Loreena McKennitt – “Loreena McKennitt Em Lisboa – Pãozinho Sem Sal” (concerto)

Cultura >> Domingo, 05.07.1992


Loreena McKennitt Em Lisboa
Pãozinho Sem Sal


Sem sal mas com muito açúcar. É assim a música de Loreena McKennitt, a loira canadiana da harpa que em Lisboa deu “noções básicas de mitologia celta” às gentes a quem faz alguma confusão essa coisa da “música tradicional” Foi bonito. Foi pedagógico. Foi insonso.



Dividiu-se em duas partes a actuação de Loreena McKennitt com a sua banda, na sexta-feira à noite, no teatro S. Luiz, em Lisboa, perante uma audiência curiosa em conhecer os segredos de um povo lendário e mistérios que ainda por cima deixou marcas na matriz anímica dos lusitanos. A essa ânsia de saber desinteressada e despida de preconceitos (bastante despida até, em certos casos limite, na turma feminina) respondeu Loreena com a sapiência de quem começou a ler os primeiros livros e a profundidade de um postal ilustrado.
A primeira parte incidiu em temas do mais recente álbum “The Visit”, que Loreena associa à “vinda da inspiração”, enfim, a um afrontamento místico. De resto, toda ela é mística da cabeça aos pés. Uma farta cabeleira loura flamejante que na noite do concerto contrastava com um longo vestido negro dá-lhe o ar de uma princesa medieval, acentuado pela candura da pose e a suavidade das inflexões vocais. Loreena é Lady de Shalott e Guinevere, entre as brumas de Avalon. Loreena canta com uma voz sem mácula nem réstia de pecado e tece na harpa lindas e assépticas melodias que decerto embalariam o coração de todas as donas de casa onde se alberga uma alma de celta e o desejo inconfessado de viver as grandes sagas, depois da lida da casa. Loreena é a fada do lar.
“Lady of Shallot”, “All Souls”, “Greensleeves”, “Bonnie Portmore” e “Between the Shadows” foram alguns temas de “The Visit”, com que, na harpa ou ao piano, Loreena embeveceu os presentes que, desde as primeiras notas, ascenderam aos prazeres inefáveis do paraíso. Em todos os rostos um sorriso seráfico e a sensação que, afinal de contas, o mundo é belo. É isto a “new age”. Aqui reside a salvação. O apocalipse termina no cuidado de uma “toilette”.

Celtas Somos Todos

Nos intervalos das canções, Loreena McKennitt falou da impressão que lhe causa Portugal, sempre que aqui vem de visita (e vem muitas vezes, e confessou que não se importaria de viver neste cantinho seis meses por ano – ah, rapariga que não sabes o que dizes!), de Yeats e de carvalhos, entre outros temas de interesse histórico. E ensinou que os celtas não se encontravam só na Irlanda e na Escócia, não senhor, que os havia por todo o lado, na Índia, nos Balcãs, quiçá na CIA e no KGB. Exemplificou a teoria (que até é verdadeira, vem nos compêndios) auxiliada por músicos competentes: Hugh Marsh, um violinista que sabe disfarçar as debilidades técnicas com a electricidade, Richard Lazar, percussionista com a subtileza dos bombos de Lavacolhos (sem desprimor para os de Lavacolhos), mas muito “world”, Brian Hughes guitarrista engraçado (muito engraçado mesmo, enfiado numas calças largueironas e enfunadas que lhe davam um ligeiro toque de palhaço) que trazia uma “sitar” indiana onde não chegou a tocar, Anne Bourne, uma loirinha (diferente de “louraça”) às voltas com o violoncelo, acordeão e “tampura” que não destoou e um contrabaixista discreto mas bastante eficaz no suporte rítmico da banda.
Depois, na segunda parte, Loreena enveredou a fundo – e nela mesmo no fundo há sempre pé – pelas músicas celtas, arruinando de passagem um tema bretão dos Na Triskell e acabando numa estilização vocal colectiva de um cântico dos índios americanos dos Apalaches. Regressou solitária ao palco, trazendo consigo apenas a harpa, para um “encore” no qual interpretou, a pedido da assistência, o que não estava no programa, uma versão semi-improvisada de “Tango to Evora” – único momento mágico de um concerto pautado pelo tédio e por uma sequência ininterrupta de lugares-comuns. Loreena actua hoje em Dublin, na Irlanda, com as suas lições de “ser celta sem perder peso, no fim leva uma lembrança”. Lá, devem linchá-la.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.