Rodrigo Leão & Vox Ensemble – “Nascit Vox Reverti” (entrevista)

pop rock >> quarta-feira >> 26.04.1995
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NESCIT VOX MISSA REVERTI *


Não fazem música portuguesa mas são um dos projectos com hipóteses de singrar no estrangeiro. Os Vox Ensemble, de Rodrigo Leão, seguem as pisadas ou cortaram o cordão umbilical que une a sua música á dos Madredeus? Um “Mysterium” para ser resolvidojá daqui a seis dias, no CCB.



“mysterium” acabou de ser editado no nosso país. Quatro temas inéditos em conjunto com outros dois repescados do álbum de estreia, “Ave Mundi Luminar”. Pode parecer estranho e saber a pouco, mas na realidade este “novo” disco dos Voz Ensamble, com edição exclusiva em Portugal e Espanha, não passa afinal de uma espécie de amostra, na mesma altura em que o primeiro álbum do grupo está prestes a ser editado em países como os Estados Unidos e a Alemanha. Depois dos Madredeus, grupo que Rodrigo Leão abandonou recentemente, os Vox Ensemble preparam a sua própria investida nos mercados estrangeiros. Ou seja, a música portuguesa, de cariz nostálgico, pretende continuar a recolher dividendos lá fora. Curiosamente, são os artistas que atiraram para trás das costas a obrigação de fazer “música portuguesa”, com toda a carga de preconceitos que tal termo comporta, aqueles cuja mensagem parece reunir as melhores condições para triunfar no exterior. O que talvez queira dizer aquilo que Pessoa sempre apregoou, que os portugueses sê-lo-ão tanto mais na medida em que forem universalistas. Um “Mysterium” para o qual existe, no fim de contas, uma solução. Entretanto, a meio de uma digressão que já passou por Espanha e levará o grupo a outras paragens da Europa, os Vox Ensmble actuam no Centro Cultural de Belém. A preparar terreno.
PÚBLICO – Porque é que os temas não puderam esperar por um próximo álbum de originais?
RODRIGO LEÃO – Os temas, duas canções [“Promise”, 1&2, e “Mysterium”] e um instrumental [“Tristis dies”], foram feitos a pensar no espectáculo, uma vez que no primeiro álbum só havia duas canções, o “Ave Mundi” e o “Carpe Diem”. O número de canções subiu portanto de dois para quatro.
P. – Os Vox Ensemble podem ser considerados uma versão mais intelectualizada, ou erudita, dos Madredeus?
R. – Acho que não. Muita gente pode pensar isso porque nas entrevistas refiro muitas vezes nomes de compositores como o Michael Nyman ou o Philip Glass, da escola minimalista, mas a minha música não tem rigorosamente nada a ver com o que eles fazem, no sentido em que é muito menos erudita. Tudo o que tenho feito, na Sétima Legião, nos Madredeus, nos Resistência, nos Golpe de Estado, surge na sequência do que foi feito há dez, quinze anos, pelos Heróis do Mar e Sétima Legião, e que viria a dar origem como que a uma grande família. Há uma ligação muito forte entre estes músicos todos.
P. – É como se tivessem sido cuidadosamente removidas as características mais populares da música…
R. – Sim. Não há poesia portuguesa nem temos um cantor à frente. Nem instrumentos populares como o acordeão ou a gaita-de-foles, mesmo as guitarras.
P. – A erudição está presente logo na escolha dos títulos, todos em latim…
R. – Sim… Fui compondo “Ave Mundi Luminar” durante dois anos, numa altura em que tinha muito trabalho na Sétima e nos Madredeus. Tinha uma série de temas, esboços, todos instrumentais, que achava que poderiam dar origem a um disco novo. As vozes foram a última coisa a surgir e eu queria que elas fossem diferentes do que neste aspecto tinha sido feito tanto pelos Madredeus como pelos Sétima Legião. Não quis que houvesse aquela preocupação em transmitir o sentido das palavras, de uma letra. Escolhi o latim por isso, pela sonoridade, como se fosse mais um instrumento.
P. – A tónica numa certa religiosidade também é uma árvore que está a dar frutos?
R. – Mesmo na Sétima Legião e nos Madredeus havia essa religiosidade. Em “A Um Deus Desconhecido”, por exemplo. Ou em “Ave Mundi Luminar”, onde há uma parte quase falada, como se fosse uma missa. Mas essa religiosidade não se pode confundir com religião.
P. – A inclusão no grupo da cantora Ana Sacramento parece não ser inocente. Em “Promise II”, por exemplo, o estilo faz lembrar bastante Teresa Salgueiro…
R. – Repare, aqui os cantores têm um papel completamente diferente do da Teresa, nos Madredeus, porque embora a disposição em palco dos músicos seja semelhante, os cantores, sempre em número de dois, estão atrás… E praticamente não cantam sozinhos. A ideia básica do projecto não é de forma alguma destacar um músico ou um cantor.
P. – Como explica o facto de hoje em dia ser possível a um músico ou a um grupo português ter êxito e vender bem no estrangeiro, coisa impensável há alguns anos?
R. – Há um cansaço da música anglo-saxónica ou da que se ouve mais nos “tops”. As pessoas, também por terem mais informação, estão interessadas em ouvir coisas de países estranhos. Depois há o “boom” da “world music”… Em relação a Espanha, por exemplo, isso aconteceu agora porque tem havido, de há uns anos para cá, pessoas, na rádio e nas editoras pequenas, que t~em divulgado a música portuguesa.
P. – O curioso é que é o lado mais nostálgico e melancólico da música portuguesa que parece sensibilizar os públicos estrangeiros.
R. – Há uma melancolia inerente ao povo português que, se calhar, pode atrair lá fora, mesmo em outras áreas, como o cinema, a pintura ou a poesia.
P. – Os Vox Ensemble fazem música portuguesa?
R. – Não. Pelo menos não tem nada directamente a ver com ela. Pode ter eventualmente algumas melodias ou a tal melancolia, inerente a Portugal, no seu caso, talvez causada por ter viajado muitas vezes pelo país com os Madredeus e a Sétima Legião. A música acaba por se inspirar um bocado na paisagem.

* “A palavra, depois de anunciada, não volta atrás”

RODRIGO LEÃO
& VOX ENSEMBLE
Centro Cult. de Belám (Lisboa) – 2/05 – 22h
Teatro-circo (Braga) – 5/05 – 22h
Teatro Garcia Resende (Évora) – 25/05 – 22h

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