoso tema de abertura “Cello song”) ou do contrabaixo de Danny Thompson.
“Bryter Layter”, o álbum seguinte, de 1970, apresenta um leque maior ao nível dos arranjos, para tal contando com as presenças de John Cale e de três membros dos Fairport Convention, Dave Pegg, Dave Mattacks e Richard Thompson. A depressão intensificava-se e com ela a solidão. Amontoavam-se os despojos de uma alma em conflito perpétuo e à deriva dentro de si própria, cujas canções cada vez mais se assemelhavam ao murmúrio de uma criança precocemente envelhecida a quem tivessem arrancado à força a inocência. Nick Drake abandonou em definitivo os espectáculos ao vivo dando início a um tratamento psiquiátrico, que pelos vistos não surtiu efeito.
Paris acolheu-o, como sempre acolhe os foragidos da “normalidade”. Na cidade-luz, Drake – há nome mais romântico do que este? – compôs canções para Françoise Hardy que, conta a lenda, chegaram a ser gravadas mas nunca editadas em disco. As cinco canções de “Bryter Layter” incluídas nesta introdução à “loucura suave” inflectem no jazz, oferecendo à voz o amparo de um piano cheio de nostalgia ou o embalo de um vibrafone que tiveram o condão de manter intacta durante mais algum tempo a ilusão.
Volvidos dois anos, em 1972, data da edição de “Pink Moon”, o desabamento psíquico era já irreversível. Depois do abandono dos palcos seguiu-se o abandono do canto. A Island recebeu as fitas do disco pelo correio. Drake fechara-se já no quarto escuro e deitara fora a chave. Era a retirada definitiva. Primeiro da arte e, pouco tempo depois, da vida. Quatro temas de “Pink Moon” marcam o retorno à conversa a dois (ou de um só, cindido em dois) com a guitarra. Drake cantava cada vez mais baixo, para si, contra o vento. Canções desarmantes de simplicidade, de alguém já sem nada a esconder. O resto de “Way To Blue” é preenchido com dois temas de “Time of no Reply”, uma edição póstuma de “takes” alternativos e alguns originais, semelhante a outra, “In a Wild Flower”, realizada no ano anterior. Finalmente, em 1986, foi editada a caixa de quatro discos com a obra completa de Nick Drake, de genérico “Fruit Tree”.
Nick Drake morreu a 25 de Novembro de 1974, em casa dos pais, vítima de uma “overdose” de antidepressivos. A capa de “Way To Blue – Na Introduction to Nick Drake” capta de maneira sublime a essência da personalidade musical de Nick Drake, uma figura franzina, de olheiras enormes, envolto numa manta, perdido numa floresta. Ao fundo, uma luz branca. A luz era ofuscante, mas ele não a podia ver porque estava de costas.