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INSTRUMENTO Gaiteiro de Lisboa nome: Paulo Marinho instrumento: Gaita-de-Foles

04.07.1997
INSTRUMENTO
Gaiteiro de Lisboa
nome: Paulo Marinho
instrumento: Gaita-de-Foles

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Paulo Marinho toca gaita-de-foles desde os 16 anos. Descobriu este instrumento em Valença do Minho, onde ia passar férias. “Numa aldeia chamada S. Pedro da Torre, mesmo junto ao rio Minho.” “Nessa altura começava a falar-se da gaita, na Galiza, de novos construtores e novas escolas”, recorda este músico que entrou no rock com os Sétima Legião e hoje faz parte dos Gaiteiros de Lisboa.
“Naquela altura também se fez reviver um bocado o Alan Stivell.” Paulo Marinho comprou uma gaita-de-foles galega. A primeira. “Muito barata, 4500 pesetas, e de fraca qualidade.” Começou a tocar. “Fui aprendendo um pouco por mim. A princípio foi um bocado mau, não conseguia. Depois comprei um livro, um manual, que me ajudou muito. Com aquelas informações básicas mas nas quais nunca tinha pensado antes.”
mais tarde, em 1983, Paulo Marinho entrou para o Centro Galego de Lisboa. “Já tocava um pouquinho, entrei para integrar o grupo folclórico os Anaquinhos da Terra, essencialmente reportório galego e algumas coisas mirandesas.” Foi por volta dessa época que entrou para os Sétima Legião. Dificuldades para integrar a gaita-de-foles numa linguagem rock, não sentiu muitas. “Tocávamos pouco, tecnicamente na altura. Percebe-se isso em ‘A Um Deus Desconhecido’. Era tudo espontâneo. A gaita fazia umas melodias, se cabiam, cabiam, todos tentávamos acompanhar-nos uns aos outros.”
A seguir a essa primeira gaita-de-foles, Paulo Marinho foi adquirindo material de melhor qualidade. “Uma das características da gaita-de-foles é ter elementos destacáveis. Comprei uma segunda gaita ao Raul Vaz, já um bocadinho melhor, ainda durou alguns anos. Depois é que comprei uma ainda melhor, da qual ainda conservo todos os elementos, menos o ponteiro. Também fui mudando de foles.” Esta gaita-de-foles tem afinação em dó. “A que se usa mais na Galiza.”
Para Paulo Marinho, a gaita-de-foles galega não é um instrumento especialmente difícil de tocar “Embora uma pessoa possa sempre exceder-se. Tocar como o Carlos Nunez é quase impossível…” Mas avisa: “Às vezes as pessoas não têm muito a noção da questão do controlo do fole. Algumas tocam flauta e depois tentam tocar gaita e percebem que é muito diferente. Tem de haver uma aprendizagem do controlo do fole, para o som sair com a menor oscilação possível.” Mas o gozo de tocar supera todas as dificuldades. Na memória do gaiteiro permanecem vivas datas como a da gravação do primeiro disco dos Sétima Legião ou quando entrou para os Anaquinhos da Terra. “Quando vesti pela primeira vez o fato, senti uma grande alegria, a alegria de ver as pessoas dançarem, se calhar uma alegria maior do que tocar para pessoas sentadas que batem palmas no fim.”
Além da gaita galega, Paulo Marinho possui também uma gaita mirandesa. “Consegui superar os problemas da afinação, fiz palhetas com fitas adesivas…”
“Dentro da enorme diversidade de gaitas que existem nos vários pontos do globo, há quem diga que a gaita seria mais ou menos única no Nordeste da Península Ibérica. Os galegos, a partir do século XIX, é que tentaram fazer uma gaita que pudesse tocar minimamente com os outros instrumentos. As gaitas galega e mirandesa são hoje diferentes, uma acompanhou os tempos e a outra não.”
Nos últimos tempos, tem-se assistido, um pouco em todo o lado, ao aperfeiçoamento das técnicas de construção da gaita-de-foles, evoluindo dos materiais tradicionais para os sintéticos. Paulo Marinho tem acompanhado esta evolução. “Na Escócia estão a fazer experiências com produtos sintéticos, com bons resultados. Eu gosto muito da madeira, ainda não tive muitos contactos com esses novos tipos de gaitas. Mas já experimentei, têm um som um bocado diferente. Sou a favor de tudo o que seja experiências, mas é claro que sinto alguma pena por meter algumas coisas de lado, por se perder a memória.”
Sabendo-se da diferença abissal do que se passa, hoje, em Portugal e na Galiza, onde existem actualmente milhares de praticantes e se multiplicam as escolas e construtores, Paulo Marinho é, porém, da opinião de que algo está a mudar, para melhor, no nosso país. “Estão a aparecer muitas pessoas a aprender. Algumas vêm ter comigo ao centro, onde, presentemente, estou a realizar ‘workshop’, nos quais dou noções gerais do instrumento.” Para a sua própria evolução, Paulo Marinho ouve a música dos outros, “ouvir muito, o máximo possível. Em relação às coisas galegas, vou bastante lá acima, estou em contacto com muita gente, posso dizer que tive muitos mestres, embora não queira destacar nomes.”
Heróis da gaita-de-foles? Paulo Marinho prefere não citar nenhum dos “monstros”. “Neste momento ando a ouvir cuidadosamente um gaiteiro de Rio de Onor, chamado Juan Prieto.”

Amélia Muge – Taco A Taco

23.10.1998
Portugueses
O Céu É O Limite
Amélia Muge
Taco A Taco (9)
Mercury, distri. Polygram

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pwd: FADO

“Ai, flores”, tema que abre “Taco a Taco”, terceiro álbum de originais de Amélia Muge, dá o tom: uma voz que se experimenta, experimentando os limites do formato de canção. É impossível não recordar, nesta dança de vocábulos e estados de espírito, a herança de José Afonso, naquilo que esta tem de mais importante: a revolução dentro da música e das ideias que a sustentam, em oposição à ideologia e ao panfletarismo, por mais defensáveis que sejam as causas. Amélia Muge é, juntamente com os Gaiteiros de Lisboa, a única artista que, sem cortar os elos que a ligam a uma tradição da música popular portuguesa personificada por nomes como José Afonso, José Mário Branco, Fausto ou Sérgio Godinho, continua a procurar novas vias que a projectem no futuro. É esse sentido nato de experimentação, sustentado por uma forte ligação às raízes, que lhe permite em “taco a Taco” dar o salto para uma criatividade que nos dois álbuns anteriores ainda hesitava num certo apelo ideológico, chamemos-lhe assim, que aqui é perfeitamente redimido por uma ironia e por uma liberdade que não admitem coerções. Faixas como “taco a Taco”, com as susas sobreposições em que o falso-étnico rima com os jogos fonéticos de uma Anna Homler, apontam uma nova maneira de lidar com o som das palavras. Neste aspecto não é só a poesia de Grabato Dias a ter o exclusivo de fazer passar uma “mensagem” – esse conceito tão desvalorizado nos dias que correm… – em alinhamentos de palavras em que o humor esconde ressonâncias psicológicas mais profundas, como em “O tolinho da aldeia” (uma das grandes canções deste disco), “Inda bem que há esquimós”” ou “O ‘Robot’ que envelhece”. “Idades e médias”, outro dos momentos iluminados de “Taco a Taco”, no seu registo semideclamado, revela a própria Amélia Muge como hábil manipuladora das organizações de sentido que a intuição consegue estabelecer, num notável trabalho sonoro de parceria com José Mário Branco. Mas Amélia Muge arrisca mais e noutras direcções. Muda as agulhas ao fado em “Há quem te chame menina”, e à música tradicional, em “amphiguris”. A voz – “a” voz que para alguns faz esquecer o outro lado, não menos importante da arte de Amélia Muge: a composição – adquire toda a sua densidade emocional em “Falas de bem querer”, enquanto a costela africana, através da kora de José Galissa, se combina com as palavras de Grabato Dias numa síntese que evoca o melhor de Fausto. “Andor e Conduto” é outro dos sinais extremos da atitude globalizante de Amélia Muge. Fanfarra sincopada, cria uma ambiência entre a Idade Média e os sonhos do próximo milénio, traduzindo o fabuloso arranjo de José Mário Branco e António José Martins (cuja participação em todo o disco é determinante na sua concepção sonora global), contando ainda com a concepção de flautas de Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros. Depois do intimismo de “Havemos de nos ver outra vez”, da música de câmara “avariada” de “O robot que envelhece” e da Amélia mais baladeira e afonsina de “Rebelde (aos ciclos)2, “Taco a Taco” fecha com o hino processional “À nave” (embora o final esteja escondido, uma pequena bruxaria…), voz e vozes enlaçadas com electrónica, erguem-se numa espiral de reverberações e duplicações até à cúpula da catedral. Para Amélia Muge o céu é o limite.

Realejo – Cenários

15.05.1998
Portugueses
Luz Sobre O Cenário
Realejo
Cenários (10)
Ed. Movieplay, distri. Euroclube

Se os Gaiteiros de Lisboa explodem na ruptura das normas e os Vai de Roda navegam numa fusão galaico-portuguesa próxima de uma New Age inscrita no compêndio da tradição, os Realejo “limitam-se” a tocar a música de que gostam, de forma superlativa e com a naturalidade dos predestinados. O que os distingue daqueles dois grupos, que constroem a sua música sobre uma contextualização e teorização prévia, extramusical. Escute-se uma faixa como “Bendito das Trovoadas”. Ou “Maragato son”. É música de outra dimensão, que transcendeu a escolaridade, os estilos e – muito importante, apesar de algumas vozes afirmarem o contrário – as limitações técnicas que amiúde condicionam a liberdade de ideias e intenções. As duas faixas citadas pertencem, respectivamente, ao reportório tradicional da Beira Baixa e de Miranda do Douro, mas os Realejo transforma cada uma delas em autênticas sinfonias de bom-gosto, dos arranjos à interpretação, pasaando, inclusive, por modificações estruturais. Sendo portugueses, os Realejo fizeram a sua música ultrapassar as fronteiras nacionais. Sendo tradicionais, os Realejo afirmam a modernidade, no sentido mais nobre do termo, em qu enão se “inventa” recorrendo a colagens, quase sempre forçadas, de estilos, ou artimanhas de estúdio, mas antes se afirma a importância da interiorização e da individualização, pondo a forma ao serviço de uma vivência interior.
Os Realejo possuem o dom, raro, do entendimento da essência sonora, da alma, de cada instrumento. Sua é então uma música de concertamento, de diálogo apaixonado, em que as vozes da sanfona, da gaita-de-foles, do violino, do violoncelo, da concertina ou das cordas dedilhadas se fundem com a própria alma dos músicos. Facto a que não é alheio Fernando Meireles aliar o talento de intérprete (na sanfona mas também no cavaquinho e no bandolim, em “Final de Inverno”, por exemplo) ao de mestre construtor. Os Realejo contam ainda nas suas fileiras com um compositor de excepção, Amadeu Magalhães, transmontano de gema mas cidadão do mundo, no modo como assimilou e intuiu um universalismo que, de “Sanfonia” para estes “Cenários”, alargou o conceito de música de raiz tradicional portuguesa para formas musicais ao nível do que melhor se faz, hoje, na Europa. “Cenários” é música para ser dançada. É música para se cortejar a dama oculta (“Deus te salve ó Rosa”, tema algarvio de ressonâncias medievais onde choram o violoncelo de Ofélia Ribeiro e o violino de Miguel Areia). Música para o cérebro se deleitar em jogos contrapontísticos (a versão de “Music found harmonium”, o original de Amadeu Magalhães com a sua concertina esfuziante, em “Nunca me canso”).