Paco Ibanez – “A Poesia É Uma Arma” (concerto | s. luiz)

cultura >> sábado >> 05.06.1993
CRÍTICA DE MÚSICA


A Poesia É Uma Arma



Paco Ibanez, mais do que simples cantor, é hoje um símbolo de luta e de integridade. Mesmo se a voz já lhe vai faltando, continua comm a mesma acutilância e a vontade de cantar “la poesia espanola de hoy y de sempre”. No Teatro S. Luiz, para ouvir Paco Ibanez, sala cheia como um ovo, quinta à noite. Cheia de recordações, cheia de olhares perdidos na contemplação de sonhos que o tempo aos poucos foi corroendo. Paco Ibanez, cantor espanhol de “intervenção”, no sentido mais lato que a palavra pode ter, simbolizou ao longo dos anos 60 e 70 a defesa de valores humanistas e a luta contra a opressão, na Espanha de Léon Filipe, Miguel Hernandez e Rafael Alberti.
Tudo certo e valoroso mas… e a múisica? Paco Ibanez, e a afirmação mexerá talvez com as convicções de muita gente, não é um grande músico. E não o é porque a sua arte jamais extravasa os limites do canto, sem dúvida empenhado, mas sem a verticalidade (no sentido de movimento para a transcendência) que, esta sim, está no cerne da verdadeira revolução. Afirmar, como alguns o fazem, que o canto deste artista espanhol retoma a tradição dos trovadores da Idade Média (e descontando o facto de ficarmos para sempre sem saber como canvam realmente os cantores da Idade Média…) é confundir o acto de ascese com a escalada do alpinista. É confundir o anjo com D. Quixote.
Ficou a imagem de um homem íntegro, tendo como únicas armas, no S. Luiz, uma guitarra acústica, um copo e palavras certeiras, na defesa de princípios por que sempre pugnou. Das dedicatórias a Luís Cília e a José Saramago, aos textos de S. João da Cruz, Pablo Neruda e Rafael Alberti, “la poesia es una arma”. Sucederam-se as canções, entoadas numa rouquidão surda, num gemer sentido que substitui os clamores de outrora: “El pastorcico”, “Como tu”, “Romance del conde nino”, “Dolor”, “Palabras para Julia”, “Juventud, divino tesoro”, “A galopar” (cantada em coro pela assistência) ou, em “encore” insistentemente pedido pelo público (houve quem gritasse por “Soldadito boliviano”) e fora do alinhamento previsto, “Don dinero”.
Dependendo do ponto de vista, da disposição e da imaginação de cada um, o espectáculo de Paco Ibanez tanto pode ser visto como o testemunho do artista íntegro que nunca desiste e há-de cantar até que a voz lhe falte (e, de quando em quando, já vai faltando…), como uma oportunidade de encontro de antigos companheiros de luta, incluindo os reciclados, ou ainda uma sessão transviada do concurso “Zip Zip”. Pela reacção de entusiasmo geral demonstrada pelo público, vamos mais por estas três hipóteses.

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