Amélia Muge – Taco A Taco

23.10.1998
Portugueses
O Céu É O Limite
Amélia Muge
Taco A Taco (9)
Mercury, distri. Polygram

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“Ai, flores”, tema que abre “Taco a Taco”, terceiro álbum de originais de Amélia Muge, dá o tom: uma voz que se experimenta, experimentando os limites do formato de canção. É impossível não recordar, nesta dança de vocábulos e estados de espírito, a herança de José Afonso, naquilo que esta tem de mais importante: a revolução dentro da música e das ideias que a sustentam, em oposição à ideologia e ao panfletarismo, por mais defensáveis que sejam as causas. Amélia Muge é, juntamente com os Gaiteiros de Lisboa, a única artista que, sem cortar os elos que a ligam a uma tradição da música popular portuguesa personificada por nomes como José Afonso, José Mário Branco, Fausto ou Sérgio Godinho, continua a procurar novas vias que a projectem no futuro. É esse sentido nato de experimentação, sustentado por uma forte ligação às raízes, que lhe permite em “taco a Taco” dar o salto para uma criatividade que nos dois álbuns anteriores ainda hesitava num certo apelo ideológico, chamemos-lhe assim, que aqui é perfeitamente redimido por uma ironia e por uma liberdade que não admitem coerções. Faixas como “taco a Taco”, com as susas sobreposições em que o falso-étnico rima com os jogos fonéticos de uma Anna Homler, apontam uma nova maneira de lidar com o som das palavras. Neste aspecto não é só a poesia de Grabato Dias a ter o exclusivo de fazer passar uma “mensagem” – esse conceito tão desvalorizado nos dias que correm… – em alinhamentos de palavras em que o humor esconde ressonâncias psicológicas mais profundas, como em “O tolinho da aldeia” (uma das grandes canções deste disco), “Inda bem que há esquimós”” ou “O ‘Robot’ que envelhece”. “Idades e médias”, outro dos momentos iluminados de “Taco a Taco”, no seu registo semideclamado, revela a própria Amélia Muge como hábil manipuladora das organizações de sentido que a intuição consegue estabelecer, num notável trabalho sonoro de parceria com José Mário Branco. Mas Amélia Muge arrisca mais e noutras direcções. Muda as agulhas ao fado em “Há quem te chame menina”, e à música tradicional, em “amphiguris”. A voz – “a” voz que para alguns faz esquecer o outro lado, não menos importante da arte de Amélia Muge: a composição – adquire toda a sua densidade emocional em “Falas de bem querer”, enquanto a costela africana, através da kora de José Galissa, se combina com as palavras de Grabato Dias numa síntese que evoca o melhor de Fausto. “Andor e Conduto” é outro dos sinais extremos da atitude globalizante de Amélia Muge. Fanfarra sincopada, cria uma ambiência entre a Idade Média e os sonhos do próximo milénio, traduzindo o fabuloso arranjo de José Mário Branco e António José Martins (cuja participação em todo o disco é determinante na sua concepção sonora global), contando ainda com a concepção de flautas de Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros. Depois do intimismo de “Havemos de nos ver outra vez”, da música de câmara “avariada” de “O robot que envelhece” e da Amélia mais baladeira e afonsina de “Rebelde (aos ciclos)2, “Taco a Taco” fecha com o hino processional “À nave” (embora o final esteja escondido, uma pequena bruxaria…), voz e vozes enlaçadas com electrónica, erguem-se numa espiral de reverberações e duplicações até à cúpula da catedral. Para Amélia Muge o céu é o limite.

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