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Raymond Scott – “Reckless Nights and Turkish Twilights” + “Soothing Sounds for Baby, Volume 1” + “Soothing Sounds for Baby, Volume 2” + “Soothing Sounds for Baby, Volume 3”

Sons

18 de Dezembro 1998
ELECTRÓNICA
Reedições


Para ouvir como bebés

Raymond Scott

Reckless Nights and Turkish Twilights (9)
Soothing Sounds for Baby, Volume 1 (7)
Soothing Sounds for Baby, Volume 2 (8)
Soothing Sounds for Baby, Volume 3 (9)
Basta, distri. Matéria Prima


rs

Desprezado pelos jazzmen, por falta de respeito pelas regras, vilipendiado pelos eruditos da música contemporânea, por dar mostras de demasiado humor, simplesmente ignorado no circuito da música popular, de tal forma a sua visão estética fugia à normalidade, Raymond Scott, de seu verdadeiro nome Harry Warnow, compositor norte-americano nascido em 1908 em Brooklyn, com obra feita desde os anos 30, só agora começa a ver reconhecidos os seus méritos.
Á época foi considerado um excêntrico, e com alguma razão. Graduado com o curso de piano (que começou a tocar aos dois anos de idade!) do Conservatório, entre as suas propostas mais antigas contam-se a fundação do seu próprio Raymond Scott Quintet (que pronunciava à maneira francesa, “quintette”) que manteve, em diversos formatos, até aos anos 60. Compunha então temas insólitos com títulos que não o eram menos, como “Confusion among flect of taxicabs upon meeting with a fare”. A música do quinteto soava, de facto, como um desalinho (ou desatino) genial. O material gravado pela primeira formação, entre 1937 e 1939, acaba de ser reeditado (e remasterizado recorrendo às técnicas mais sofisticadas) sob a forma da colectânea “Reckless Nights and Turkish Twilights”. “Easy listening” saído do cérebro de um esquizofrénico mistura-se com jazz igualmente desequilibrado, marchas, swing e notas de exotismo oriental numa síntese onde se atropelavam os extremos emotivos próprios de um “cartoon”. Por falar nisso, Carl Stalling, compositor responsável pela música dos desenhos animados dessa época na Warner, de séries como “Merrie Melodies” e “Looney Tunes”, aproveitou e adaptou temas de Scott como acompanhamento para as tropelias de Duffy Duck e Bugs Bunny. O mais engraçado é que nunca passou pela cabeça de Scott compor para bonecada. Tratava-se de uma excentricidade genuína e não feita de encomenda. Hoje, séries como “Animaniacs”, “Os Simpsons” e “Duckman” usam melodias compostas por si.
Mas o mais estranho estava ainda para vir. A partir dos anos 50 o interesse de Raymond Scott volta-se para a música electrónica e para os meios de a gravar e produzir. Em 1948 inventa um gerador sonoro (ao qual chama carinhosamente “Karloff”, em homenagem ao actor de filmes de terror, Boris Karloff) capaz de produzir, segundo ele, sons de “tosse peitoral”, “barulhos de cozinha”, o “chiar do bife na fritadeira” e “tambores da selva”. Segue-se, em 1952, o Clavivox, uma resposta ao Theremin, com a diferença que era tocado em teclas. Por fim, nasce o mais sofisticado de todos, o Electronium, uma “máquina para tocar e fazer composição instantânea”. Só faltava gravar. É assim que entre 1962 e 1963 Scott publica a trilogia “Soothing Sounds for Baby”, subintitulado “…An Infant’s Friend in Sound”, sobre a premissa de que os ouvidos dos bebés são mais sensíveis eu os dos adultos a determinadas frequências electrónicas. Os três volumes, finalmente disponíveis em compacto (os vinis originais são dificílimos de encontrar) destinam-se, respectivamente, a ser escutados por bebés de um a seis meses, dos seis aos doze e dos doze aos dezoito meses. “Brinquedos aurais”, como foram rotulados, foram concebidos (sob os auspícios do Gesell Institute of Child Development) como ajuda aos pais durante o crescimento, o aparecimento da dentição, as brincadeiras, o sono ou, simplesmente, as birras dos seus pimpolhos.
Claro que os adultos, sobretudo os que em 1998 ainda são capazes de se render aos encantos de uma música tão estranha como “naїf”, vibrarão provavelmente mais do que qualquer bebé chorão nascido nos anos 60. O ouvido sofisticado perceberá de imediato que muito antes de Brian Eno discorrer sobre a sua música electrónica (já para não falar de Howie B. e da sua “Music for Babies” dos anos 90), Raymond Scott produzia uma música totalmente sintética, com melodias cuja simplicidade evoca, por vezes, instantaneamente, a tecnopop dos Orchestral Manouvres in the Dark. É o caso do tema que abre o disco para os mais novinhos, “Lullaby” (com 14 minutos de duração, perfeitamente minimalistas e de efeito hipnótico garantido), de tal forma que quase juraríamos que os OMD já conheciam estes trabalhos.
Do primeiro para o terceiro volume a música vai-se tornando cada vez mais complexa. No primeiro predominam sons de brinquedos a pilhas, pulsações de cristal e ressonâncias de graves profundos (“Sleepy time”), em sequências repetitivas que não deixam de fazer lembrar os Cluster (“The music box”) e os Kraftwerk, do álbum “Radio-Activity” (“Nursery rhyme”, “Tic Toc”).
Entre os seis e os doze meses os bebés eram obrigados a confrontar-se com algo mais consistente. Se “Tempo block”, uma das faixas deste volume 2, é declaradamente infantil, ao estilo do coelho das pilhas Duracell, com toques atmosféricos de “Ralf & Florian”, dos Kraftwerk, já “The happy whistler” (10m) e “Toy typewriter” (17m) são temas perfeitamente enquadrados numa estética contemporânea “avant la lettre”. O primeiro soa com a dureza dos Cluster, enquanto o segundo vai aos limites do experimentalismo ao longo dos seus dezassete minutos de simulação do batimento de teclas de uma máquina de escrever. Manifesto de hermetismo minimal que oscila entre um Steve Reich internado num asilo, um disco riscado dos Severed Heads ou dos Faust e um escriturário possuído pela febre do ritmo. Ao fim de alguns minutos somos invadidos por uma mescla de sensações que incluem o fascínio mórbido e a angústia, à medida que vão sendo introduzidos no tema modulações quase subliminares. Pobres bebés! Percebe-se agora o que fez derreter os cérebros daquela geração que começou a fazer música nos anos 70. Afinal não foi o LSD.
O alinhamento do terceiro volume, destinado a crianças dos doze aos dezoito meses, explora com outra intensidade a melodia e os efeitos de estúdio. “Tin soldier” é uma versão “dub” de uma marcha de John Philip-Sousa. Ou seriam já os Residents a fazerem das suas? “Little Miss Echo” antecipa a perspectiva circular de “No Pussyfootin’” (de Robert Fripp com Brian Eno) e de “Cluster III”, dos Cluster. Obsessivo, ambiental, parece pairar sobre uma galáxia distante e, acima de tudo, não se compreende como pode ter sido composto numa época tão recuada. A fechar, deparamo-nos com os quinze minutos de “The playful drummer”, uma deliciosa mistela de ritmos e sons bizarros, em cruzamentos e sobreposições de gotas, metais sintéticos, sinais morse e toda a espécie de sequências e timbres que fazem o Electronium parecer o sintetizador mais sofisticado.
“Soothing Sounds for Baby”, na originalidade e pioneirismo da sua proposta, constitui verdadeiramente um brinquedo que nos faz ter vontade de voltar a ser bebés. Gugu da da.



Eight Frozen Modules – “The Confused Electrician”

Sons

16 de Janeiro 1998
DISCOS – POP ROCK


Eight Frozen Modules
The Confused Electrician (8)
City Slang, distri. Música Alternativa


efm

Por detrás da designação Eight Frozen Modules esconde-se o talento solitário de Ken Gibson, um texano actualmente residente em Hollywood cuja música recebeu já a designação de “glacial” e de uma variante de Jah Wobble “fechado no interior de uma caixa de metal e a ser atacado de todos os lados por sirenes de guitarra”. Na realidade, “The Confused Electrician”, apesar do título, não é tão esquizofrénico como parece em teoria. Pode ser rotulado de pós-rock, na medida em que recorre a “clichés” rítmicos conotados com este movimento (esquemas circulares repetitivos, sequenciações minimalistas) e sem dispensar as também já habituais citações a algum ou alguns dos patriarcas do “krautrock”: neste caso, raro, os Tangerine Dream, na quase samplagem de ambiências extraíadas de “Rubycon”, que constitui a introdução do tema inicial, “Warm & the cold electrified”, e Manuel Gottsching, nas modulações electrónico-planantes dos sintetizadores e da guitarra, em “The new sensivity”. O álbum abre no entanto algumas vias curiosas. Entre um industrialismo “soft”, uma costela cósmica acorrentada à cadeira eléctrica e ligações rítmicas ao “dub” e, ocasionalmente, ao “hip hop” (“Premature wig”), “The Confused Electrician” é, acima de tudo, um notável trabalho de composição que recorrer a parcos meios (uma caixa de ritmo, uma guitarra e sintetizadores analógicos) para criar várias atmosferas de claustrofobia, típicas, aliás, de outros grupos de pós-rock, como os Rome, os Bowery Electric ou os Tone Rec.



A Certain Frank – “Nobody? No!”

Sons

2 de Outubro 1998


A Certain Frank
Nobody? No! (7)
Ata Tak, distri. Ananana


acf

As peças vão encaixando no “puzzle” gigante do krautrock. Cumprido o ritual de passagem dos anos 80, Kurt Dahlke, aliás Pyrolator, recuperado pela cena pós-rock como um dos gurus do movimento, regressa ao teatro de operações ao lado de Frank Fenstermacher, com um projecto que retoma algumas das vias encetadas pelo derradeiro e dispensável álbum sob o genérico Pyrolator, “Traumland”, de 1987. “Nobody? No!” é uma receita com travo futurista que, acima de tudo, dá a conhecer Dahlke como um dos grandes mestres actuais do sampler. O problema está na ânsia de querer mostrar trabalho feito, que faz com que “Nobody? No!” funcione bem nas primeiras quatro faixas, numa mistura de tudo o que de comum e bizarro possa existir entre os Can, Holger Hiller, Yello, o filme negro de Barry Adamson e os próprios Pyrolator, mas comece a partir daí a descambar num certo cansaço. Os estímulos dos primeiros temas deixam de funcionar, assistindo-se a uma inflexão em fórmulas correntes de produção que, se por um lado, despertam a curiosidade, através do recurso a uma série de artimanhas de estúdio, acabam, em última análise, por ceder aos lugares comuns dos modelos utilizados. Tudo descamba em algo a meio caminho entre o “trip hop”, o chill-out, um “easy listening” de casino futurista e deambulações de pós-acid-jazz. Saxofones, trompetes, vibrafones e vozes de disquete de demonstração rolam cativos em “grooves” empastelados em electrónica deliberadamente suja. “I will never leave you” consegue provocar alguns sorrisos, na simulação do impossível encontro entre os Bee Gees e Paul Schutze.